Espaço de atividade literária pública e memória cronista

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Recordação Histórica sobre Votos Oficiais de Pesar por João Sarmento Pimentel


Na sequência do anterior artigo –  neste blogue "Longra Histórico-Literária"  sobre o nosso amigo (e correspondente do autor) ”Senhor Capitão da Torre”, como ao tempo era conhecido nesta região felgueirense e entre amigos como “João da Torre”, acrescentamos algo mais, em relevo à sua importância a nível nacional. Quanto a João Maria Ferreira Sarmento Pimentel, que participou como Cadete na implantação da República em 1910 e já como Capitão restaurou a República em 1919, ao comandar o golpe que derrotou a Monarquia do Norte, no Porto, onde depois também fez parte da tentativa de Fevereiro de 1927, até que teve de se radicar no Brasil, como exilado político. Mais tarde, já após o 25 de Abril de 1974, reabilitado como General.

Para o efeito, intercalado com ilustrações de recortes de notícia (do Jornal de Notícias de 15-10-1987). transcreve-se aqui, qual honrosa memória, o que foi publicado no Diário da República em 1987, a 17 de Outubro seguinte:

I Série - Número 11 Sábado, 17 de Outubro de 1987
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE OUTUBRO DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Foi aprovado um voto de pesar, apresentado pelo PS, pelo falecimento do general Sarmento Pimentel, após o que usaram da palavra os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia (PS), Pedro Campilho (PSD), Maia Nunes de Almeida (PCP) e Vasco da Gama Fernandes (PRD).

« Srs. Deputados, vai ser lido um voto de pesar pelo falecimento do general Sarmento Pimentel, apresentado ontem na Mesa pelo Grupo Parlamentar do PS.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar
Faleceu o general Sarmento Pimentel, figura insigne de cidadão e de lutador indómito na defesa dos valores da liberdade e da democracia em Portugal. Com ele desaparece um dos últimos revolucionários da Rotunda, um homem que, através do seu exemplo de amor à Pátria e à liberdade, marcaria gerações de resistentes à ditadura.
Sarmento Pimentel bater-se-ia na Flandres, integrado no corpo expedicionário português, e enfrentaria com brio e coragem todas as tentativas restauracionistas, defendendo a República de armas na mão.
Depois da instauração da ditadura, participaria ainda na revolução do 3 de Fevereiro, conhecendo depois a amargura de um longo exílio no Brasil, sem nunca ter demonstrado uma hesitação, um desfalecimento, na defesa dos seus ideais de justiça e liberdade. Seria o 25 de Abril libertador que o faria rever a sua pátria e que lhe faria público testemunho do agradecimento dos Portugueses pelo estoicismo e pelo mérito da sua luta de tantos anos.
Sarmento Pimentel seria então promovido a general e, posteriormente, agraciado com a Ordem da Liberdade. Mas Sarmento Pimentel não foi apenas um grande lutador antifascista, foi igualmente o homem de cultura, fundador da Seara Nova e escritor de talento.
Faleceu um grande português cujo exemplo de cidadania e de coragem a Assembleia da República, uma vez mais, sublinha, manifestando aqui o seu sentido pesar à família e prestando o seu preito de homenagem à sua memória.

Srs. Deputados, vamos votar este voto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Extinguir-se longe da Pátria, ao cabo de quase ininterrupta ausência de seis décadas, aos 98 anos de idade e em perfeita lucidez, e ser orgulhosamente recordado e comovidamente enaltecido por várias gerações de amigos e de amigos de amigos - não é verdadeiramente morrer. Admitamos, todavia, que é. Quando um amigo morre, é nossa obrigação ressuscitá-lo - gritou José Gomes Ferreira. Ressuscitar João Sarmento Pimentel constitui dever que muitos de nós pode cumprir com aliciante facilidade. Mais do que dizer-lhe um adeus, que talvez se moldasse mal à sua personalidade, o que ora fazemos é iniciar a comemoração do centenário do nascimento do combatente e intelectual ou, com maior precisão, do herói e do escritor.
A vida de Sarmento Pimentel pertence à história da República e da liberdade em Portugal. Interveniente no 5 de Outubro de 1910, comportou-se como um jovem generoso, que, à semelhança de todos os companheiros, nada pediu e nada obteve em troca senão os abraços dos amigos. Oficial ao serviço de uma política de autonominação das colónias africanas e combatente no Sul de Angola e nos campos da Flandres, na guerra de 1914-1918, foi um profissional corajoso e um português de bem com a sua consciência. Comandante das tropas que restauraram a República no Porto em 13 de Fevereiro de 1919, afirmou-se como um protagonista da história capaz de se bater de armas na mão pelas convicções políticas que apaixonadamente viveu. Militar destacado, revolucionário vitorioso e republicano muito conhecido, passou, aos trinta e poucos anos, à situação de licença ilimitada, no posto de capitão, por se considerar mais útil na actividade empresarial do que na profissão que escolhera e em que triunfara. Eis certamente alguém com autoridade para propor que se aliviasse o Orçamento do Estado desse «cancro roedor», «pagando bem aos que podem servir a causa da Pátria na força armada e pondo noutros serviços públicos ou particulares os que nela são bocas inúteis» (Seara Nova, n.º 29), e para se insurgir contra a politização das Forças Armadas. Eis alguém comprovadamente qualificado para reclamar que o Exército fosse colocado ao serviço do ensino elementar dos sargentos e praças e para preconizar que não fosse licenciado do serviço militar quem não soubesse ou não tivesse aprendido a ler, escrever e manejar a aritmética (Seara Nova, n.º 36). Efemeramente passou pelos corredores do Poder, na qualidade de chefe de gabinete do ministro Ezequiel de Campos, que, em 1924, tentou lançar os alicerces de uma reforma agrária.
Afastado da carreira militar, Sarmento Pimentel regressou à vida das armas para acompanhar Jaime Cortesão, Jaime de Morais e José Domingues dos Santos na responsabilidade pela proclamação revolucionária de 3 de Fevereiro de 1927. Por puro espírito de solidariedade com os correlegionários e quase sem esperança no êxito da tentativa.
A sua acção no Brasil como figura tutelar dos democratas portugueses exilados e como conspirador activo tem sido unanimemente reconhecida e enaltecida por quem a viveu e disso se encontra prova bastante, por exemplo, na correspondência trocada nesses anos com outro grande conspirador, o filósofo António Sérgio, exilado em Paris. Foi na cabeça, no coração e na vontade de homens destes que, quase meio século antes, nasceu o 25 de Abril de 1974.
No exílio brasileiro Pimentel confirmou os seus ideais de justiça e solidariedade, aderindo mais tarde à ASP e subsequentemente ao PS. Nunca esmoreceu na denúncia do «fradalhão de Santa Comba», como se habituou a chamar-lhe. Esse que «ensanguentou as colónias gastando», como disse Sarmento Pimentel, «milhões e mandou prender, deportar e assassinar os que contestavam a vigarice da sua sabedoria política, do seu génio financeiro e da sua hipócrita humildade» (Portugal Socialista, de 24 de Outubro de 1984).
As palavras transcritas poderão hoje ferir um certo entendimento da elegância política. Mas a dureza metafórica do epíteto exprime um temperamento literário que é outra face de uma íntegra personalidade moral, de uma persistente força da natureza, de uma indomável individualidade cívica. É do falar claro de gente assim que podemos colher alguma credível lição prática de salutar individualismo. Homem de cultura, membro de um dos primeiros elencos directivos da Seara Nova, em 1924, Sarmento Pimentel tornou-se, com o rodar dos anos, uma singularíssima figura literária, como se comprova nas Memórias do Capitão (1963) e no longo diálogo com Norberto Lopes publicado em 1976 sob a epígrafe Sarmento Pimentel ou Uma Geração Traída. Quem sou eu para falar do escritor Sarmento Pimentel! Permiti-me por isso que vos recorde Vitorino Nemésio. Depois de classificar as Memórias como «obra-prima do género em Portugal e no Brasil», Nemésio sublinha o «apego de Sarmento Pimentel à terra e à grei nortenhas» e escreve textualmente: «O mundo dos seus antepassados transmontanos ata-se maravilhosamente ao de Camilo. Não é vivido com menos força evocativa.» E Jorge de Sena afirma que: «Eu tenho para mim que estas Memórias hão-de ser tidas -quando apenas ficar delas a beleza estética e moral das suas páginas - por uma das obras raras da literatura portuguesa; e que se houver no futuro um gosto da viril franqueza que não exclua sensibilidade fina e discreta, e se voltar a haver, por sobre as divergências de opinião e de crença, qualquer coisa que se pareça com educação cívica, trechos delas serão lidos nas escolas, como exemplos de integridade, destemor e apaixonada dedicação pela Pátria e pela Vida.»
Anos volvidos, Jorge de Sena completou a sua avaliação da figura de Sarmento Pimentel: «É das mais nobres e íntegras personalidades que na vida me tem sido dado conhecer» (Diário Popular, de 1 de Agosto de 1974).
Não tive a felicidade de privar com Sarmento Pimentel, mas nunca esquecerei a terrível juventude do homem que conheci aos 86 anos nem as horas que uma tarde passámos num restaurante médio da Avenida de Roma e a variedade de coisas de que me falou nesses tempos tão próximos e tão distantes do imediato pós-Abril.
Alguém, por brincadeira, perguntou um dia a Sarmento Pimentel como era possível um aristocrata, de tal modo cioso da estirpe dos avoengos, ter-se convertido em tão estrénuo republicano. «Ora essa», terá respondido, «já havia Pimentéis antes de haver reis de Portugal. A nossa terra já era, na verdade, habitada por um povo valente e frontal antes de a república portucalense e lusitana se haver organizado como monarquia independente.»
Terá acaso sido também um dos sentidos da diversidade de homenagens que o Estado Português lhe prestou após Abril, a derradeira das quais foi a visita que em sua casa de São Paulo lhe fez o Presidente Mário Soares quando há poucos meses visitou oficialmente o Brasil.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Campilho.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD não podia deixar de expressar o seu mais profundo pesar pela morte do comandante João Sarmento Pimentel (como gostava de ser tratado).
Trata-se de uma grande figura da nossa história; a sua morte é uma irremediável perda para o País.
Como oficial do Exército, pela sua actuação, sempre brilhante e dedicada, desde as campanhas de África, onde ganhou a sua Torre e Espada, à cidade do Porto, onde, em 1919, defendia a República da mesma denominada forma como, em 1910, por ela tinha lutado na Rotunda.
Como político defendeu empenhadamente os ideais democráticos que o levaram ao exílio.
Logo em 1927 participou na conspiração contra o regime implantado em 1926.
Em 1931 instalou-se na Galiza, para entrar na conspiração republicana para o derrube da ditadura.
Em toda a sua determinação em prol da restauração da democracia em Portugal voltou com enorme alegria ao País em 1974, sendo disso testemunho todas as suas intervenções.
Quis, porém, o destino que voltasse ao que chamava o seu «exílio voluntário». Quais as razões que a isso o moveram? Talvez um dia as venhamos a conhecer.
Mas de um seu sentimento profundo não tenhamos dúvidas: o comandante Sarmento Pimentel foi um feroz defensor da democracia, tanto como implacável inimigo de qualquer ditadura.
O seu valor como escritor dizem-no os seus escritos na Seara Nova; revelam-no as suas magníficas Memórias.
Jorge de Sena, entre outras afirmações, fez aquela que já aqui foi referida pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, mas que entendo não ser de mais repetir: «Eu tenho para mim que estas Memórias hão-de ser tidas - quando apenas ficar delas a beleza estética e moral das suas páginas - por uma das obras raras da literatura portuguesa; e que se houver no futuro um gosto da viril franqueza que não exclua sensibilidade fina e discreta, e se voltar a haver, por sobre as divergências de opinião e de crença, qualquer coisa que se pareça com educação cívica, trechos delas serão lidos nas escolas, como exemplos de integridade, destemor e apaixonada dedicação pela Pátria e pela Vida.»
Como homem de família, «o nosso clã», como gostava de repetidamente referir, lega exemplo inesquecível, pela verticalidade constantemente assumida e pelas atitudes tomadas e repetidas, dignas do grande homem que foi em toda a profunda dimensão da sua rica personalidade.
Tudo isto digo-o com enorme respeito, fruto de uma prolongada amizade, vivida quase dia a dia, como testemunhos que considero inesquecíveis e em muito ultrapassavam os laços familiares que nos uniam.
Não podemos, no entanto, terminar sem apresentar ao Partido Socialista, partido de que se considerava militante, os nossos mais sentidos votos de pesar.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP associa-se sentidamente ao voto de pesar apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS pelo falecimento do general Sarmento Pimentel, figura ilustre da primeira República e destacado militante pela liberdade.
O voto hoje aprovado assume um significado muito particular: a Assembleia da República decidiu assim prestar justa homenagem a esta grande figura de republicano e democrata.
Herói republicano da Rotunda, exilou-se no final dos anos 20, escapando à perseguição contra ele movida pelo regime ditatorial implantado em 28 de Maio de 1926.
Em 1919, durante o movimento militar que proclamou a monarquia no Porto, Sarmento Pimentel, na altura capitão, está à frente das forças que restauraram a República naquela cidade. Em 1927, e inconformado com a ditadura militar, participa num golpe de Estado que facassa, sendo demitido das Forças Armadas e obrigado a exilar-se com a família no Brasil. Homem de cultura, foi director e colaborador da revista Seara Nova.
Depois do 25 de Abril, devido ao papel que desempenhou em diferentes combates contra o regime fascista que oprimia o povo português, Sarmento Pimentel foi integrado no exército pelo Conselho da Revolução, tendo sido promovido sucessivamente a coronel e a general e condecorado com a Ordem da Liberdade.
O general Sarmento Pimentel deixa o seu nome ligado à luta pela liberdade, pela democracia, enfim, ao 25 de Abril.
Com o voto aprovado fica marcada na história da Assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses a figura insigne deste grande homem que foi o general Sarmento Pimentel.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, como é a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, dirijo a V. Ex.ª os meus cumprimentos afectuosos e a toda a Câmara os protestos da minha alta consideração.
Talvez seja o único aqui dos presentes - e digo «talvez», porque não tenho a certeza - que conviveu com Sarmento Pimentel.
Conheci-o em 1958, no seu exílio no Brasil; mais tarde tive vários contactos com ele em Portugal, quando ele vinha em romagem de homenagem à República nos célebres jantares de Alenquer, e tive um ou outro encontro com ele, verdadeiramente acidental, durante o meu exílio em Espanha.
Não conheci até hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, alguém a quem se pudesse aplicar esta expressão: «Sarmento Pimentel era dos homens que tinha a República no coração e a inteligência na própria pele.»
Era um republicano jovem que foi para a Rotunda e já mais tarde, em 7 de Fevereiro, bateu-se bravamente no Porto, acabando por emigrar. Porém, antes disso, tomou parte na reimplantação da República no Porto, após a incursão monárquica de Paiva Couceiro, até que acabou, em virtude das circunstâncias, por ter de procurar o exílio, primeiro em França e depois no Brasil.
Do Brasil sei eu da sua vigília constante. Dava-me notícias dela sempre que podia, através das formas clandestinas com que estas coisas chegavam a Portugal durante o tempo de Salazar. Sabia, perfeitamente, da sua vigília constante a favor das liberdades públicas, no protesto veemente, viril e constante - repito - contra os malefícios da ditadura. Foi solidário, fraternalmente solidário, com os seus camaradas exilados; ajudou-os em todas as vicissitudes.
Sarmento Pimentel foi um autêntico homem na extensão que se pode dar à palavra «homem». Suponho que nenhum dos senhores aqui presentes estará mais comovido do que eu ao curvar-se muito sentidamente ante a memória desse grande português.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca e a Sr.ª Deputada Maria Santos informaram a Mesa de que apresentarão uma declaração de voto por escrito.»


ARMANDO PINTO
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