Chegou a Primavera. Mais uma Primavera em nossas vidas, mas
uma Primavera diferente no nosso tempo. Com o raio do vírus provindo dos
confins a fazer tanto mal a todo o mundo, estando agora tudo acabrunhado, distante
dos semblantes anteriores deste tempo de renovação da natureza. Sendo já uma
saudade os dias alegres ainda de há um ou dois e três anos do passado recente, sem
ser preciso recuar muito a tempos de antanho. Olhando-se a antes, no caso das
gerações menos recentes, em que por vezes havia alguma saudade no ar dos tempos
da infância e juventude, quando a vinda das andorinhas era tão arreigada que
até isso era associado à felicidade familiar.
Com efeito, foi mesmo um adereço simbólico a imagem de
andorinhas colocadas nas paredes das casas. A partir da figura criada em finais
do século XIX por Rafael Bordalo Pinheiro, através de pequenas andorinhas feitas
de barro, cujo efeito nesse formato de cerâmica ele próprio desenhara. Uma peça
que com o tempo foi integrando os gostos populares e durante muitos anos povoou
o artesanato e imaginário tradicional português.
Tal envolvência era associada ao caso da mesma ave migratória
anunciar a primavera nos seus voos de chegada e depressa assentar lugar com a
construção do ninho próprio de recomeço de vida. Pois que, aquando do seu
regresso a um determinado sítio, procura construir o seu ninho sempre no mesmo
local onde anteriormente habitara, com o mesmo companheiro por norma. E assim a
andorinha, por possuir um único parceiro ao longo da vida, assumiu um
simbolismo conotado com valores como Lar, Família, mas sobretudo, Amor,
Lealdade e Fidelidade.
Era pois do cenário das famílias tradicionais, outrora, haver
na maioria das casas tais imagens de andorinhas, em barro pintado de preto
esmaltado, a dar viva harmonia ao ambiente caseiro. Dessa forma, facilmente
assimilável pela grei em virtude da sua própria identificação com a mensagem
expressa, vulgarizou-se a troca de andorinhas cerâmicas entre os amantes,
usadas não só como gesto de amor ou troca simbólica, mas também como uma
espécie de amuleto de harmonia, felicidade e prosperidade no lar.
A vida tem destas coisas e os ciclos sucedem-se. Há que
esperar que a natureza tenha força para uma renovação eficazmente sã, de jeito
a voltar a dar gosto ver os dias nascerem com radiosa beleza social.
Armando Pinto