Espaço de atividade literária pública e memória cronista

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Lembranças da "Codizo/Sozé" e relance memorial sobre história da indústria de calçado felgueirense


Encerrou por estes dias uma importante fábrica da Longra, a antiga Codizo, atualmente com nome do grupo Sozé. Desaparecendo assim uma histórica firma com papel deveras assinalável na ambiência da Longra e zonas envolventes, dentro do concelho de Felgueiras. Tal como sucedera no início da década dos anos oitentas com a algo gigantesca Metalúrgica da Longra, e mesmo a Prelmo, como posteriormente algumas fábricas de menores dimensões, quer serrelharias, como algumas pequenas indústrias de calçado (embora destas, nalguns casos, sem tanto impacto, derivado a reduzida produção e número de trabalhadores empregados, até quase sem os respetivos nomes terem chegado a ser do conhecimento público generalizado).

Assim sendo, a segunda semana de abril desenrolou-se de modo algo aziago para o setor do fabrico de calçado em Felgueiras, pois também no mesmo dia em que os trabalhadores da Codizo/Sozé recebiam os impressos para o Fundo de Desemprego, era conhecida publicamente em notícias jornalísticas a liquidação da fábrica Abreu e Abreu, de Barrosas-Idães, outra importante empresa do calçado de Felgueiras.  


A Codizo/Sozé começara na Longra como “Codizo”, em 1985, no edifício da extinta Prelmo, antiga fábrica de  metalurgia junto ao rio (e como tal em tempos popularmente referida por Mit Rio, cujas instalações se vêm à distância na foto, acima). Embora então a Codizo estivesse com ligação à fábrica Sozé, iniciada ao correr de 1976 em Cimalhas-Sernande e depois transferida para Lagares e por fim S. Jorge de Várzea, onde esteve durante muitos anos. Até que em 2016 se fundiram as duas no Grupo Sozé, na fábrica da Longra, entretanto detentora da Dkode, marca de calçado que calcorreou os maiores e mais prestigiados certames mundiais do setor. Até que neste mês de abril de 2018 deixa de laborar, por dificuldades de manutenção.


Independentemente de tudo (que não cabe aflorar por quem não está por dentro do assunto, obviamente), além que na parte social a situação vai sendo remediada – visto a maioria dos trabalhadores já terem seu futuro solucionado, segundo voz corrente – o que vem ao caso, neste espaço de memorização, é a fixação do que representou para as sucessivas gerações de pessoas que trabalharam nessa empresa, entre quem ali conheceu primeiros tempos de convívio e posterior conhecimento da envolvência para o meio local. E fica a perdurar, na memória coletiva.


Como lembrança, recorda-se aqui alguns “flashes” históricos de tempos passados, através de fotografias de excursões e confraternizações entre colegas de trabalho e família. Juntando páginas do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, como testemunho de como até 1997 estava.



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Na pertinência do caso, diante do desaparecimento de fábricas de sapatos no concelho de Felgueiras e particularmente nas áreas da Longra e de Barrosas, é oportuno relembrar algo de história relacionada com o setor, deitando mão a um texto também do autor destas linhas, em tempos publicado no jornal Semanário de Felgueiras, que agora se atualiza: 


Um pouco de história correspondente: Cabouqueiros da Industria Felgueirense do Calçado

Remonta aos tempos dos mestres sapateiros a manufatura felgueirense de calçado, cuja história merecerá aqui ser recordada, ainda que numa abordagem sintética. A propósito de justa alusão a alguns dos mais conhecidos pioneiros e continuadores deste ramo produtivo da economia local, com relevante papel no crescimento estrutural concelhio.

Nestes moldes, sem contar eras muito recuadas, quais correias do calçado das botas, sandálias, soco e coturno dos guerreiros de antanho que também por estas terras andaram, depois os sapatos e botins fidalgos de velhas burguesias, mais ancestrais botas grossas de guerra, socos de campo, botas rurais, chinelas e outras modas por demais antigas, a memória da feitura de calçado em Felgueiras recua a época sensivelmente aproximada do começo do século XX, ao fabrico artesanal doméstico, saído de mãos dos obreiros dessa arte.


Eram então acotiadas lojas de sapateiro onde se fabricava manualmente todo o tipo de calçado por trabalhadores abancados, ou seja sentados em bancas, a cozer com sovelas as linhas ensebadas, cuja ferramenta se dispunha à sua frente ou no meio de todos em “ofícios”, pequenas mesas compartimentadas, para as tachas, turquesa, martelo, pé de ferro, moldes de cartão, formas de pau e demais apetrechos; além de oficinas de tamanqueiros, em cuja produção se salientavam tamancos de mulher, socos de lavrador e chancas de rapaz. Casas de mestres-sapateiros espalhadas pelas freguesias, nas quais se fazia de tudo o que aparecesse de encomendas particulares, do que dependiam diversas famílias, porque abundavam operários a trabalhar por conta do mestre, o dono da loja, quantas vezes em continuidade hereditária. Extensivamente alguns dos antigos empregados que aprenderam o ofício nessas condições, em casa dos patrões, foram-se, entretanto, estabelecendo por conta própria nas suas terras ou localidades vizinhas, onde viviam ou fixaram residência.

Nessa altura, predominando o fabrico de botas de pneu e chancas em regime de tarefa, não havia horários de trabalho propriamente e os artesãos eram mal pagos, pouco dando para o natural sustento. O próprio meio ambiente era maioritariamente típico em pobreza material. Havia então pequenos industriais com dois ou três empregados, dos quais apesar de muito esforço, condicionado à maneira artesanal, resultava escassa produção diária de pouco mais que um par por dia laboral de cada trabalhador. Entretanto com a guerra (como o povo chamava simplesmente à sequência da Guerra Civil Espanhola e à 2ª Grande Guerra Mundial) sobrevieram piores dificuldades com a falta de peles verificada, sendo então atribuído a cada negociante senhas para levantamento de matérias-primas, provocando luta de sobrevivência e consequente mercado negro. A procura local do produto acabado não era muita, pois que, excetuando os fidalgos ricos e comerciantes remediados, o povo comum andava descalço por norma, usando calçado apenas em dias e momentos especiais. Ajudou ao necessário desenvolvimento a lei da proibição do pé descalço, saída em meados da década de cinquenta, embora sem plenos resultados até finais desses anos nas zonas rurais. Porém no decurso do tempo vingou a obrigatoriedade de todos andarem calçados e apesar de na região a maioria andar usualmente de socos ou alpercatas, a nova situação permitiu que os industriais desta região pudessem começar a vender calçado para fora de portas, passando a deslocar-se até outras terras e, sobretudo, feiras, escoando assim o produto e por inerência podendo aplicar lucros e efetuar pagamentos. Além de que se iniciou também na época algum envio de artigo fabricado para as colónias ultramarinas, de permeio com aquisição no estrangeiro de primeira maquinaria e componentes para laboração modernizada. Foi então que começaram a ser fabricados na região sapatos por meio de máquinas, inicialmente em processos algo imberbes e paulatinamente alastrando a produção, de calçado grosseiro e fino, entrando pela década de sessenta com algumas oficinas avantajadas, em nítido desenvolvimento.


Eram tempos de homens embrenhados na laboração e mercado desde crianças, que cresceram a aprender à sua custa esse modo de vida, industriais pioneiros que ficaram na retina da memória como representantes do arranque da produção industrializada, entre os quais será de lembrar uns Joaquim Ribeiro, António Gonçalves, João Cunha, Alexandre Sampaio (Osório), Adolfo Martins, Amadeu Gonçalves, António Freitas Guimarães, António e Carlos Castro, António Carvalho Dias, Joaquim Clemente Freitas, Teófilo Faria, Granjo, Alberto Cunha, Avelino Pereira, Martins Coelho, etc. embora de per si distribuídos por gerações diferentes.


Até que, chegada a década de setenta, perante viabilidade de novos mercados e melhores condições organizativas, se expandiu a produção em série, com saliência de mão-de-obra feminina a equiparar-se e até a superar a masculina, numa conjetura fortalecida por inerência de surgimento da exportação como ovo de Colombo. Apareceu desde aí gente dinâmica numa nova vaga patronal, de que se poderá referir, por exemplo, uns Cunha Melo, Mário Cunha, José Guimarães Sampaio, Artur Guimarães Sampaio, Carlos Martins Fonseca, Álvaro Costa, Eduardo Coelho, Teixeira Pinto, Benjamim Rodrigues, António Manuel e Alberto Abreu, Jorge Pinto, Joaquim Ferreira Pinto, Jorge Moreira, Adriano Marinho, etc. etc., entre tantos outros empresários de sucesso que travaram percurso ascendente gerador de desenvolvimento para o modo de vida de Felgueiras, como é do conhecimento público de experiência feito. Até à nova vaga, ainda em ação.

= Instalações da antiga SIC-Fábrica de Calçado dos Carvalhinhos, ao tempo da remodelação que deu a sua fisionomia mais conhecida. E anúncio numa publicação dos anos setentas =

Houve entretanto alguns casos de sucesso, no auge da produção de calçado no concelho de Felgueiras e exportação, que mais tarde não tiveram longevidade. Como aconteceu com a fábrica de calçado SIC, Sociedade Industrial dos Carvalhinhos, de Margaride, uma das pioneiras empresas industrializadas do fabrico em série no concelho, de iniciativa do empreendedor felgueirense dos anos cinquentas e sessentas sr. Teófilo Leal de Faria. Fábrica que, segundo se diz ainda hoje, foi uma escola e manancial de laços de convivência e amizades frutuosas, depois passada ao sr. Avelino Pereira e que no decurso dos anos não resistiu, tendo desaparecido sensivelmente na transição da passagem para o século XXI. Entre outras firmas de antanho, entretanto extintas e que deram lugar a novas empresas ou simplesmente morreram. Bem como a Abreu e Abreu, de Idães, por exemplo, das mais recentes. E ainda a Codizo-Empresa de Calçado da Longra, L.da, implantada em Rande ao início de 1985, na Longra, mas integrante do Grupo Sozé sediado em Várzea (depois tudo agregado nas mesmas instalações da vila da Longra em 2016). Que veio a terminar com o encerramento verificado em 2018. Tal qual, na mesma semana veio a público caso anterior da fábrica Abreu e Abreu, cuja liquidação foi conhecida aquando do encerramento da Sozé. Como antes se verificara já com outras empresas, e às tantas haverá outras mais em ocorrências similares, perante o estado da nação desde há anos, como se tem notado.

= Aspeto da fábrica Codizo-Empresa de Calçado da Longra, nos seus tempos iniciais, antes da ampliação depois edificada. =

Contudo, mantém-se para já o ambiente do potencial resistente, derivado de todo o percurso empresarial advindo de épocas áureas.  

Tem créditos existentes ainda, enfim, o panorama do fabrico do calçado felgueirense, através do labor empresarial, qual força a arrastar o progresso, propriedade de fama e proveito, tendo sido e ficado a indústria respetiva  a liderar o sector da economia transformadora concelhia, com direito de Felgueiras ao título de capital do calçado ora considerada.

ARMANDO PINTO 
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Um comentário:


  1. Fábrica De Calçado Fechou Em Felgueiras Mas Setor Já Absorveu Desempregados

    Expresso de Felgueiras
    A maioria dos 100 trabalhadores afetados pelo recente encerramento da fábrica de calçado Sozé, em Felgueiras, já encontrou alternativa de emprego noutras unidades fabris do concelho, disse hoje à Lusa fonte sindical.

    “Até maio já estarão a trabalhar”, afirmou Carlos José, do Sindicato dos Trabalhadores dos Têxteis, Vestuário, Calçado e Curtumes do Distrito do Porto.

    À Lusa, o dirigente explicou que os trabalhadores, alguns com mais de 30 anos de casa, foram mandados de férias e deviam ter retomado o trabalho na última segunda-feira, mas a empresa não conseguiu, naquele período, financiamento para resolver uma situação de tesouraria.

    Carlos José disse que os funcionários já tinham conhecimento da situação “difícil” da empresa e acabaram por receber as cartas para o fundo de desemprego na sexta-feira, 06 de abril.

    Em fevereiro, observou, a Sozé pagou apenas 180 euros a cada trabalhador, mas em março já não efetuou o pagamento de remunerações.

    O encerramento foi só “meia surpresa, dado que há uns tempos para cá a empresa atrasava os pagamentos de salários”, acentuou.

    Segundo dados do sindicato, a empresa faturava cerca de 10 milhões de euros por ano e exportava cerca de 95% da sua produção, para cerca de 20 países.

    A Sozé tinha ainda uma unidade produtiva em Ponte de Lima, com 33 pessoas, que ficaram desempregadas, revelou à Lusa fonte da União de Sindicatos de Viana do Castelo.

    APM // JGJ

    Lusa/Fim

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