Somam-se os casos de carência interessante entre as
ocorrências que dão sal à vida, nos dias que correm, derivado sobretudo à crise provocada pelos
erros monetários das ligações políticas e pela perda de valores político-sociais e consequente trespasse afetivo, a juntar ao abatimento social que se tem acentuado.
Como tal, a escrita atual não pode abstrair-se dessas
realidades. Tanto como, sem necessidades de muitas explicações, se desenrolou o
tema que desta vez desenvolvemos em mais um artigo, da nossa colaboração
publicista, com lugar no jornal concelhio Semanário de Felgueiras.
Eis aí a respetiva coluna, impressa na página 12 do número do
SF desta sexta-feira, dia 30 de Janeiro; e de
seguida o texto normal – para registo e leitura, a bem do cunho Felgueirense
genuíno e dos Felgueirenses interessados:
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Je suis Felgueiras
A frase JE SUIS… andou por muito lado, a dizer que todos
eram Charlie, como se sabe. Traduzindo apelo à liberdade, a propósito dos
trágicos acontecimentos recentemente ocorridos em Paris, devido aos condenáveis
ataques ao jornal francês Charlie Ebdo, de cujos atos resultaram mortes físicas
e morais à liberdade de imprensa e opinião. Passando a ser uma máxima atual o
derivado conceito de que todos somos qualquer coisa, como afirmação de apoio.
Como tudo o que se passa no miolo da Europa acaba por cá
chegar, qual nuvem passageira, transpondo a um campo que nos relaciona mais, o
pensamento voa por assuntos da naturalidade local, de que todos fazemos parte.
Podendo então dizer-se que todos somos Felgueirenses; e, quanto ao resto, tudo
o que é de cá, nosso, destes lados, é “Made in Felgueiras”.
Noutros tempos, sem estrangeirismos, aqui pelas nossas
bandas, em vez de se dizer assim, somente, o povo comum tomava o todo pela
parte e era costume acrescentar-se por ou pelo, conforme o facto – como no caso
do futebol popularmente dizíamos… somos pelo Felgueiras. Mas também pelo nosso
clube predileto nacional, representante de nosso distrito ou região, pela nossa
freguesia, pelo nosso país. Pelo telurismo que estava impregnado em todos os
que se sentiam felizes com suas raízes.
Ora hoje em dia, com as leviandades políticas recentes, já
se perdeu fidelidade de afinidade à freguesia, natal ou afetiva, pois até em
documentação aparece ou um monte de nomes para denominar um sítio apenas, ou
então simplesmente o nome da primeira freguesia que foi escolhida pelos
responsáveis dentre as amontoadas a esmo… e quase ninguém se sente ligado a
qualquer circunscrição, dessas tais agora de tudo a monte e fé ao calha, em
uniões fictícias, até mais ver.
Nesse prisma, vem a talhe, por extensão de convicções,
aquele sentimento tido por bairrismo, contudo muito mais abrangente ou
expansivo e que ainda se sente nalgum interesse por afinidades que nos são
comuns. Tanto que quando surge, para além do horizonte daquém de nossos montes,
vulgo fora de portas ou até ao longe, qualquer coisa que seja de Felgueiras,
logo afilamos as atenções. Como aconteceu quando se soube que estava uma
felgueirense num programa televisivo, daqueles ditos de vida real, vulgarmente
chamados “Reality shows”, de causar audiências ao nível de canais televisivos
do espaço portuga. E, mesmo entre quem não seguisse aquele espetáculo diário de
pessoas à procura de fama, na ideia de possibilidade dum futuro publicitado,
houve mais mediatização no resultado e foi interessante saber-se que a
vencedora foi essa felgueirense. O que, afinal de contas, desta feita alterou a
tendência, visto tal conterrânea concelhia ter levado o nome de Felgueiras bem
longe, por motivos mais sociáveis.
Pois Felgueiras, afinal, também tem sua marca, de gente
laboriosa, nos mais diversos aspetos. Conforme é bem sabido, desde a produção
de calçado ao doce pão de ló, mais seus usos e costumes, agora já pouco
vincados, etc. e tal. Porém, e esse é um dos pomos da questão, deve haver
respeito pelo que é mesmo felgueirense. Repare-se, a título de exemplo, na
salvaguarda da memória coletiva, no caso da autenticidade etnográfica que tem
sido preservada através das coreografias dos ranchos folclóricos, felizmente.
Contudo, não se entende, por exemplo, quando acontecem desvirtuamentos; como,
por exemplo, se num grupo folclórico felgueirense aparecer um traje feminino de
branqueta, à poveira; sabendo-se que nesta região imperavam as cores e não uma
tonalidade só, nos trajes acotiados. Tudo tem seu quê e porquê. Daí que quando
se vê por cima do casario da sede do concelho uma branca torre se associa à
igreja matriz, e mais adiante duas torres cimeiras dum edifício mentalmente nos
faz visualizar o palacete da Casa das Torres, como ao cimo, por entre o
arvoredo do monte sobranceiro, aquela torre diferente com seu gradeamento no
cume logo nos transpõe até santa Quitéria…
Para alguém se sentir bem é necessário haver sedução, como
quem diz que o ambiente conta muito, importando haver propriedade, de modo a
todos sentirmos estar no que é nosso, entre os nossos. Haja então verdade, em
podermos ser felizes tendo raízes.
Armando Pinto