Já dizia Valerio Massimo Manfredi (em “A Última Legião”): «Quando
se foge e se deixa tudo para trás, o único tesouro que podemos levar connosco é
a memória. A memória das nossas origens, das nossas raízes, da nossa história
ancestral. Só a memória pode permitir-nos renascer do nada. Não importa onde,
não importa quando, mas se conservarmos a recordação da nossa grandeza de
outrora e os motivos pelos quais a perdemos, ressurgiremos.»
~~ * ~~
Na proximidade ao Dia do Concelho, como é o feriado
municipal, e no âmbito das comemorações em curso da chegada do comboio a terras
de Felgueiras, foi recentemente prestado justo tributo público ao Conselheiro Barbosa
Mendonça, pelo importante papel desempenhado nesse desiderato pelo antigo
presidente das Câmaras de Barrosas e Felgueiras e ainda Administrador do
Concelho, Dr. António Pedro de Barbosa Mendonça Pinto de Magalhães e Alpoim.
Também influente cidadão, co-fundador do Sindicato Agrícola de Felgueiras (de
que mais tarde resultou o Grémio, hoje associado à Cooperativa Agrícola), tal
qual fundador e proprietário do jornal Semana de Felgueiras.
= Foto do Conselheiro António Mendonça em tempo de sua vida
pública – conforme consta em quadro pintado na sala dos benfeitores da Misericórdia
do Unhão).=
O Conselheiro de Rande, como normalmente era tratado, foi também
ainda benemérito na região, tendo sido grande benfeitor da Misericórdia do
Unhão, onde consta em quadro pintado, desde que ali foi homenageado e teve
atribuição de seu nome à alameda fronteira à casa, antigo hospital e convento
de Nossa Senhora do Rosário. Além de bairrista colaborador na terra natal,
tendo contribuído com doações para a paróquia de Rande, derivado sobretudo à
tentativa de minorar efeitos da ocorrência das vendas estatais das propriedades
da igreja, bem como na parte civil foi doador dos terrenos para a primeira cabine
elétrica na Longra e para a construção do edifício-sede da Associação Pró-Longra
(onde hoje é a Casa do Povo).
= Fisionomia do Conselheiro de Rande já em idade mais avançada.
=
Pois o Conselheiro Dr. António Barbosa Mendonça, encurtando
o nome, como o próprio simplificava na sua assinatura, foi um dos principais mentores
e inclusive dos acionistas do comboio que em Maio de 1914 chegou pela primeira
vez à Longra…
Assim sendo… Até parece que se ouve ainda o silvo do
comboio, como era aquilo, no imaginário, do que nos inícios do século passado
transportou nossos antepassados…Taf-taf, taf-taf… Hiii…!
O que serviu de tema a mais um artigo jornalístico, com que
desta vez prestamos nossa habitual colaboração ao jornal Semanário de
Felgueiras – cuja coluna para aqui transpomos, do que foi publicado à página 10
da edição desta sexta-feira, 20 de Junho, no Semanário de Felgueiras.
Disso, para facilitar
a leitura, de seguida, revertemos o texto datilografado, conforme o original.
Conselheiro António Barbosa Mendonça
Pela História, constata-se que uma circunscrição
administrativa, como se considera uma freguesia tradicional ou agora a dita
união de algumas, consiste em muito mais do que o território, contendo, acima
de tudo, a mais-valia de personalidades salientes, que fizeram algo pela sua
terra. A juntar às pessoas que na atualidade integram esse conjunto
identificativo, entre particularidades que são riqueza maior da comunidade.
Felizmente Felgueiras teve personagens que entretanto da lei
da morte se libertaram, como cantou Camões sobre os maiores da nossa Gesta
Lusitana, perdurando na memória coletiva, tal qual este torrão Felgariano ainda
tem pessoas de mérito. Em afirmação de sermos um concelho uno, mas ao mesmo
tempo plural, numa comunidade que se deve afirmar pelo que nos une e não pelas
diferenças.
Ora um personagem histórico, desses do passado, foi
recentemente recordado, felizmente. Através de singela mas relevante homenagem,
com que foi tributado o nome do Conselheiro Dr. António de Barbosa Mendonça, na
oportunidade comemorativa da passagem do centenário da chegada do comboio a
terras de Felgueiras, para cuja dotação ele foi um dos principais
impulsionadores, in illo tempore. Salientando-se o facto, do preito que lhe foi
dedicado, por tais reconhecimentos não costumarem ser muito usuais nestas
bandas.
O Dr. António Barbosa Mendonça, popularmente mais conhecido
por Conselheiro de Rande, em alusão ao seu primado da casa solarenga desse
nome, foi efetivamente um senhor muito importante e respeitado na região.
Nascido na freguesia com o mesmo nome, Rande, em pleno concelho de Felgueiras,
onde veio a ser Administrador do Concelho e Presidente da Câmara Municipal,
tendo ainda representado a mesma área como deputado nacional, em tempo de
regime monárquico. Sendo daquelas pessoas cujo percurso curricular não se pode
resumir em poucas palavras, para não se pecar por limitação redutora. Aliás a
sua biografia está desenvolvidamente exposta no livro Memorial Histórico de
Rande e Alfozes de Felgueiras. Passando à posteridade como homem de letras,
muito culto e bairrista, fundador do jornal Semana de Felgueiras, que, qual
lança metida em África, teve então influência deveras instrutiva perante a
pacatez local, por esses tempos de transição entre os séculos XIX e XX. Além de
sua participação na fundação do Sindicato Agrícola, que corporizou união dos
agentes da lavoura, em seu tempo, na linha da instalação de interessante
produção agrária, de cereais, vinho e de lacticínios, com que se distinguiu em
avançado empreendimento. Dentro da sua bonomia característica, com que era
respeitado, a pontos de não precisar de ir ao lugar da estação da Longra, onde
paravam os comboios, pois esperava ao fundo da avenida de acesso à sua Casa de
Rande e bastava levantar a bengala para o maquinista interromper a marcha do
comboio, para ele entrar. Bem como, em sinal respeitoso, todos os domingos e
dias santos de guarda, a missa paroquial de Rande nunca começava sem o
Conselheiro chegar à igreja, pois só eram dadas as três (como se chamava ao
terceiro e final toque dos sinos, de anúncio ao começo da cerimónia dominical)
quando se avistasse o carro do Conselheiro a aparecer, acercando-se ao limiar
do templo. Tal qual, pela muita consideração com que era tido, ao passear pela
povoação da Longra e na então vila de Felgueiras, sítios onde mais se deslocava
a pé, costumar ir de chapéu na mão (sabendo-se que nessas eras o uso de chapéus
fazia parte da indumentária e se cumprimentavam as pessoas tirando o chapéu),
por quase não ter tempo de o recolocar na cabeça, para corresponder às
constantes saudações de todo o povo que o via e assim cumprimentava. Chegando,
mais tarde, ele que fora chefe monárquico da zona, volvidos muitos anos já,
depois das transformações políticas, a ser convidado para presidir a atos
solenes de apreço a personalidades de convicções políticas republicanas.
= Conjunto de imagens respeitantes à solarenga Casa de Rande
e anexa sua quinta agrícola, reportando à antiga exploração da mesma, também
conhecida popularmente por quinta da vacaria.=
Nunca é de mais lembrar pessoas assim, cujo perfil memorial
os Felgueirenses devem conhecer e Felgueiras se orgulhar. Embora não conste na
toponímia da cidade sede do concelho, aonde foi um dos mais importantes rostos
municipais.
Ouve-se de novo o silvo do comboio, no imaginário, do que
nos inícios do século passado transportou nossos antepassados…Taf-taf, taf-taf…
Hiii…! Ainda, na proximidade ao Dia do Concelho, igualmente mais que simples
feriado municipal, em que se comemora a unidade em torno do concelho e
identidade concelhia, mas, também, como se pode dizer em tais ocasiões
especiais, celebramos um povo, o nosso – o povo felgueirense.
Armando Pinto
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