Do jornal O Louzadense - Uma crónica sobre um senhor de Lousada com ligações a Rande. Casado como foi com uma senhora do lugar do Outeiro de baixo, de Rande, pai da D. Glória, esposa do sr. Domingos, falecido ainda recentemente, residentes em vivenda da encosta da Leira, na rua Verdial Horácio de Moura, da vila da Longra - Rande.
Por essas afinidades e curiosidades, sendo que foi conhecido desta região Longrina, inclusive com terrenos de sua família na localidade, trancreve-se a mesma crónica de evocação biográfica:
Joaquim Gonçalves Júlio (1913-2015)
– A família acima da ideologia
Artigo de José Carlos Carvalheiras
Discreto mas sagaz e acutilante,
Joaquim Gonçalves Júlio foi um lousadense que devotou uma grande paixão pela
Vila de Lousada. Vai fazer 5 anos no dia 16 de dezembro que faleceu com a
bonita idade de 102 anos. Foi “industrial de relojoaria”, como gostava de se
identificar, e pautou-se sempre pelos ideais socialistas e democráticos, tendo
sido por isso preso pela PVDE, durante 15 dias.
Joaquim Gonçalves Júlio nasceu em
7 de novembro de 1913, no lugar de Arcas, freguesia de Cristelos, filho de José
Gonçalves Júlio (natural do lugar do Picoto, em Silvares) e de Maria da Glória
(do lugar de Espindo, freguesia de Meinedo). Casou com Maria Arminda Peixoto,
da freguesia de Rande, do concelho de Felgueiras. Tiveram cinco filhos: Maria
da Glória, Maria Elvira, Maria Alice, José Júlio e Maria da Conceição Peixoto
Gonçalves.
Viveu mais de cem anos na vila de
Lousada. Estudou na escola primária de Cristelos e já adulto teve um
estabelecimento comercial de relojoaria, na rua Visconde de Alentém, situado
entre a Assembleia Louzadense e a Padaria Central.
No centro da vila viveu
praticamente durante 102 anos, afeiçoando-se a cada artéria como se fossem
caminhos seus. Cada alteração urbanística ou qualquer novidade arquitetónica
tinha análise cuidada e parecer astuto e devidamente fundamentado. Tanto no
Café Avenida como na Padraria central, fazia questão de partilhar com as
pessoas das suas relações de amizade as opiniões sempre pertinentes acerca do
desenvolvimento local e das trivialidades mundanas, a partir das notícias dos
jornais, que gostava particularmente de ler de fio a pavio. Crê-se que por ler
tanto sobre o mundo e dominar assuntos como a meteorologia e características da
Terra, ganhou a alcunha de “Planeta”. Mesmo no ano do seu falecimento, com uma
lucidez e autonomia notáveis para a idade, lia jornais e escrevia notas com
clarividência nos seus cadernos de apontamentos.
Memórias do caminho-de-ferro
Foi sócio fundador de duas das
mais vetustas entidades locais: a Associação Desportiva de Lousada e a
Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada.
Aquando do seu centésimo
aniversário de nascimento tive o ensejo da sua companhia por alguns minutos
numa mesa da Padaria Central, facto que acontecia amiúde. Questionado sobre
qual teria sido o evento ou atividade em Lousada que mais o tinha marcado até
àquela ocasião da sua vida, não demorou a responder: “foi a linha de
caminho-de-ferro que ligava Penafiel à Lixa”. Esta via, que atravessava a vila
de Lousada, foi inaugurada em 11 de novembro de 1912, tendo marcado a infância e juventude de Joaquim
Gonçalves Júlio.
Embora fosse uma pessoa com um
gosto particular pela política, nunca enveredou por posições ou funções
partidárias e institucionais. Era um socialista confesso, mas nas últimas
eleições autárquicas em que votou, em 2013, fez notar que, pela primeira vez,
não votaria no Partido Socialista ou em candidatos de Esquerda. Tal decisão foi
motivada pela candidatura da sua neta, Maria Cândida Peixoto Gonçalves Novais,
pelo Partido Social Democrata, que nesse escrutínio viria a ser eleita
vereadora da Câmara Municipal de Lousada.
Quinze dias preso pela PVDE
Com 23 anos, Joaquim Gonçalves
Júlio foi detido pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), que
haveria de se chamar Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Isso
aconteceu no seguimento de uma denúncia que deu conta do ajuntamento de vários
democratas lousadenses, para ouvir as notícias de uma rádio clandestina, em
pleno Estado Novo, da ditadura salazarista.
O seu neto, Paulo José Gonçalves,
refere a propósito desse episódio que “o meu avô juntava-se com Antero Moreira,
Manuel Pinto de Sousa, fundador do jornal O Heraldo, e outros, para ouvir
clandestinamente as notícias sobre a guerra civil de Espanha entre 1936 e
1938”.
Ao saber disso por terceiros, a
polícia repressiva do Estado irrompeu pela relojoaria dentro numa manhã de
1936, exigindo que Joaquim Júlio os acompanhasse ao Porto para interrogatório.
Uma vez chegado à sede da PVDE, no Porto, deparou-se com os referidos
camaradas, também eles denunciados e detidos. Os interrogatórios prolongaram-se
por quinze dias. A detenção terminou depois de influentes amigos do pai de
Joaquim Gonçalves Júlio intercederem junto da PVDE (em cuja fundação esteve o
magistrado lousadense Rodrigo Vieira de Castro).
Apreço pela evolução de Lousada
Sobre a “sua” Lousada escreveu
numas memórias pessoais de 2006, elaboradas pelo pelouro do Património Cultural
da Câmara de Lousada, então tutelado pela vereadora Prof.ª Lígia Maria de
Andrade Alves Ribeiro: “durante muitas
décadas (Lousada) foi uma das terras menos desenvolvidas desta região
distrital, mas pela sua situação geográfica e por ser muito hospitaleira e dona
de belezas e encantos, atraía muita gente de passagem ou em visita”.
Sobre as principais ideias que
defendia para a sociedade destacava o “desenvolvimento social, por via do
acesso de todos ao ensino e à saúde, para que todos usufruam da melhor
qualidade de vida possível”.
Aquele documento, de recolha de
memórias a pessoas antigas de Lousada, e preenchido aos 93 anos de idade pelo
próprio Joaquim Gonçalves Júlio, terminava com uma dedicatória devidamente
assinada: “quem, como eu, conheceu Lousada noutros tempos e tem a felicidade de
a ver agora, fica admirado com o grande desenvolvimento que se vem verificando.
Tudo isto se deve à ação do seu timoneiro e respetivos colaboradores, que tanto
se empenham em prol do progresso desta linda terra do meu coração. Aqui lhes
deixo, com satisfação o meu forte elogio pela obra feita e desejo-lhes
continuidade e empenho, a bem de Lousada”.
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A. P.
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