A propósito da existência de médicos célebres com raízes de
naturalidade ou afinidade a Felgueiras, recordamos aqui e agora dois artigos
que há anos escrevemos e foram publicados no jornal Semanário de Felgueiras,
subordinados a temas indicados nos respetivos títulos:
Duas Datas de Dois Factos Memoriais
1855 foi ano de alcance deveras significativo, entre outras
ocorrências, de duas datas com relevância para a memória Felgueirense.
Se há efemérides dignas de ser referidas e nunca esquecidas,
pelo seu significado simbólico, será esse o caso da data da criação da Comarca
de Felgueiras, ou seja, de quando o nosso Concelho atingiu a plenitude da sua
composição. Mas não só, também há ocasiões merecedoras de evocação, de serviço
à recordação de pessoas e factos, vindo a propósito referir que neste mesmo ano
houve igual contagem desde o nascimento do eminente médico psiquiatra Prof. Dr.
António de Sousa Magalhães Lemos, distinto Felgueirense.
Ora, durante o mesmo ano, efectivamente, perfez-se a
materialização daquela elevação histórica de Felgueiras a Comarca,
acontecimento ocorrido em 1855, por decreto de 24 de Outubro. Assim como se
passou, em 18 de Agosto, o nascimento daquele grande vulto Felgueirense que foi
o Dr. Magalhães Lemos, nascido em Felgueiras.
Indo por partes, e começando pelo relevo simbólico
institucional: Foi, pois, a criação da Comarca um facto da maior importância à
afirmação concelhia de Felgueiras. (... E passamos adiante, por este tema não vir ao caso, agora, tratando apenas dos médicos.)
Quanto ao segundo tema em foco, é naturalmente aprazível
relembrar a natalidade de Magalhães Lemos, personagem cuja naturalidade
Felgueirense é patente em estar perpetuado com um busto na fisionomia central
da sede do concelho. Nascido em Felgueiras, na freguesia de Margaride, dentro
da Casa do Curral, sua memória irradia ainda maior amplitude na actual função
de sua casa, transformada em estabelecimento de ensino, onde está instalada a
Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Felgueiras, tal o funcionamento desde
1999 desempenhado pelo edifício que lhe acolheu o berço natal. Para lá de esse
nome ser entre nós algo familiar aos sentidos, por constar da toponímia numa
rua da cidade e ainda ter um monumento no jardim do centro de Felgueiras,
convirá mencionar, embora numa resenha breve sobre sua prestigiada folha
curricular, que o Dr. Magalhães Lemos se distinguiu no domínio da Neurologia e
Psiquiatria. Tendo, depois de cursar na Escola Médico-Cirúrgica do Porto (onde
obteve o doutoramento com tese “A Região Psicomotriz”), também estudado e
trabalhado em Paris com Charcot e Magnan, dois cérebros da ciência neurológica
internacional. Depois, a partir de 1911, desempenhou os cargos de professor de
Neurologia na Universidade Livre do Porto e director do Hospital Conde
Ferreira. Desenvolveu então sua obra principal, escrita em 1912: Curso de
Psiquiatria. Mais tarde regeu a cadeira de Psiquiatria na Faculdade de Medicina
do Porto (que, então, funcionava junto ao Hospital de Santo António, onde
depois esteve a Faculdade de Letras e mais tarde o Instituto de Ciências
Biomédicas Abel Salazar – pois apenas em 1959, em dia de festa do santo patrono
da cidade, passou para o Hospital Escolar de São João). Tendo, Magalhães Lemos,
ainda durante sua intensa actividade, integrado o Conselho Médico-Legal e o
corpo docente do Instituto de Medicina Legal em Psiquiatria Forense. Foi também
sócio de mérito da Academia de Ciências de Lisboa, da Sociedade de Ciências
Médicas, do Instituto de Coimbra, sócio da Associação dos Jornalistas e Homens
de Letras do Porto e sócio correspondente de diversas sociedades científicas
estrangeiras. Teve autoria de uma vasta bibliografia no campo científico da sua
acção. Como
recebeu condecoração do grau de Oficial de Instrução Pública de França e foi
feito Cavaleiro da Legião de Honra.
Considerado autoridade na área da ciência psíquica, teve a
honra de ser homenageado, em vida, com descerramento de um busto no salão nobre
da Faculdade de Medicina do Porto, aquando se sessão aí realizada em sua
homenagem, corria o ano de 1925, presidida pelo então titular da pasta
ministerial da Instrução Pública. Desse acto foi publicado um livro de 100
páginas, editado em 1927 pela Empresa Industrial Gráfica, do Porto. Tendo,
posteriormente, o Dr. Magalhães Lemos publicado um livro referente a uma
dissertação, de “Elogio histórico do Dr. Zeferino Falcão”, em 1929. Em
homenagem póstuma, aquando do seu passamento, o “Nobel” Dr. Egas Moniz
(1874-1955) dedicou-lhe um elogio escrito, “Professor Magalhães Lemos”, in
separata de Lisboa Médica. Após o seu falecimento, ocorrido em 1931, recebeu o
Dr. Magalhães Lemos homenagem solene da Misericórdia de Felgueiras, tal qual
colocação de retrato no salão da Associação dos Bombeiros Voluntários, de que foi
benfeitor e sócio honorário. Anos volvidos, teve mais devido reconhecimento de
Felgueiras, com erecção de pedestal público. E, também a título póstumo, no
Porto houve atribuição do nome do Dr. Magalhães Lemos a um importante
estabelecimento hospitalar psiquiátrico.
Muitos anos depois, continuou a merecer atenções estudiosas,
como se nota em alguns exemplos, tal o que escreveu o Dr. Barahoma Fernandes
(1907-1992) com escrito de sessão solene em homenagem ao Dr. Magalhães Lemos
(pelo seu Centenário), in separata de Anais Portugueses de Psiquiatria, em 1955
e O Médico em 1956, tendo o mesmo especialista também publicado em 1956, in
sep. Portugal Médico, uma “Relação da neurologia com a psiquiatria na obra de
Magalhães Lemos”. Entretanto, também o Dr. Elísio de Moura (1877-1977), se
exprimiu literariamente, em alusivo trabalho “Prof. Magalhães Lemos”, datado de
Coimbra em 1971.
Como disse o Dr. José Leal de Faria, na sessão solene da
referida homenagem prestada pelos Bombeiros de Felgueiras, «as terras só são
grandes, consideradas e conhecidas, quando as qualidades dos seus filhos as
inculcam e tornam notáveis».
Dois Vultos da Medicina
Há tempos, ao pousar os olhos em notícias de área distrital,
deparamo-nos com dois importantes nomes de ligação Felgueirense, no quadro de
honra de uma prestigiada instituição portuense. Tratando-se do percurso
histórico do Instituto Superior de Serviço Social do Porto, criado em 1956, no
âmbito dos Movimentos de Acção Católica da Diocese do Porto, que presentemente
confere formação de bases científicas.
Ora, tendo estado essa actual cooperativa de ensino superior
a comemorar então, em 2006, o cinquentenário de fundação da respectiva inicial
Associação, veio a público na ocasião algo do seu historial. Tomando-se assim
conhecimento, à distância, que no quadro docente desse Instituto, passaram
desde 1956 também, entre outros, o Prof. Dr. Fernando Sarmento Pimentel das
Neves, em Psicologia e Psicopatologia, como o Prof. Dr. Abel Sampaio Tavares,
em Medicina Social.
Estes dois eminentes Vultos da Medicina, com efeito,
transportam em seu rasto curricular fortes afinidades e raízes de Felgueiras.
Tendo o Dr. Fernando Pimentel das Neves nascido em Rande, embora ficasse
registado como natural do Porto, acabando por ser sepultado no cemitério
paroquial de S. Tiago de Rande, no jazigo de família da sua Casa da Torre
(solar da linhagem de sua mãe e dos famosos João e Francisco Sarmento Pimentel,
seus tios). Enquanto o Dr. Abel Tavares (pai), sendo oriundo do Minho, assentou
domicílio sazonal em pleno Douro Litoral, na Casa do Souto, da freguesia da
Pedreira, concelho de Felgueiras, onde, dividindo com permanência no Porto,
passava também temporadas no remanso da verde paisagem Felgueirense, em fase de
jubilação da sua prestigiada carreira médico-científica. Mantendo-se então
integrado na terra de laços familiares e conjugais, como no caso de
participação social que entretanto teve na Cooperativa Agrícola de Felgueiras,
onde desempenhou durante alguns anos o cargo de Presidente da Assembleia Geral.
Pois os referidos personagens ilustres do meio, fazem assim
parte da honrosa galeria de médicos integrantes na memória Felgueirense, desde
o célebre Prof. Dr. Magalhães Lemos, passando por um vasto conjunto de figuras,
seja como clínicos, investigadores e professores, naturais ou residentes do
concelho, além de tantos que também desempenharam funções e exercem medicina
dentro do mesmo território Felgariano. Não sendo possível uma enumeração
exaustiva, até para evitar omissão involuntária de quaisquer nomes.
Cingindo-nos, por conseguinte, aos referenciados, será de
vincar que, entre uma ampla folha de serviços como a sua, alguns factos merecem
ser registados.
Faz parte da História Médica Portuense, por exemplo, que o
Dr. Fernando José Sarmento Pimentel das Neves incluiu o Conselho Regional da
Ordem dos Médicos de 1950 a 55, fez parte da organização de Cursos de
Aperfeiçoamento, como aconteceu por exemplo com o de 1952, em que Pimentel das
Neves esteve no grupo representante do Hospital Conde Ferreira, como nos
respectivos mandatos iniciados em 1956 e 1959 integrou o Conselho Disciplinar
Regional do Porto. Sendo de recordar o que se fixou no livro “Memorial
Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, que o Psiquiatra Dr. Fernando
Pimentel das Neves (n. 1918 - f. 1973) foi Director do Hospital Magalhães Lemos
e do Conde Ferreira, havendo ocupado o cargo de Director dos Serviços de Psiquiatria
da Região Norte e de Delegado do Instituto de Assistência Psiquiátrica da Zona
Norte, bem como de Director do Centro de Saúde Mental do Porto. Publicou
diversos trabalhos sobre Psiquiatria, incluídos nos Anais de Psiquiatria, n’O
Médico e Actas do Congresso Mundial de Psiquiatria, além de conter artigos
noutras prestigiadas publicações técnicas de medicina e da sua especialidade,
tal como colaborou também na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura. Tendo
casado em Rande, na sua terra e paróquia de implantação da casa-mãe da
tradicional família, repousou depois, para sempre, também em chão Felgueirense,
no campo santo da mesma freguesia.
Desenvolvendo um percurso com etapas contemporâneas, o Prof.
Dr. Abel José Sampaio da Costa Tavares (n. 1920) constituiu também o Conselho
Disciplinar Regional do Porto, eleito em 1959. Consta entre os «anatomistas de
carreira» do Laboratório de Cirurgia Experimental do Prof. Hernâni Monteiro
(conf. “História da Medicina Portuguesa no Século XX”). Depois de outros desempenhos
salientes, mais tarde esteve incluído no núcleo organizador das Bodas de Prata
da Ordem dos Médicos, no Conselho Regional do Porto, integrado em comissão que
em 1963 realizou importante programa, com saliência para uma Exposição de
Artistas Médicos. Incluiu igualmente os Corpos Gerentes de 1971/73 da mesma
Secção Regional da sua Ordem, como Delegado à Assembleia Geral. Tendo ainda
sido Director do jornal A Ordem, de vinculação diocesana, tem colaboração n’ O
Tripeiro, com artigos de articulação historiadora, além de uma vasta produção
literário-monográfica. Deste famoso Catedrático, consta seu nome na Base
Nacional de Dados Bibliográficos com mais duma centena de publicações, de que é
autor e co-autor, desde obras de cariz médico, de investigação, intervenções em
congressos, relatórios, estudos culturais, biografias e homenagens a médicos
ilustres – cujo conteúdo não podemos aprofundar, por só conhecermos os títulos,
nalguns casos mesmo sintomáticos, como “Um retrato com meio século: comentários
e saudades”, de 1994.
Armando Pinto