No território concelhio, pese não existirem atualmente
castelos roqueiros, que está levemente historiado até terem existido, mas
infelizmente desapareceram na erosão dos tempos, ainda há algumas construções
que como testemunhos de eras antepassadas se podem considerar património coletivo.
Além das igrejas românicas e solares, templos setecentistas e ermidas, pontes e
calçadas seculares, como ainda igrejas de eras oitocentistas, também perduram
pequenos monumentos, entre os quais, sóbrios ou simples que sejam, merecem
particular atenção os que marcam épocas, mesmo que não distantes por demais.
Em ideia de fixação extensiva sobre tais afinidades e
vínculos memoriais, mete-se assim em rol de sabor ancestral a tradição da
existência das Alminhas, dos Cruzeiros e dos Nichos - dotações religiosas com
elos de ligação entre si e que, dentro do campo das edificações comunitárias,
por assim dizer, desempenham papel especial no lugar que ocupam.
Deambulando por qualquer parte do nosso país, com maior
incidência no norte e particularmente, no caso, pelo concelho de Felgueiras,
num qualquer recanto, mais propriamente junto a confluências e nas bermas de
caminhos e estradas, encontram-se numa profusão assinalável motivos
escultóricos de tradição religiosa como são as Alminhas, os Cruzeiros e os
Nichos de tipo capela.
(…)
As Alminhas são antes um marco de religiosidade, construídas
em votos de “promessa” ou erigidas para fazerem lembrar o culto dos mortos.
No concelho de Felgueiras, parcela nacional que nos é mais
familiar naturalmente, deparam-se nesse género muitos pequenos e singelos
monumentos ou capelinhas votivas, sendo autênticos padrões sacros. Podem
considerar-se típicas formas de escultura popular, existentes em estradas
nacionais e municipais, vielas urbanas, caminhos e atalhos rurais, como
ancestrais exemplos de arte iconograficamente expressiva, além de
enternecedores temas de fé piedosa.
Primitivamente continham no seu interior “frescos” impressos
na cal ou retábulo de madeira a formar painel pictórico de belas pinturas de
arte popular em lugar de destaque, representando cenas religiosas. Retábulos
votivos algo ingénuos e modestos por vezes, ou mais clássicos noutros casos,
mas que de qualquer forma induziam incitamento à devoção do passante em vista à
oração pelos falecidos.
Supõe-se haver alguma relação com antiquíssima existência de
painéis havidos no tempo do império romano, numa espécie de altares em honra
dos chamados lares viales e capitales, génios protetores de caminhos de
encruzilhadas e dos campos, aos quais eram dedicados tais oratórios fundidos na
crença do povo, quais intuitivas formas de expressão pitoresca do sentir
religioso de então. E como a romanização se estendeu também a estes sítios
portucalenses do velho condado, pode enquadrar-se extensiva, sem rigores
cronológicos, esta necessidade que se expressou publicamente em imagens
personificadas de veneração, convidando à devoção e à prece por meio de imagens
e legendas capazes de tocar a piedade espiritual.
Contudo, embora tivessem acontecido adaptações dos ritos
pagãos com o novo credo, aquando da chegada do Cristianismo, a interligação
será apenas de alguma continuidade que não de motivo, sem raiz direta portanto.
Aliás essa sua origem confunde-se no tempo, fazendo parte da fisionomia local
desde eras mais ou menos recuadas, enquanto a possível ligação sofreu longo
desaparecimento pois, dos que existem, os mais antigos, conforme as Memórias
Paroquiais de 1758 (in Torre do Tombo), foram erigidos por Confrarias das
Almas, instaladas antigamente em algumas das paróquias-freguesias, como foi o
caso de Rande com as Alminhas da Renda de Santiago.
É propositadamente que se juntam aquelas duas denominações
de paróquias/freguesias, com que são referenciadas as terras conforme a
indicação religiosa ou civil, pela explicação necessária: os termos Paróquia e
Freguesia são ambos de origem religiosa, embora o vocábulo paróquia nunca se tenha
tornado popular (profano), um tanto ao invés de freguesia, mais usado e que
terminou por ser oficializado sensivelmente na segunda década do século XX, no
período transformador da sociedade verificado após a implantação da República.
Mas retornando ao assunto, pode notar-se que com o decorrer
dos tempos, os retábulos aludidos foram sendo alterados por painéis de
azulejos, mas sempre com o mesmo sentido bondoso, convidando ao recolhimento em
oração pelas almas do Purgatório.
Estes lindos e rústicos pequenos monumentos tradicionais têm
por tema central, nos mais antigos, Nossa Senhora do Carmo estendendo o
escapulário às almas suplicantes; havendo-os também com motivos da Paixão, ou
S. Miguel Arcanjo a suspender a balança da justiça alusiva ao juízo; bem como,
em alguns casos, com os santos invocados na região. Os mais recentes foram
construídos por meio de promessas de fiéis, cujo incremento resultou de
campanhas que atingiram cariz nacional, embora de lavra de sacerdotes da
diocese do Porto, primeiro em nova iniciativa do Padre-Monsenhor Francisco
Moreira das Neves (a juntar à sua faceta de incansável apóstolo da Cruzada
Eucarística das Crianças); e por fim incentivada depois pelo Padre Francisco
Babo (natural de Amarante, tendo sido confrade de curso de D. António Ferreira
Gomes). Houve então, nessa renovada fase um fomento de restauro aos mais
antigos e edificação de novos oratórios. E entre esses, feitos desde as décadas
de cinquenta e sessenta, sobretudo, sobressaem alguns com dedicação a Nossa
Senhora de Fátima, com e sem os pastorinhos videntes da Cova da Iria. Todos
eles, os temas referidos, têm de comum ostentarem legendas alusivas a encimar
as chamas e as almas em penas purificadoras.
No carácter puramente estilístico estes motivos escultóricos
representam, por assim dizer, expressão sincera de natureza especialmente
elevada, sem ligar muito a escolas, como quem diz processos de arte, antes
singelidade exalada na fé consubstanciada nas cenas traduzidas e introduzidas
nos conjuntos trabalhados em cantaria granítica, na arte nata do povo
antepassado. Em construções menos antigas aparecem, porém, alguns edificados em
materiais recentes, em especial de cimento.
Na obra literária de índole monográfica, “Memorial Histórico
de Rande e Alfozes de Felgueiras”, fazemos outra abordagem geral e
debruçamo-nos mais distintamente aos dois exemplares de Rande, as Alminhas da
Renda de Santiago, de edificação do século XVIII (pois vem referenciada nas
Memórias Paroquiais de 1758), e as Alminhas das Quatro Barrocas da Longra, de
construção existente desde 1961 – entre os diversos espalhados no território
concelhio onde, praticamente, não há freguesia que não tenha pelo menos um
desses monumentozinhos de arte da religiosidade local, integrantes da paisagem
Felgueirense e Sousã.
Muito ou pouco cuidados, os modelos de Alminhas que perduram
pela região, autênticas belezas conterrâneas, erguem-se formosos, em relevo da
tradição. A merecerem catalogação e sobretudo conservação. Porque, como se
cantava nestes sítios em anos recuados: “O Cruzeiro e as Alminhas, / desde há
muito na nação / foram da alma lusitana / a mais terna devoção”.
(…)
( Texto que, com certas adaptações, conforme o tempo de
publicação, teve já lugar no livro “Encontr’Artes 99 – VII Encontro de Autores
do Vale do Sousa-V Colectânea de Textos de Autores do Vale do Sousa”, editado
em 1999 pela Câmara Municipal de Paredes; bem como no “Monumento do Nicho nas
Mais-Valias de Rande”, edição de autor de 2003; quer sob tema e título de Tradição
de Alminhas no Vale do Sousa e Felgueiras; quer como Tradição de Alminhas, Cruzeiros
e Nichos em Terras de Felgueiras. Para aqui transposto apenas na parte das
Alminhas, a propósito de por estes dias de finais de setembro de 2018 ser
comemorado em Felgueiras no âmbito das jornadas Europeias do Património o tema
das Alminhas. )
Armando Pinto
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