Desde tempos imemoriais, no conceito de coisas de um século
e tal, mais, tem sido quadro enternecedor na mística felgueirense a realização
do tradicional e tão belo Cortejo das Flores. Que depois que foi reativado em
finais do século XX, passou a ser um dos maiores ícones da imagem de marca
felgueirense. E é tradição única no país (embora ultimamente tenham aparecido
cópias noutras festividades, contudo a tradição original é o cortejo da urbe de
Felgueiras para o Monte da Santa Quitéria)
Ora, atendendo a como esse evento tem estado já enraizado nas tradições atuais, na linha dos ancestrais usos e costumes concelhios, por assim dizer, será de lembrar algo do que se sabe ainda de tudo isso.
Todos os anos se fazem sentir evidências da festa que, a
partir de 1911, deu origem ao feriado municipal felgueirense, na continuidade
aos festejos que vinham de tempos remotos. Sendo que os feriados municipais da
atualidade passaram a ser instituídos assim com o surgimento do regime
republicano. Pois a festa do São Pedro de Felgueiras é muito antiga e quando se
deparou a atualização do dia do concelho foi essa festa que mereceu principal
referência. (Vencendo hipóteses mais personalizadas, desde efemérides de factos
históricos e datas relacionadas com personalidades memorandas, como antes
chegou a acontecer.)
Entre velhas tradições arreigadas à alma popular de
Felgueiras, como por outras zonas também, estão os festejos dos santos
populares, os três santos que o povo celebra por meio de arraiais festivos em
que prevalece algo genuíno do que ao longo dos tempos brotou de realizações do
povo, desde épocas remotas com características próprias no rico folclore local.
No concelho de Felgueiras, como terra nortenha, salvo
efémeras exceções, nunca houve grande tradição de festejar o Santo António em
noitadas, a não ser episódicas festas Antoninas realizadas nos Carvalhinhos
alguns anos, em Margaride. Já a festa de S. João (não na feição paroquial, como
se celebra nas respetivas paróquias, mas na vertente popular) teve antigamente
laivos de primazia em diversas áreas, com realce para o S. João da Longra
durante várias décadas (havendo notícias nos jornais desde inícios do séc. XX),
até haver acabado essa grande festa nos princípios dos anos sessenta, ou seja
muitas décadas depois, ainda no mesmo século XX. Porém, mais que todas foi
sempre a do S. Pedro, efetivamente, em importância e continuidade, pois além de
assinalada devidamente nalgumas freguesias, distinguiu-se sempre das demais
como festa do concelho.
Ora o S. João na verdade fez parte do imaginário tradicional, transportando costumes ancestrais. Vem ao caso que em noite de S. João, nalgumas das terras felgueirenses, até se traçavam destinos de raparigas solteiras, por meio de hábitos anualmente repetidos para verem a sorte que o destino lhes antevia. Coisas próprias dos tempos antigos dessa festa popular, bem como a fogueira na mesma noite, ao escurecer, da qual também três raparigas de nome Maria iam pela fresca ao quintal apanhar cidreira, para armazenar com vista às necessidades de chá durante o ano, para as más disposições de barriga.
Tal festa, do santo mais popular das profanas romarias do
norte, teve preponderância até décadas atrás, havendo sido durante muitos anos
uma das noitadas mais alegres da região, com as estradas e caminhos enfeitados
com arcos pendentes e decorados com garridos papeis recortados, nos quais havia
lamparinas, enquanto pelas bordas estavam espalhados pucarinhos de barro com
cera a arder.
Já a festa do São Pedro, abarcando todo o concelho, tem-se
mantido na sua essência, festejada no monte da Santa - no espaço envolvente do
santuário de Santa Quitéria, sito no monte do mesmo nome, onde existira em
tempos remotos uma ermida dedicada a S. Pedro. Capela essa que era a mais
antiga da região, segundo a “Corographia” do Padre Carvalho da Costa; e que,
derrubada em 1719, foi substituída por templo dedicado a Santa Quitéria,
concluído em 1725.
Antigamente esta festa ali realizada era feita por
iniciativa popular, mas com o tempo passou a ficar à responsabilidade das
autoridades civis, que tomaram a seu encargo a incumbência de manter o costume,
como festa do concelho dedicada ao santo a que Felgueiras pedia proteção, desde
os tempos imemoriais da capela da primitiva invocação. Para fazer face aos
custos havia uma verba inscrita no orçamento municipal, para ajudar a completar
a soma angariada em peditórios, de porta a porta, pelo território concelhio.
Costume que, com variações conforme os tempos e as vontades, se tem mantido sensivelmente na mesma linha tradicional.
De permeio, o reitor do santuário, nas suas relações com pessoas influentes, ia conseguindo que senhoras fidalgas de diversas freguesias mandassem algumas suas criadas enfeitar os locais de culto, para melhor imagem ambiental do local de ajunto popular. (Como, por exemplo, o autor ouviu a pessoas antigas de famílias, sobre amiudadas visitas do Padre Henrique Machado à antiga Casa de Valdomar de Baixo, em Rande, onde viviam D. Maria e D. Henriqueta Mendonça, irmãs do Conselheiro de Rande, duas manas fervorosas zeladores da igreja de Rande e do santuário de Santa Quitéria).
Então, de diversos destinos
seguiam ranchos de mulheres do povo monte acima, com cestos à cabeça carregados
de flores, para embelezar o local cimeiro da vista abarcada desde a então
vila-sede do concelho de Felgueiras, por alturas da Festividade do São Pedro.
Indo essas mulheres de diversas zonas do concelho enfeitar as capelas colocadas
pelo monte acima, na estrada típica em ziguezague, do martirológio da Santa,
mais os altares da igreja do santuário de Santa Quitéria, e ainda o escadario
em volta do monumento dedicado à Virgem Imaculada Conceição, ao tempo ainda
envolto em ajardinado espaço gradeado, contendo escadas a tornar a coluna
monumental).
Com o tempo, essa tradição evoluiu para a realização de
sucessivo cortejo etnográfico, que passou a vigorar.
Entretanto, em tempos passados, pela noite festiva, por
altas horas quando os foliões regressavam a penates, provindos da noitada da
festa, era costume os rapazes solteiros roubarem vasos de flores das casas de
raparigas solteiras, colocando-os em exposição num local central da terra, da
respetiva localidade de cada grupo, para no dia seguinte verem as moças irem
buscá-los.
E então, por esses tempos costumavam as freguesias fazerem-se representar anualmente no concelhio Cortejo das Flores de S. Pedro, levado a cabo tradicionalmente por ocasião da festa. Desfile em que todas as representações das mesmas figuravam através de rapazes e raparigas, que ao jeito de cortejo iam até ao cimo do monte em festa. Como curiosidade (por associação à castidade de Santa Quitéria, ali venerada), era tradição irem apenas raparigas tidas como virgens, solteiras portanto, para levarem à cabeça os cestos enfeitados com flores que davam colorido e beleza ao evento...

Para o efeito a Câmara lembrava ao regedor de cada freguesia e este encarregava uma pessoa com disponibilidade para organizar grupo de representação local. Atitude que depois teve sequência com a Confraria de Santa Quitéria, indo um dos mesários a cada freguesia proceder de forma idêntica, a rogar pessoa responsável, no que mais tarde houve continuidade através de comissão de festas, com igual pedido.
Foi deveras famosa a participação organizativa do senhor
Cunha Felgueiras na realização do Cortejo pelos anos 40, na linha sucessória de
outros antecedentes pelos idos de 20 e 30. Havendo o cortejo tido algumas
interrupções, como aconteceu desde meio dos anos sessentas até finais dos anos
oitenta. Para em 1990 ter havido feliz retoma, em tempo de ressurgimento de
diversos Ranchos Folclóricos (sendo de inteira justiça referir nisso o dedo de
Agostinho Barbosa, fundador e entusiasta do Rancho de Varziela, bem como depois
primeiro ensaiador do Rancho da Casa do Povo da Longra). Tanto que
inicialmente, pelas primeiras edições do Cortejo das Flores nos anos 90, apenas
participaram elementos de Ranchos Folclóricos, até terem começado a juntar-se
algumas escolas com suas professoras, educadoras, auxiliares e alunos, mais
associações culturais. Acabando, por fim, por se associar todo o povo folião,
em anos mais recentes.
Ultimamente, já pelos anos ainda mais recentes, a partir de inícios da década dos anos 2000, surgiram dentro da novidade, sempre acrescentada no decurso do tempo, as chamadas marchas populares. Quais desfiles, mediante representações de localidades do concelho, que, apesar do nome, serão mais apropriadamente levadas à imagem das Rusgas Sanjoaninas do Porto, vistosas em efeitos coloridos e, nalguns casos pelo menos, com entoação de letras adaptadas de antigas cantigas de ligação local.
Algumas das diversas
particularidades dignas de memória, estas, por entre frases alinhavadas no
seguimento de evocação ao fundo tradicional da vida local de outras eras. De
que felizmente, ainda vão restando resquícios revivalistas, atendendo à
recuperação em boa hora efetuada desde há alguns anos, já que o Cortejo das
Flores foi recuperado e mantém-se, por meio de contributo de Ranchos
Folclóricos, Associações, Escolas e outros grupos, cujos elementos
participantes elaboram enfeites, custeiam as flores e dão seu folguedo.
Inebriados no perfume natural da coisa pública comum.
Armando Pinto
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