Passado o período de folias de Carnaval, é tempo
quaresmal de sossego até à Páscoa. Época que tradicionalmente comportava
noutros tempos, por esta região Felgueirense, alguns costumes relacionados.
Como se aflorou
anteriormente, os excessos de Entrudo provinham de festividades populares de
tempos recuados, realizando-se durante a romanização as Lupercais, antes das
Calendas de Março, celebradas em honra de Pan, deus dos pastores -
relacionando-se a denominação com Lupercus (do latino lobo). Ora esta festa
anual estava associada a orgias e outras boémias, pelo que o Papa Gelasio instituiu,
em sua substituição, a festa da Purificação ou da Candelária. Não tendo sido,
porém, completamente extintos os festejos com os desmandos abusivos do
Carnaval, passou depois essa festa religiosa a cingir-se ao dia, como também
ficou conhecido, de Nossa Senhora das Candeias.
Este dia,
depois dos populares saberes de "Temperilhos e Remedilhos" (de
previsão do tempo, associando o estado de cada dia a um mês respectivo, entre o
dia de Santa Luzia, a 13 de Dezembro, e o Natal e, depois, em contagem decrescente
desde o 26 de Dezembro até ao dia de Reis, a 6 de Janeiro), servia então o dia
da Candelária, a 2 de Fevereiro, também de nova prova meteorológica, qual
reforço de confirmação, pois, ao que se dizia, se nesse dia de Nª Sª das
Candeias estiver de chuva, na voz do povo «Nossa Senhora a chorar, está o
inverno a acabar», significando futuro clima ameno; enquanto que se «estiver a
rir (fazendo sol), está o inverno p’ra vir»...que é como quem diz que vai
sobrevir tempo invernoso com rigor.
Assim o período
mais reparador passou a verificar-se a partir do dia seguinte à terça-feira de
Carnaval, numa espécie de água fria a arrefecer os ímpetos desenfreados. Este
tempo começa então pela quarta-feira de cinzas.
Não se trata,
no caso, de nos determos sobre o tempo litúrgico propriamente, ido desde a
quarta-feira de cinzas até quinta-feira da Semana Santa, de quarenta dias
preparativos para a Páscoa. Apenas alusão sucinta de algumas das antigas
tradições locais, como recordação de particularidades populares da maneira de
viver noutras eras.
Posto
isso, guardadas as fantasias de Carnaval, chegava o tempo da abstinência, já
que durante este período de nada valiam os pagamentos de “bulas” que se faziam
para o resto do ano. Pairava ambiente rígido, pela religiosidade vivida,
acrescido da preocupação de não se poder comer carne às sextas-feiras durante a
Quaresma, chegando-se ao ponto de nas vésperas da abstinência se “escaldarem”
as panelas para que não restassem nas mesmas quaisquer restos de gorduras.
Passado
algum tempo de penitência, sensivelmente a meio da Quaresma, possivelmente para
atenuar o ambiente, aconteciam alguns cerimoniais de raiz popular. Como a
“Serração da velha”, na noite de quarta-feira da terceira semana desse tempo
quaresmal. Andanças nocturnas em que os novos iam “asserrear” as mulheres
idosas junto às suas portas. Antes ou depois, mais precisamente em Março, no
dia do Pai, que calha também dentro do mesmo período (seja baixa ou alta a
altura do ano em que se calendarize o Carnaval e a quarentena que se lhe
segue), havia ainda a “festa do cuco”, nuns moldes parecidos, apenas com a
diferença de incidir directamente aos homens, cujas relações das suas mulheres
eram faladas em sentido negativo. Pelo que, na dúvida da paternidade, ao que
poderia andar no ar, o referido ritual popular fazia incluir crianças
(transportadas com carrinhos de mão), a fim de serem distribuídas, por
brincadeira, junto às casas de cuja reputação o povo falava... enquanto com
galhofa, os participantes da marosca, sorrateiramente, imitavam o canto dos
cucos.
Lá
para o fim deste período antigamente havia, sob o prisma religioso, ainda o
rito das imagens dos santos nas igrejas estarem escondidas por panos roxos
desde o Domingo de Ramos até ao Sábado de Aleluia, incutindo um espírito muito
próprio à habituação do povo.
Nos dias de hoje são apenas assim cobertas as cruzes
existentes no interior do templo, durante toda a Quaresma, com excepção de uma
que é colocada em destaque junto ao altar-mor, contendo pendente dos braços uma
faixa roxa a formar um M. Havendo, ultimamente, também colocação de uma cruz no
exterior das igrejas, com uma ou mais faixas roxas, contendo motivos da Paixão
Redentora - como ainda se pode ver junto à igreja de Rande, conforme registamos na imagem cimeira.
Época essa, de aproximação à Páscoa, em que noutras eras se realizavam, inclusive, ao ar livre autos da Paixão nalgumas freguesias, perante grande número de assistentes que, quantas vezes, de todos os anos presenciarem ou de quando em vez também participarem, sabiam mesmo de cor os papéis dos declamadores de textos normalmente feitos em versos.
Maneiras de
passar o tempo que, entretanto, já passaram à história como celebrações
típicas, comuns à região.
(Texto que, com algumas variantes e adaptações, foi entretanto já publicado no jornal Semanário de Felgueiras e noutras publicações, além de estar entre material para um futuro livro, há muito esperando viabilidade...)
Armando Pinto