Em plena semana santa da Páscoa, naturalmente versa sobre a
temática pascal o artigo desta vez escrito pelo autor signatário, no âmbito da
tradicional colaboração publicista no jornal Semanário de Felgueiras. Em crónica publicada na edição datada
do feriado de sexta-feira santa, dia 19. Embora o jornal possa chegar às mãos
dos assinantes e leitores antes ou depois, conforme a distribuição dos correios
(sem contar a falta de gasolina ou gasóleo pela greve que por estes dias assola
o país, com maior impacto que alguma da área da saúde, por exemplo).
Sendo próprio da época, o Pão de Ló merece honras de primazia, como doce tradicional da época de Aleluia, fabricado artesanalmente em Felgueiras e reconhecido como produto da região, através da marca certificada Pão de Ló de Margaride.
Então, em período de sensibilidade entre usos e costumes
tradicionais reportados ao período pascal, o artigo desta semana reflete
aspetos relacionados com essa vertente dentro da original Felgaridade:
Páscoa da Ressurreição da Vida
Estamos na Páscoa, ao findar da chamada semana maior, a
tradicional Semana Santa Pascal. No aspeto da religiosidade popular e
institucional, não se podendo dissociar porque, afinal, a Páscoa tem laços
fortes ao vínculo religioso. Pese derivar de antigas festividades relacionadas
na antiguidade histórica com o equinócio da Primavera, mas sobretudo pela
vitória da vida sobre a morte que encarna a mensagem da Ressurreição.
Provinda então desde eras praticamente imemoriais, a Páscoa
está associada também a este período de renovação da natureza, a partir da
marca do início da Primavera no hemisfério norte do globo terrestre, no
crescimento dos dias de luz solar de reforço à vitalidade natural. Extensiva à
fecundidade e fertilidade. Relacionando-se o imaginário pascal com ovos, os
também chamados ovos de Páscoa, precisamente pela ideia de nascimento e
ressurgimento, mais coelhinhos ilustrativos na iconografia relativa, por ser
espécie de boa reprodução.
Acresce, no panorama local felgueirense, que a Páscoa é época
em que o pão de ló é rei da festa. Algo que calha a preceito, sendo a
tradicional rosca de pão leve em formato redondo, como um ninho bem aconchegado
e atraente. Resultando que desde longos tempos o pão de ló marca território
pascal, sendo doce acotiado na mesa familiar do dia de Aleluia, além de ser
presente na receção ao Compasso, compondo a mesa posta para os elementos da
Visita Pascal. Acrescendo antigamente haver também o chamado folar de Páscoa,
de massa de regueifa a envolver um ovo, enquanto os padrinhos no dia de Páscoa
davam aos afilhados uma regueifa, rosca de pão de trigo que fazia o encanto da
pequenada em tempos que lá vão.
Então, perante ambiente doce misturado com odores da
floração das plantas na imagem ambiental, associando-se ainda às glicínias que
costumam surgir por esta altura do ano, a Páscoa diz muito aos costumes comuns.
Sendo este um tempo de revigoramento, mas também de apaziguamento ambiental.
Calhando muito de se recordar outros tempos de maior relevância de afetos, como
da reunião familiar nas casas tradicionais em torno da espera ao Compasso.
Quando no íntimo se vai até ao céu buscar ente queridos entretanto
desaparecidos, bem presentes no infinito das memórias e vivos na saudade,
transportando lembranças avivadas na sonoridade da campainha do Compasso e
sinos de sinalização da visita paroquial. Estando na retina de boa parte das
pessoas toda a envolvência à andança da florida cruz pelas casas, a pontos das
opas do juiz da cruz e seus acompanhantes parecerem tecidas de afetos nos
hábitos mais arreigados.
Assim sendo, como quem corta à mão um pedaço de pão de ló,
apanha-se um punhado de amêndoas açucaradas para enfeitar um ninho de ovos de
Páscoa. Numa mescla em que também fazem bom acompanhamento as cavacas
tradicionais de Margaride, que Camilo Castelo Branco saboreou em suas visitas a
Felgueiras, das vezes que veio a casa da Alegria de seu amigo Padre Casimiro
Vieira. E, como narrou no livro de suas Viagens o grande escritor brasileiro
Afrânio Peixoto, o pão de ló e as cavacas de Felgueiras estão entre as melhores
iguarias da doçaria, como ele mesmo conta(va) a quem tem apetite… pela leitura
e conhecimento cultural. Tanto que esse também célebre literato, após referir
que Portugal o extasia(va) «na delícia da sobremesa» – acrescentava: «Sempre
tive a ideia que é falta de gosto não começar as refeições pelos doces...»
Enquanto explicava quão «os doces portugueses, como tanta coisa aqui, são os
melhores ou mais gostosos do mundo. Umas cavacas de Felgueiras…. E o pão-de-ló?
Felgueiras... não me deixeis em pecado de ingratidão!»
Ora, como o que é doce nunca amargou, mais saborosa é assim
a ambiência própria da quadra, nesta nossa zona do genuíno pão de ló típico da
Páscoa.
ARMANDO PINTO
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