As andorinhas, que parecem trazer a primavera em asas de esperança, já fugiram rumando a lugares de estado primaveril. Restando por aqui anual ambiente outonal, agora acabrunhado pelo confinamento pandémico atual. Enquanto se anseia por regresso a tempo risonho. Como outrora alguém sonhou um alto voo, em asas metálicas até paragens distantes. Algo que nos leva a recordar cá de baixo, voando rasteiro nas asas da evocação.
Passaram largos anos, desde então. Já lá vão 90 anos. Quando pequeno avião atravessou o ar em direção à Índia, coisa antes apenas acontecida por terra e mar. Conta a perfazer em novembro deste ano, a partir que em 1930 o felgueirense Francisco Sarmento Pimentel se meteu a isso num só avião (enquanto anteriores exemplos tiveram mais que um aparelho a concretizar as travessias). Realizando então tal grande ligação da primeira viagem aérea de Portugal à Índia. Numa distância recordista de mais de 11.800 quilómetros que valeu reconhecimento oficial estrangeiro com troféu da placa da Liga Internacional dos Aviadores.
Esse foi mesmo um grande voo pioneiro. Iniciado a 1 de Novembro e durado dez dias úteis até alcançar espaço aéreo do Estado Português da Índia, com onze de tempo real à última etapa (fora alguns de espera até ter sido possível substituição de peça que se partira), havendo chegado à Índia Portuguesa, fazendo escala em Diu, no dia 18 do mesmo mês; embora a conclusão do itinerário tenha sido, depois, com aterragem final em Goa no seguinte dia 19.
Escusamos de refazer descrição do roteiro de viagem, elevada de aflições, desde tempestade surgida quase logo no início, vencido o ar pelas asas à força de hélice forrada a tela, mais contratempo de avaria mecânica surgida, a penosa duração das horas levadas a sobrevoar o deserto da Síria, enfim, até ao campo de aviação de Mormugão onde pousou por fim o “Marão” pilotado pelo então Tenente Sarmento Pimentel, acompanhado na navegação pelo seu amigo Capitão Moreira Cardoso. Pequeno avião que o aviador Pimentel adquirira a expensas próprias, enquanto o companheiro conseguiu soma para a deslocação, sem qualquer apoio governamental. Acontecimento, que na época mereceu atenções concelhias, segundo relatos de imprensa desse tempo, esse então denominado Raid Aéreo Lisboa-Diu-Goa, concretizado mais precisamente desde a Base Aérea Militar da Amadora até ao Indostão Lusitano. Viagem pioneira cuja autoria recebeu efusivas comemorações conterrâneas e inclusive homenagens municipais, incluindo colocação duma lápide alusiva na Casa da Torre onde nasceu, em Rande-Felgueiras, além naturalmente do reconhecimento a nível nacional e internacional. Perante disparos de flashes de magnésio das máquinas de retratos dos jornalistas. Pois tudo isso e mais, incluindo referências da imprensa nacional e estrangeira, está registado entre o material dedicado ao “Raid” da Amadora a Goa e seu autor no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”. Contudo, pela importância que deve ter para o orgulho felgueirense, é de relembrar esse feito assinalado na ala dos pioneiros do Museu do Ar, em Alverca.
São do conhecimento público os motivos políticos que fizeram com que tal façanha fosse menosprezada na época e olvidada anos a fio. Apesar da repercussão havida, a ponto da Liga Internacional dos Aviadores haver distinguido o autor da travessia com alusivo galardão. Passando-se muitos anos até ter sido reconhecido de permeio o depois Coronel Piloto-Aviador Francisco Pimentel (ainda em vida) mesmo com a Ordem da Liberdade. Na linha da autoria que, inclusive, nos alvores de trinta, apesar de tudo valeu condecorações, com medalha de Comportamento Exemplar, mais a de Bons Serviços, e especialmente as insígnias da Ordem de Avis e da Ordem Militar da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito!
Foi há 90 anos. Por ares nunca antes voados, transposta ação admirável. Aterrando agora na memória desse conterrâneo, falecido com 93 anos em 1988, o felgueirense mais condecorado.
ARMANDO PINTO
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