Espaço de atividade literária pública e memória cronista

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Artigo de colaboração publicista no SF…


De mais um artigo, dos que escrevemos para o Semanário de Felgueiras, na habitual crónica, desta vez sobre considerações em torno da necessidade de proteção à história que respeita a todos, partilhamos a respetiva coluna. Quanto ao que foi publicado no mais recente número do Semanário de Felgueiras, à página 12 da edição impressa desta sexta-feira 18 de Janeiro.

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Do mesmo, para mais fácil leitura, colocamos o texto revertido conforme o original datilografado: 

Honra e mérito 

Refletiu J. Luis Borges, um dia, sempre imaginar que o paraíso fosse uma espécie de livraria. Como quem diz onde houvesse atrativos permanentes, quanto ao que mais sentia. E a eternidade estivesse ali à mão, na disposição do que os livros encerram. 

Efetivamente os livros, entre outros materiais de impressão perene, são bem capazes de transmitir o que possa passar até ao além, transportando notícias e conhecimentos, memórias e novidades, na preservação do que mereça chegar do passado ao futuro. O que numa situação como ocorre atualmente, de crise de quase tudo e mais alguma coisa, deverá merecer ainda mais cuidados, atendendo a tudo o que encerra, qual mensagem capaz de atravessar oceanos e tempestades e num recipiente se rebola por fim na areia de costa espraiada, ao alcance do destino. 

Vem ao caso a proteção memorial que deveria ser prestada à história local, de modo a que se não percam testemunhos existentes, de acontecimentos merecedores de estudo e transmissão pelos tempos fora. Ultimamente, estando-se em tempo de transição de século e consequente atenção evocativa do que se passou no anterior, pela similar conta de anos, tem havido na atualidade, por terras deste país, diversas iniciativas tendentes à memorização de factos relacionados. Quanto as transformações sociais na mudança da monarquia para o regime republicano, as questões e cisões entre a Igreja e o Estado na lei da separação e secularização dos bens eclesiais, etc. etc.. Bem como alterações urbanas, delimitações territoriais, etc. e tal. Entre exemplos demonstrativos do que foi o panorama vivido por nossos antepassados, naqueles tempos, por exemplo, como realidade que se não for registada se evapora e desaparece. 

Antigamente, quando não havia televisão nem outras distrações modernas, convivia-se familiarmente à roda da lareira, e, contava-se então, ao serão, histórias que já haviam sido ouvidas e, assim, iam passando na transmissão oral de avós a netos, de vizinhos a amigos e conhecidos. Além de, nessas horas passadas em torno do fogo crepitante e alongamento do tempo ao borralho, pela noite dentro, haver ainda ensejo para pôr as conversas em dia, estalando as novidades e se atiçar o lume das andanças locais. Agora, com a pouca disposição existente, tal o ambiente derivado da crise social reinante, com tudo a andar para trás e só classes mais favorecidas poderem andar melhor com a vida, nada sendo como dantes, já reina mais o deixa andar e passa à frente, não contando outras loas, pese a facilidade de comunicações reais e virtuais. 

Pode então questionar-se se valerá a pena ainda valorizar e gastar valias e energias com assuntos culturais e históricos, no sentido de apreço pela memória coletiva, no que toca ao caso. Porém, se assim (não) fosse, nada do que chegou até nós, por pouco que seja, não teria sobrevivido, pois crises sempre houve, em todas as situações, melhores ou piores, e as marés vão e vêm, com as ondas. Quão dignificante será fazer libertar da lei do esquecimento tudo e todos o que por obras valerosas se alevantam diante do bem comum. Sem nostalgia, mas ternura, no intuito de se não perder a recordação, na ideia, certa, de que depressa esquecem os que se cruzam na breve vida, sendo a existência humana quase um breve instante, um fogo-fátuo. Algo, contudo, a dever ser guardado, numa resistência digna de valorizar o que merece valimento. Qual galhardia do que foi feito e possa vir a acontecer ainda com préstimo, a distinguir com honra ao mérito.

Armando Pinto 

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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

25 Anos de Saudade: À Minha Mãe!


Faz hoje 25 anos, um quarto de século já, que faleceu a minha Mãe. Matilde da Costa, nascida a 27 de Junho de 1915 e falecida a 15 de Janeiro de 1988, tendo sido sepultada no seguinte dia 16, em Rande. 

Depurando esta data e espiritualizando todo o sentimento que sussurra bem cá dentro a sua ausência, mas nos preenche também a sua existência marcada em nosso ser, dedicamos-lhe uma poesia...

Fazendo nossas as palavras de um poeta que admiramos, nosso conhecido e, por sinal, Felgueirense Lucas Teixeira – tal o pseudónimo do amigo sr. Armando Teixeira, mestre de iluminuras e poeta de veia sensível – aqui fica um poema, de emoção enternecida.

Armando Pinto

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sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Artigo no SF sobre um Livro Especial…


Ainda dentro da sensibilidade da quadra natalícia de fresca memória (e para enquadramento, a quem não foi contemplado, na particularidade do caso), escrevemos para o Semanário de Felgueiras, na habitual crónica, desta vez, sobre um livro particular, como fica explanado no próprio artigo. Do qual, publicado no número desta semana do Semanário de Felgueiras, para aqui transpomos recorte da respetiva coluna incluída na página 12 da edição impressa do SF desta sexta-feira 11 de Janeiro.

(Clicar sobre este recorte digitalizado, para ampliar e ler) 

Do mesmo, para mais fácil leitura, colocamos o texto revertido conforme o original datilografado: 

Um Livro particular… 

Tal como reconheciam Camões, Camilo e Fernando Pessoa, entre grandes escritores e poetas clássicos que moldaram a escrita portuguesa, a nossa Língua é uma das principais bases de união dos que são e sobretudo se sentem portugueses. Sendo assim uma fonte da vida, como algo interligado, pois toda a vida, quão proclamava o Padre António Vieira num dos seus célebres sermões, não é mais que uma união - tal se for de pedras estas formam uma construção, enquanto de tábuas podem formar um navio e de homens até um exército, ao passo que no ser humano a junção de corpo e alma forma o corpo e sem essa vida de união passa a cadáver. 

Com a transformação que vem acontecendo ultimamente, na junção à crise de valores manifestada das mais variadas formas, a linguagem portuguesa passa atualmente por uma fase inovadora, através das mudanças verificadas perante o recente acordo ortográfico oficialmente imposto. O que nem admira, estando-se em tempos de impostos… derivados das sobrecargas políticas legisladas; e em tempo de poupanças… porque assim, agora, a nova ortografia reduz espaço, com a retirada de letras não lidas, para economia de escrita e consequente paginação. Porém, apesar de tudo continua, a língua portuguesa, como uma das principais identidades da Pátria. 

Melhor ou pior, é assim, então, em português que naturalmente nos expressamos. E numa destas formas de expressão, em português escrito, quisemos fazer um presente de Natal diferente, na ocasião das prendas natalícias, por meio duma singela publicação editada a nível privado. De cuja existência damos conta, aqui e agora, apenas para não deixar de água na boca quem teve conhecimento mas não chegou a poder ter em mãos esse livrinho, com que aumentamos nossa autoria bibliográfica. 

Com efeito, na quadra do Natal de 2012 a prenda mais terna oferecida pelo autor destas linhas foi um livro. Um livro específico, em forma narrativa de estilo romântico-realista, ao género de conto personalizado, com uma dedicatória especial. Numa junção de folhas, somando 24 páginas (incluindo sequência de fotos constantes na paginação), cuja materialização teve simplesmente uma edição reduzida, sendo de distribuição restrita como “Presente de Natal” oferecido ao meu neto e partilhado com escasso número de pessoas presentes na distribuição efetuada à beira do presépio familiar, como edição particular. Qual impressão sempre viva, numa ideia de perpetuar minutos de vida, como quem pinta quadros por letras. Porque as palavras voam, enquanto as letras escritas perduram. Podendo então permanecer, numa energia escrita com júbilo de paz interior. 

Nota: Recorde-se que, devido ao livro não ter sido de acesso público, colocamos o respetivo texto para leitura no nosso blogue (clicar sobre este link seguinte, para aceder), em


© Armando Pinto


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Faz quatro anos… desde o último grande nevão na região da Longra - Felgueiras...!


Foi a 9 de Janeiro de 2009, numa manhã fria e surpreendente - já passaram quatro anos - quando caiu o mais recente nevão a cobrir de branco a Longra... nesta área de Felgueiras e zona interior nortenha de Sousa e Tâmega. Prolongando-se pelo mesmo dia, uma sexta-feira, tal atração de flocos brancos surgidos do ar, vulgo farrapos, quais folhas esvoaçantes, que desde o alto celeste vieram em catadupa cobrir o solo e toda a natureza, transformando o ambiente assim colorido por um espesso manto de neve, de “folerca” - como por esta zona se costuma dizer popularmente (em corruptela popularucha de folheca).


Tal cenário até nos fez recordar poeticamente o poema "Balada da neve", de Augusto Gil...

«Fui ver. A neve caía
 do azul cinzento do céu,
 branca e leve, branca e fria…
 Há quanto tempo a não via!
 E que saudades, Deus meu!

Olho-a através da vidraça.
 Pôs tudo da cor do linho.
 Passa gente e, quando passa,
 os passos imprime e traça
 na brancura do caminho…»

... Habituados à geada invernosa, nas áreas baixas da área, nesta zona ribeirinha do rio Sousa, todos os sentidos tiveram então, dessa vez, uma camada de neve a compor o panorama ambiental. Num facto pouco habitual, como só acontece com grandes intervalos de tempo, de permeio, mediando de muitos em muitos anos, normalmente. Tanto que desde aí ainda não voltou a ter repetição, por enquanto. 

Recordando esse dia e a visão pouco comum, relembramos aqui o facto através de algumas imagens do álbum pessoal...



© Armando Pinto

sábado, 5 de janeiro de 2013

Recordando Pessoas de Rande-Felgueiras: Padre Joaquim Sampaio (1924 – 1993)…


A memória histórica, como fiel perseverança do passado, não deve ser considerada apenas na perspetiva ultrapassada de acontecimentos e ausência verificada de personagens, mas sim no fator de coesão social, num aspeto de participação na vida comunitária permanente. 

Nesse sentido, recordamos desta vez mais uma das Pessoas da nossa região, o já saudoso Padre Joaquim Sampaio. Sacerdote natural de Rande e que, depois de uma vida inteira dedicada à Igreja e à Diocese Portucalense, jubilado de seu múnus paroquial exercido em terras da área do distrito do Porto, veio a radicar-se por fim na terra natal até falecer, também em Rande, no concelho de Felgueiras…


Sem necessidade de grandes apresentações, em virtude de ainda estar na retina memorial de seus conterrâneos mais afeitos às loas históricas e sensações espirituais, o Padre Joaquim permanece na memória coletiva como individualidade de relevo, sendo naturalmente um dos ilustres Filhos de Rande, onde nasceu a 13 de Agosto de 1924. Aqui, também, o mesmo sr. P.e Joaquim Luís de Sousa Sampaio (após ordenação na Sé do Porto a 3 de Agosto) celebrou Missa Nova na igreja paroquial de S. Tiago de Rande a 10 de Agosto de 1952 e, por fim, ficou sepultado no cemitério paroquial, tendo falecido em Rande a 8 de Dezembro de 1993. 

Em memória desse percurso que percorreu ao serviço do bem comum, recordamos através de imagens alguns dos seus momentos marcantes, desde fotografia do repasto da boda do dia de sua Missa Nova, até ao “santinho” (frente e verso da pagela) respeitante à sua ordenação e celebração da 1ª Missa, mais a estampa (de quatro páginas) distribuída aquando do falecimento. 

In Memoriam.


Armando Pinto 

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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Feliz Ano Novo !


Aos amigos e acompanhantes deste nosso blogue: 

Desejo que o ano de 2013 seja bem preenchido de bons motivos e continuemos a partilhar especiais momentos de lazer em temas inerentes aos assuntos comuns. 

Aproveito para manifestar apreço pela companhia e participação neste espaço, na certeza que é de todos nós.  Tal como formulo votos que continuemos juntos, a compartilhar tudo o que respeite ao interesse histórico-literário e desperte respeito bairrista, irmanados em auto-estima telúrica. 

Bom Ano Novo!

Armando Pinto

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Prenda de Natal – Livro “Destino de Menino”


Neste Natal de 2012 a “Prenda” mais terna oferecida pelo autor destas linhas foi um livro. Um livro específico, com uma dedicatória especial. 

Porque este livro, de 24 páginas (incluindo sequência de fotos constantes na paginação), teve simplesmente uma edição reduzida, sendo de distribuição restrita como “Presente de Natal” oferecido ao meu neto e a familiares próximos, partilhamos do mesmo a mensagem respetiva, através do próprio texto. Só o texto, naturalmente, por motivos óbvios - como edição particular que é. 

Ora, em forma narrativa de estilo romântico-realista, eis esse personalizado conto: 


Destino de Menino 

2012 

= Conto – Dedicado ao Gonçalo Pinto Matos. 
Sobre ele e a pensar nele, o meu neto Gonçalo. 
Edição do autor, em tiragem restrita a 15 exemplares, numerados manualmente e autenticados com rubrica autógrafa do autor. 
Nº ..


A Pátria é a terra em que nascemos, em que nasceram e viveram os nossos pais e avós, mais muitas gerações de portugueses como nós. Assim aprendíamos nos bancos da escola e debruçados nos tampos das carteiras - a sarrabiscar de ponteiro para a lousa, o que ouvíamos desde a secretária da professora, ou de aparo em punho vertendo aos cadernos as lições, por meio das penas molhadas nos tinteiros de louça à nossa frente… Há quantos anos, pelos idos anos da década de sessenta, do século XX, na aprendizagem escolar do autor destas linhas. 

Era… É nossa Pátria todo o território sagrado que D. Afonso Henriques começou a talhar para a Nação Portuguesa, algo que tantos heróis defenderam com seu sangue e dilataram com sacrifício de vidas. A terra onde repousam esses nossos maiores, a par de santos e sábios, de escritores, historiadores e demais artistas de mérito, da gente laboriosa que cultiva o solo e faz florescer o ambiente, de todas as pessoas empreendedoras do desenvolvimento comum. Pátria! Como Mãe de todos, os que foram nossos antepassados, mais os que vivemos e os que hão-de vir. Onde é ou foi a casa em que nascemos e vivemos; o regaço materno que nos embalou e ainda acaricia nos encantos da memória; a povoação, vila ou cidade na qual crescemos ou onde têm raízes as nossas origens familiares; o sítio donde nosso carácter se liga às pessoas que nos rodeiam em amor abençoado por laços de sangue e afeição genuína. 

Onde queremos chegar? Já lá imos, tendo no pensamento uma liança à terra Mátria, nosso torrão natal que nos relacionará com a descendência, continuada para já com o meu primeiro neto, o Gonçalo. Como vamos atingir ao correr da narrativa, a seu tempo.


Pátria, na ideia de nação e enquadramento do país, vai duma ponta à outra do mapa deste extremo da Europa, do Minho e Trás-os-Montes até ao Algarve, no litoral da Península Ibérica e extensão das ilhas dos arquipélagos da Madeira e Açores. Sendo muito importante nós e os nossos termos um torrão pátrio, como local que podemos considerar nossa terra e a que nos sentimos intimamente apegados, onde nos conhecem e nós nos identificamos com as características, além de ser aqui que permanecem as estirpes familiares e princípios do que nos povoa o ser. 

Hoje em dia, na era contemporânea, é sensivelmente rápido chegar de um lado ao outro do país, conforme as vias e meios de transporte. Mas nos primórdios da nacionalidade demorou séculos a chegar do Porto ao Algarve, atendendo a ter sido da corrente ribeirinha portuense que partiram os guerreiros nortenhos à cata de expulsar os mouros para a reconquista cristã. Como? Pois já Pedro Homem de Melo cantou no seu poema Aleluia: «Como não pôr no Porto uma esperança “se daqui houve nome Portugal”?» 

Ora, então foi mesmo de forma lenta, mas precisa, a evolução da fundação e posterior alargamento de Portugal. Recuemos à formação territorial da terra portuguesa, quando Vímara Peres, um dos responsáveis pela repovoação da linha entre o Minho e Douro, foi auxiliado por cavaleiros da região na ação de presúria de Portus Cale (Porto), tornando-se o primeiro conde de Portucale, burgo que foi assim definitivamente conquistado aos muçulmanos no ano de 868. Então, se a presúria do Porto aconteceu ao correr do ano 868 e a conquista de Lisboa em 1147, o Algarve só foi conquistado em 1249. Então não é que para chegar do Porto a Faro foram precisos tantos anos?! 

Durante isso, ao Norte, em pleno Entre Douro e Minho atual, na zona da antiga Felgaria, derivada na Felgerias Rúbeas, presentemente área de Felgueiras, já havia há muito povoamento, entre avanços e recuos de fixação de povos, levando e trazendo usos e costumes, falares e crenças da cultura galaico-portuguesa. Desde recuadas épocas de primitivos sub-condados, como o Conitatus Sousa sob jurisdição senhorial da família dos Sousas, os Sousãos. Enquanto durante a afirmação nacional, no alastrar do território sob domínio dos reis portugueses, já havia paróquias integrantes de Honras, Julgados e Coutos que volvidos tempos se fundiram numa região concelhia, sendo as mais antigas freguesias da parte do posterior concelho de Felgueiras já mencionadas nas Inquirições de 1220 e 1258. Ao passo que, enquanto também se ia moldando a alma portuguesa e as bases da Pátria, Portugal nascera como Estado praticamente no Tratado de Zamora, em 1143, mas a sua independência só foi reconhecida internacionalmente em 1179 (pela Bula do Papa Alexandre III) e as fronteiras, as mais antigas da Europa, apenas foram definidas em Alcanizes já no ano de 1297. Estes alguns dos fundamentos históricos da Pátria, de Portugal como Nação. Na qual, como nossa terra Mátria temos Felgueiras. Com matrizes das raízes de outrora, por entre brumas da memória, de quanto é nossa identidade. 

Pois deveras isto dará uma história, para contar? - Poderá questionar-se. Porquê isso para dar sentido a uma história de jeito e cunho mais pessoal? 

Já lá vamos…!

Efetivamente as distâncias, mesmo que muitas, poderão a todo o tempo encurtar e fazer-se perto. E se há diferenças, também poderão surgir afetividades, na intercomunicação. Qual o carisma entre o Norte e o Sul do país, os pontos que acabaram por se encontrar no tempo através das conquistas, nas pelejas pela difusão da cristandade e construção territorial de nossa Pátria. 

Tomemos um dos devaneios descritivos de Almeida Garrett, numa das suas passeatas literárias através das suas “Viagens na Minha Terra”, obra-prima desse dos mais destacados e importantes escritores portugueses clássicos. Em narrativa que, passada que era no vale de Santarém, situou as gentes do sul na zona do Ribatejo e os nortenhos pelas águas da Beira Litoral, como exemplo das migrações, visto os de cá de cima andarem nas fainas dos mares ao longo da costa, de cima para baixo. Deixando aí o célebre literato escapar, por entre os dedos de conversa enredada, ainda no século XIX, a dado passo duma bela passagem: 

«… Ora os homens do Norte estavam disputando com os homens do Sul: a questão fora interrompida com a nossa chegada à proa do barco. Mas um dos Ílhavos – bela e poética figura de homem – voltando-se para nós, disse naquele seu tom acentuado: «Pois aqui está quem há-de decidir: vejam os senhores. Eles, por agarrar um toiro, cuidam que são mais que ninguém, que não há quem lhes chegue. E os senhores, a serem cá de Lisboa, hão-de dizer que sim. Mas nós...» (…) 
– «Então agora como é de força, quero eu saber, e estes senhores que digam, qual é que tem mais força, se é um toiro ou se é o mar.» 
– «Essa agora!...» 
– «Queríamos saber.» 
– «É o mar.» 
– «Pois nós que brigamos com o mar, oito e dez dias a fio numa tormenta (…) e estes que brigam uma tarde com um toiro, qual é que tem mais força?» 
Os campinos ficaram cabisbaixos; o público imparcial aplaudiu por esta vez a oposição, e o Vouga triunfou do Tejo. (...)» 

Este trecho constava também do livro de leitura da minha 4ª classe da escola e impressionou-me de forma a não mais o esquecer. A ponto de ter gostado de o rever na “Selecta Literária” do ensino liceal e agora lembrar, como exemplo. 

Pois então, entre toda esta dissertação, queremos alongar o quanto estivemos em busca do nosso Norte. Como, em forma popular, se poderia sintetizar numa legenda de “minha terra, minha gente e minha família”, da relação com a Terra, percorrendo caminhos daquilo que é muito nosso. Sendo importante, como queremos estender por aqui adiante, haver um local para trazermos no peito, d’algo que diga respeito ao que nos desperta, quão é termos a nossa terra. Quem viva distante, como numa grande cidade, numa metrópole com povo de muitas proveniências, se não tiver uma relação assim, terá de direcionar objetivos a pensar em terras dos outros. E não há nada como termos a nossa terra. 

Daí que haja sempre um norte, de rumo que norteamos. 

É sempre bom também, no meio disto tudo, ter alguém para nos escutar, havendo alguém interessado em nos perceber, nestas memorizações que tais. Como recordo sempre, com que ternura e saudade, a minha avozinha, retida no leito por mor de longa paralisia. E como eu, sempre que podia, sentado à beira de sua cama, pedia: - Conte-me mais uma história, avozinha! - Bózinha, diga-me um conto! E com paciência de santa, de olhos a brilhar de contente, por ali me ter junto a si, ela lá começava: Era uma vez… 

Ora… É assim mesmo que sinto, agora na pele de avô, pensando sempre no meu neto – filho da minha filha, a minha menina que cresceu e se tornou mãe deste meu menino mais lindo do mundo. Como parte de mim mesmo, agora esse meu bonito netinho, com origens aqui da minha terra, do meu sangue, sempre horizonte do meu Norte. O meu primeiro neto, qual herdeiro primogénito de amor avoengo e no que vier a sair a mim, continuador. 

Foi um neto muito desejado. Penso que há muito o ansiava, parecia que há muito o esperava. Recebido depois num aperto bem aconchegante, enleando-o nos meus braços, enquanto ele mal conseguiu mexer-se já era todo de braços estendidos ao avô. Um rosto de criança puro e lindo, coroado num bonito cabelo, como ouro sobre azul. E em seus traços um destino: quanto quero a este meu menino! 

No primeiro momento que o vi diante dos olhos, logo senti como com o nascimento dos meus filhos, bebés de que gostei logo ao nascer. E este ser assim pequenino, o Gonçalo ainda absorto, de olhos descontraídos e pensamento límpido, foi como um dia risonho e belo que vemos ao amanhecer, de felicidade. 

A vida passara a correr. Que é feito do tempo em que meus filhos cresceram? Cada momento consigo recordar, cada minuto e anos dos que os tive, a seu tempo, por entre os meus dedos de mãos agarradas. E a minha menina, que daria depois o sorriso encantador que faz rejubilar meus olhos por estes tempos… Vejo-a muito tempo atrás, com sorriso típico e conciliador no rosto, ao lado do irmão e ambos de mochila a acenar, ao saírem do carro quando os levava à escola. Sentindo divertida a minha menina, então, tal qual hoje continua a crescer na cumplicidade que temos, em nos revermos e sentirmos bem apertados da cabeça aos pés, daqui do Norte até ao Sul e de Sul vindo para Norte. Em cujos entretantos constituiu família, casada com o meu genro que, desde nosso mútuo conhecimento, é também meu outro filho e amigo. 

Chegou enfim o meu menino, depois, com a vida pela frente. Oh, o meu neto então virou o meu mundo. Tudo voltou a ter novidade e interesse. Falando por mim que escrevo, naturalmente, mas com tudo à mesma e igualzinho a ser sentido e vivido pela sua avó Linda. Enchendo a nossa casa e nos completando, o Gonçalo. 

Na evolução do percurso inerente, a normalidade das ocorrências mostrou este mais que tudo, entre outros bens. Que apreciamos viver, na existência deste tão lindo e querido menino, coberto de beijos sempre que vem até à terra dos avós maternos. Constantemente estreitado contra o peito, como que a atenuar mazelas físicas, do autor destas linhas. Ah, sim… que já puseram o coração num desalmado bombeio da vida… Até que, para já, deu nisto, de ainda por cá andarmos, podermos recordar e deixar o coração falar. 

Sinal da seiva que corre nas veias, na azulada rede onde circula o sangue hereditário, é que, numa bela manhã domingueira, o Gonçalo passou a fazer parte dos registos de batismo da terra da sua família materna, tendo sido batizado na igreja de S. Tiago de Rande, na pia do batistério onde recebera o mesmo sacramento o avô e sua descendência. Num dia de emoções e alegria, devidamente festejado e em elevado nível vivido. 

Dotado de maneiras cativantes, o Gonçalinho, muito inteligente e de grande memória (então não se esquece de nada, mesmo daqui destes ares nortenhos que só sente espaçadamente!), até bem falador (como encanta o pessoal na pastelaria da Longra, logo chamando bem explicado e audível: - Nélaaa! Ólgaaaa!), e então sempre com o avô na boca e demais sentidos, expressando-se com desenvoltura, é tudo o que gostaríamos de ter sido e queremos que ele seja pela vida fora, com sucesso. Revelando desde muito pequeno sua personalidade vincada, sem deixar as coisas pela metade. Quanto lembra o caso de ele, ao meu colo, estar a chamar a atenção ao gato do vizinho dum andar de cima, olhando para a varanda cimeira desde o terraço do nosso apartamento da Longra. Ele que gosta de animais e de fazer festas a cães e gatos, quando pode e eles estão pela conta. Embora a sua maior atenção, nestes tempos de criança até aos dois anos e pico, seja de querer ver as portas articuladas das garagens a subir e descer, pelo fascínio do movimento, puxando o avô pela mão sempre que pode assistir a uma dessas aberturas, “ábrir”, como proclama no seu falar. 

Pois de uma das vezes em que procurava chamar o tal gato, numa das primeiras experiências para deixar a chupeta, a avó tinha experimentado dizer que atirou a chupeta ao gatito e ele ficara com ela. Muito na sua boa disposição, o Gonçalo não acusou logo o toque e foi continuando a tentar conversar, à sua maneira, chamando o gatinho com falas mansas e sons labiais apropriados. Só que, passado algum tempo, vendo que lá de cima não vinha nada e muito menos a chupeta, não esteve com meias medidas e, em vez de sussurrar por gatinho (qual gatinho qual quê, qual carapuça?!), passou a outro tom já, para se fazer ouvir, chamando fortemente, decidido e já sem meias medidas: Ó gátooo…! (Como quem diz, olha a ver se queres…! E o certo é que, entre sorrisos graciosos, pela piada da reação, a chupeta voltou a aparecer.) Olha se não…?! 

Depois disso, volvido pouco tempo acabou mesmo por a deixar, quase sem custo aparente, durante a época de praia passada com os pais. Convencido, afinal, que a sua chupeta fora levada por uma gaivota, para os seus bebés… como foi repetindo ainda durante algum período de conformismo. 

Enquanto, destemido como é, e craque a gostar de andar no parque infantil em Carnaxide e Linda-a-Velha, como vemos nas imagens de telemóvel que nos manda o sr. Joaquim, entre façanhas e passatempos com os avós paternos, o Gonçalo ao chegar aqui à Longra depressa dá vida a tudo: logo vai ver o escritório do avô, quer ouvir o relógio de capela no seu toque antigo, vai andar de triciclo e bombear-se no baloiço do nosso terraço, trazendo em tais e mais andanças outra alvura (pois vê-lo ao vivo é outra coisa!), como que luz solar rompendo névoa e que a sorrir nos vem despertar, de novo. 

Ah, como surpreendeu, por exemplo, daquela vez em que, indo no carro do avô, de imediato e sem ninguém dizer nem perguntar nada, reconheceu e indicou a estrada que dava para a igreja onde, tempos antes, o levamos a ver o sino que ele ouvia encantado desde cá de casa… 

Enquanto, sempre que chega aqui a nossa casa, como sol que entra em ledo abrir dum dia, ainda de dentro do carro mal vê o avô fica eufórico e, depois, passa aos braços da avó e do tio Nuno para um “chiiii apertado”. E abraça a Lígia, de cabeça bem encostada. Como só o Gonçalo sabe fazer, nos bons momentos que proporciona sempre que vem com os pais, ver os avós da Longra. E então como é bom andar ao colo do avô (e o avô andar com ele bem encostado ao peito)…! 

…E como gosta de brincar com o Tomás, plenamente entusiasmado, e com os seus amigos Miguel, Ruben, Lara e Leandro, vizinhos da loja da avó; tal quanto andar ao colo da Mariana; ao passo que cheio de vitalidade, sempre que vai passear com o avô pela Longra, diz logo que quer ir à casa da tia Rosa ver o “scote” e as galinhas, mais o Pin e Lis (Quim e Luís), mas mal lá entra, antes de ir ver o cão todo esbaforido, segue direitinho ao sítio onde estão as bolachas… E depois quer ir ver a cadela Lua a casa da tia Fátima - para ver o tio Tónio a puxar a porta da garagem… 

E… (com tanta gente mais, entre primos, tios e amigos, que se fossemos a narrar tudo era um nunca mais acabar de peripécias joviais.) Assim como deixa as pessoas sentidas e de boca aberta quando, a quem lhe desperta afeto e simpatia, se chega ao ouvido para dizer um segredo e sussurra: - gosto de ti! 

Revendo estas e tantas outras situações, como que a reter sensações, faz-se uma viagem no espaço do tempo, enquanto as memórias, afinal, são uma forma eloquente de exaltar a vida. 

Hoje em dia, bem vistas as coisas, portanto, as tais distâncias já estão outras, encurtadas e diferentes, pois o longe se faz perto no pensamento sempre presente. 

E… eis que a terra cá está, também para o meu neto. Ele vive na área Sul do país, nos arredores de Lisboa. Mas suas raízes também estão bem entranhadas aqui no Norte. Com fortes elos a esta zona onde o imenso azul do céu é bem azul e a verde natureza vibrante, mais parecendo que o Criador salpicou com tinta de cores vivas este cenário idílico. E não é que ele, o meu neto, muito gosta de vir até cá acima, à terra do avô que é sua perdição?! Rejubilando de alegria efusiva, ao aproximar-se da “nossa casa”, dizendo de alto e bom som: 

- Chegamos à Longra! 

E mais… Como ainda com pouco mais de dois anos, por vezes, ao acordar para ir para o infantário, se apressava já a dizer à mãe, ainda no calor dos sonhos mais belos (lá tão longe e distante de próxima visita):

- Hoje não quero ir à escolinha, quero ir para a Longra…! 

 ~~ * ~~ 

Quando o Gonçalo está com pouco mais de dois anos e meio (aos dois anos e oito meses), durante a fase encantadora que é a infância, ofereço-lhe este textinho. Para ele obviamente entender e apreciar mais tarde, no belo caminhar pela evolução da idade. Guardado que fica em livro feito expressamente para o efeito. Com amor de avô, qual norte avoengo, relativo a destino e ponto cardeal do pensamento antepassado. Extensivamente para oferta também, a familiares, amigos e pessoas chegadas. Ao jeito de conto, saído bem de dentro do ser do avô Armando. Porque o Gonçalo é o protagonista principal desta história que começou com a sua vez, quando veio e é uma vez… e sempre o Gonçalo. Com destino terno de nosso menino.

Escrito no Outono e colocado como prenda pelo Natal. 

Longra - Felgueiras, Dezembro de 2012. 

ARMANDO PINTO 



Bibliografia DO AUTOR

Obras publicadas:

- Livro (volume monográfico) «Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras»; publicado em Novembro de 1997. Edição patrocinada pelo Semanário de Felgueiras.
- Livro (de contos realistas) «Sorrisos de Pensamento»
– Colectânea de Lembranças Dispersas; publicado em Outubro de 2001. Edição do autor.
- Livro (alusivo da) «Elevação da Longra a Vila» - Julho de 2003. Edição do autor.
- Livro (cronista do) «Monumento do Nicho Nas Mais-Valias de Rande» – Dezembro de 2003 (oferecido à Comissão Fabriqueira paroquial, destinando receita a reverter para obras na igreja). Edição do autor.
- Livro «Padre Luís Rodrigues: Uma Vida de Prece Melodiosa» – Na passagem de 25 anos de seu falecimento; publicado em Novembro de 2004. Edição do autor.
- Livro «S. Jorge de Várzea-História e Devoção», publicado em Abril de 2006. Edição da Paróquia de Várzea.
- Livro «Futebol de Felgueiras-Nas Fintas do Tempo» (sobre Relance Histórico do F. C. Felgueiras e Panorâmica Memorial do Futebol Concelhio, mais Primeiros Passos e Êxitos do Clube Académico de Felgueiras) – pub. Setembro de 2007. Edição do autor.

Livros oficiais (alusivos a realizações de eventos), entretanto também publicados:

- «1ª Mostra Filatélica e Exposição Museológico-Postal da Casa do Povo da Longra» (relativa a Semana Cultural de abrangência comemorativa do centenário de Francisco Sarmento Pimentel e octogenário do Correio da Longra - Julho de 1995).
- «1º Festival Nacional de Folclore “Longra/97”» (englobando partes historiadoras e galeria diretiva da Associação - Maio de 1997).
- «2º Festival de Folclore do Rancho da Casa do Povo da Longra» (contendo Lendas e Narrações das freguesias da área da instituição - Setembro de 1998).
- «Associação Casa do Povo da Longra-60 Anos ao Serviço do Povo» (alusivo ao respetivo sexagenário, contendo a História da instituição - Abril de 1999).
- «3º Festival de Folclore da Longra-Memória etnográfica do sul Felgueirense e afinidades concelhias» (Julho de 1999).
- «4º Festival de Folclore da Longra-Celebração Folclórica do sul Felgueirense» (Julho de 2000).
- «Evocações da Festa Paroquial de S. Tiago de Rande» (Julho de 2000 - de promoção à festa desse ano, por solicitação da respetiva comissão organizadora, traçando panorâmica das festas antigas.)
- «Rancho da Casa do Povo da Longra-Sete anos depois... em idade de razões» (Maio de 2001 – livro comemorativo do 7º aniversário do mesmo agrupamento e também alusivo ao 5º Festival de Folclore da Longra, de Julho seguinte – incluindo texto de fundo narrativo do “Conto de um Rancho Amoroso”, sobre a história do grupo em questão.)
- «6.º Festival do Rancho da Casa do Povo da Longra – Desfile de Oito Anos de Vida» (Junho de 2002).
- «7.º Festival da Associação Casa do Povo da Longra – Danças Mil em Nove Anos de Folclore» (Junho de 2003).
- «Grupo de Teatro da Casa do Povo da Longra – Sete Anos na Arte de Talma Associativa» (Outubro de 2003 – Primeiro livro historiador do respetivo agrupamento, em tempo do seu sétimo aniversário).
- «8.º Festival da Associação Casa do Povo da Longra – Alcance duma Década Etno-partilhada» (Junho de 2004).
- «9.º Festival da Associação Casa do Povo da Longra – Comunhão de Tradição Associativa» (Junho de 2005).

Próxima publicação:

- Livro «Luís Gonçalves: O “Engenheiro” da Casa das Torres» (projetada edição).

Obra a publicar, concluída mas à espera de edição (para quando possível):

- Livro (futuro) de «Remembranças Felgueirenses», sobre notas de Recordações e Curiosidades do Concelho de Felgueiras.



Ficha Técnica:
Título: Destino de Menino
Autor: Armando Pinto
Edição do autor, restrita de 15 exemplares.
Dezembro de 2012.