Procurando transmitir mais
uns laivos de carácter apologista, a reminiscências histórico-etnográficas do
passado conterrâneo, de temática quanto possível em conformidade ao calendário,
chega a vez de dedicar umas linhas evocativas de algumas práticas tradicionais
antepassadas relativas à Páscoa, como festa anual de semblante especial no
imaginário popular, com saliência ao Folar e Compasso Pascal.
Em eras recuadas a quadra
consubstanciava certos hábitos, de ritual, no povo da nossa zona. Entre os
quais se pode aludir o caso de ser costume nesta região fazer-se limpezas
gerais às casas pela Páscoa, devido à festividade coincidir em tempo
primaveril, convidativo a arejar o mofo provocado pela humidade do inverno
ultrapassado. Sem se dissociar, contudo, o respeito devido à vinda da Cruz Paroquial
às casas, que eram preparadas a preceito. Por isso mesmo, entre as limpezas,
também era usual esfregar-se o soalho, em árdua tarefa a que as mulheres se
dedicavam, ajoelhadas dentro de “caixoto” apropriado a resguardar os joelhos,
enquanto passavam na madeira uma escova-esfregona, embebida em água através de
balde de folheta esmaltada ali à mão, raspando as tábuas ensaboadas, através da
esfregona agarrada a duas mãos na propositada pega, tal o esforço necessário,
de cócoras; sendo depois a água que não escorrera do soalho, pelas friestas,
apanhada com pano absorvente, torcido de permeio. Ao mesmo tempo que era função
masculina, para arejar o ambiente, dar então uma anual caiadela às paredes,
sobre o granito exterior branqueado de cal, contrastando ao rodapé pintado de
preto, como era costume nas habitações típicas; em que ainda os antigos
tapamentos de divisórias interiores recebiam de igual modo nova demão de
caliça; e quando as portadas e até alguns dos “trastes” da mobília tinham a
tinta estalada também lhes eram aplicadas umas pinceladas na ocasião,
usualmente de azul anilado.
Chegado o dia, com os sinos
paroquiais a repenicarem, quase a par com foguetes atroando os ares do
horizonte e a campainha anunciadora do Compasso a ouvir-se nos arredores, era altura
do folar - algo esperado sobretudo pelas crianças. Havendo o antigo, de âmago
gastronómico, como posteriormente a rosca grande de prenda (oferta mais tarde
alterada por peça de roupa, brinquedos ou utilidades). Ao passo que o dia
produzia um sentido anímico diferente nas gentes locais, num manancial de
tradições.
Neste ponto, como para
ordenar as partes (embora alterando a feição destas notas de material sobejante
ao que escrevemos anteriormente em livro), transcreve-se, agora em forma
adaptada, juntando com partes antes inéditas, pequenas parcelas distintas,
transportadas juntas para aqui, com pequenos trechos do capítulo da Memória
Etnográfica inserta no referido “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de
Felgueiras”, em alusão ao tema:
Folar antigo da Páscoa era
um bolo de pão de massa de farinha milha, feito em forno doméstico, com um ovo
cozido no meio, sobre o qual havia cobertura em forma apropriada ao
revestimento do mesmo ovo, como que a dar efeito côncavo de tampa em massa de
pão também... Enquanto o sucessor folar de prenda, posteriormente entrado nos
costumes, consistia numa grande rosca (regueifa de trigo), com enfeites de
massa sobreposta, que era dada aos afilhados na manhã do dia de Páscoa. Para
gáudio da pequenada que, quantas vezes, passava a manhã a acompanhar o Compasso
com a rosca metida pela cabeça a tiracolo, antes de ser servida à mesa no
almoço da festa de ano – repasto farto que, como tal, além das batatas assadas
do forno e arroz alourado, metia cabrito como prato forte, ou ovelha, galo,
coelho e outras carnes, sem faltar o salpicão às rodelas na travessa do arroz.
Na visita do pároco da
freguesia e da cruz paroquial, toda enfeitada, o chefe de família punha na mesa
alguns ovos, para folar do padre, que eram recolhidos por um dos membros do
Compasso, homem que andava com a saca. O qual de permeio, com ajudas de outros,
tinha de quando em vez que mandar à residência do abade despejar cestas com os
ovos angariados. Onde o folar fosse maior que o normal era deitado um ou mais
foguetes, enquanto a banda acompanhante executava uma das peças do seu
reportório, a ajudar ao ambiente festivo, abrilhantado por tradicional tapete
de flores ou simples ajunto de pétalas de flores espalhadas no chão, a
assinalar o local da entrada.
Todas as despesas do
Compasso, passados os antigos tempos dos juizes da Comissão do Subsino, eram
por conta do juiz da cruz, incluindo o almoço a toda a comitiva, com excepção
de algum ”fogo” pois que era costume haverem apaixonados em marcar desse modo a
chegada da Visita, em cujas casas eram deitadas dúzias de foguetes por promessa
do chefe de família ou apenas por sua vontade entusiasta.
Algumas destas tradições
ainda se têm mantido, em menor escala e com diferenças...
© Armando Pinto
© Armando Pinto
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