Espaço de atividade literária pública e memória cronista

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Alexandre Diogo: Felgueirense de fibra (1892-1970)


Continuando a procurar fazer justiça à memória felgueirense, o artigo que desta vez escrevemos visa homenagear um bom exemplo da estirpe felgariana, conforme foi publicado no artigo da colaboração do autor no jornal Semananário de Felgueiras, no número de sexta-feira 18 / 11:

Alexandre Diogo: Felgueirense de fibra (1892-1970)

Assim como dizia velho rifão que se vê a paisagem pelo andar da carruagem, também o ambiente natural duma terra se vislumbra pela sua geração, na qualidade de seus naturais, por quanto os filhos fazem na evolução da propriedade comum. Pois, mais que tudo em que se salientam, houve e felizmente haverá sempre pessoas que pertencem a uma terra, tal a identificação que se mantém em seu percurso.

Ora, vendo pelo andamento que se foi sucedendo, temos conhecimento dum felgueirense antepassado assim, de nome Alexandre Diogo, por quanto sua vida ficou ligada a Felgueiras. Tal sua grande folha de serviços públicos, desde ter sido Bombeiro nos primórdios da corporação da então vila de Felgueiras, até ter sido Soldado do exército que serviu a parte patriótica na grande guerra das trincheiras europeias, assim como foi testemunha do progresso local enquanto contemporâneo da passagem do comboio por Felgueiras e desempenhou funções públicas. Sendo, enfim, um verdadeiro acompanhante da viagem coeva do desenvolvimento concelhio em tempos passados.

Alexandre Diogo, nascido a sete de junho de 1892, na rua da Água Nova, no sopé da subida para o alto de Santa Quitéria, em plena parte alta da então vila de Felgueiras, era senhor de porte, com sentido de responsabilidade em vestir farda, já que serviu a corporação dos Bombeiros Voluntários de Felgueiras, como também foi tropa e combateu com armas de fogo ao serviço da Pátria. Tendo durante quase 30 anos sido bombeiro sempre pronto, sobretudo nas chamadas de noite devido a então morar na rua de Samôça, a pouca distância do quartel. Acontecia, como curiosidade, que tal facto, por ordens do comandante José Maria Likfold da Silva, dava direito a que o primeiro que chegasse era agulheta de serviço da guarnição (composta por motorista, chefe e quatro bombeiros), daí o caso ganhar foros de apreciação pública, enquanto soldado da Paz. Acrescendo juntar ao currículo também ter sido combatente na I Grande Guerra Mundial, de 1914-1918.

Está por fazer uma devida memorização à participação felgueirense nessa campanha de baionetas e canhões, entre os jovens mancebos desse tempo que serviram no corpo expedicionário português nos campos bélicos da estranja. Servindo de exemplo o caso em apreço, entre outros, que inclusive assistiu a certas ocorrências pouco conhecidas. Como foi durante a guerra os nossos soldados terem recebido visitas de D. Manuel II, então exilado em Inglaterra, o qual, apesar de tudo, mitigando sua afeição patriótica, levava sua presença amiga aos soldados compatriotas, animando as hostes e inclusive presenteando-os com tabaco. Ao tempo, o referido felgueirense, em plena guerra sentiu a alegria da notícia que chegara às trincheiras sobre as Aparições de Fátima em 1917 (faz brevemente 100 anos) e isso deu aos soldados uma esperança consumada volvido um ano, quando terminou essa terrível guerra que matou sessenta mil portugueses. Tendo então Alexandre Diogo regressado são e salvo em 1918, chegado em tempo da festa concelhia do S. Pedro à estação de comboio na Vitoreira, atual Rua Rebelo de Carvalho. Depois disso, despida a farda de cotim militar, mailo cantil, bornal, cartucheira, cinturão e capacete, voltou a vestir roupa civil e refez sua vida. Foi por fim carcereiro no edifício dos antigos Paços do Concelho (onde hoje é a Caixa Geral de Depósitos) cujo edifício comportava a Câmara, mais Tribunal, Repartições públicas e Cadeia comarcã. Só mais tarde a cadeia passou a ser nos Carvalhinhos e por o carcereiro ter direito a casa, para lá foi morar com sua família, que entretanto constituíra. Da qual resultou, por sinal, outros bons felgueirenses, como foram e são seus descendentes, entre os quais se conta seu filho José Diogo, que também seguiu o exemplo paterno na causa pública de bem fazer, como bombeiro, além de ter integrado a Banda de Música de Felgueiras; e um dos netos, o popular Carlos Diogo, é um apreciado locutor da rádio local.

Se as terras valem pelos seus varões assinalados, Felgueiras eleva-se mesmo em ter tido homens assim, entre heróis que foram de carne e osso e andaram normalmente entre o povo de seu tempo, deixando rasto de dignidade no tempo.
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Posto isto, exposto o texto publicado, acrescentamos mais como complemento:

Falecido em nove de Setembro de 1970, o patriarca da família felgueirense Diogo ficou então como um bom exemplo de pessoa que por sua vida pertence à memória coletiva. Além de sua ativa cidadania, como integrante da Associação Humanitária dos Bombeiros de Felgueiras, foi Alexandre Diogo protagonista nas batalhas da 1ª Grande Guerra Mundial, tendo sido um felgueirense dos que lá andaram no meio dos rebentamentos e lutas que meteram canhões de morteiros e primeiros tanques de guerra, de baioneta em riste nos corredores das trincheiras. Conflito internacional esse que começou precisamente no ano em que chegou o comboio a terras de Felgueiras, com o chamado Comboio de Penafiel à Lixa e Entre-os-Rios a ter tido inauguração da estação da Longra em Maio desse catorze, até que a linha teve continuidade  para Felgueiras em Junho e depois seguiu até à Lixa em Setembro de 1914. Ficando a estação da vila de Felgueiras ligada ao regresso de Alexandre Diogo, que chegou a Felgueiras em 27 de Junho de 1918, já com os tambores de Zés Pereiras a ribombarem para a festa do S. Pedro, apeando-se  na gare da Vitoreira (cuja estação era no edifício onde mais tarde foi garagem das camionetas do Cabanelas e agora se encontra a sede do grupo Amadores de Pesca de Felgueiras). Tal como, sendo contemporâneo da existência das antigas instalações da Câmara Municipal de Felgueiras em frente ao antigamente chamado Largo 5 de Outubro, conheceu as transformações da vila de Felgueiras (quando ainda tinha casario ancestral e mansões históricas, começando a ser rasgadas ruas e modificados antigos cenários), bem como exerceu seu modo de vida num dos desempenhos públicos que também entretanto passaram a história. Pois que em seu tempo havia ainda a cadeia comarcã, da comarca de Felgueiras, primeiro nas lojas da casa da Câmara velha, como era chamado aos fundos ou rés-do chão; e depois na que foi construída no lugar dos Carvalhinhos, perto do hospital Agostinho Ribeiro. Havendo nesse estabelecimento prisional de ordem pública exercido funções de carcereiro, lugar importante ao tempo e que desapareceu depois, como tal. Enquanto como cidadão era membro duma família também de respeitável estatuto social, como se nota no facto dum seu irmão inclusive ter tido posição de destaque na hierarquia dos bombeiros locais. 
Tal o caso de ser irmão do então 1º Patrão José Diogo, assim designado como instrutor, com lugar de relevo nos Bombeiros de Felgueiras, de que era prestigiado decano à sua morte; e do qual herdou o nome um filho de Alexandre Diogo, o Sr. José Diogo atual.

Em suma, o senhor Alexandre Diogo, felgueirense de tempos idos, justifica ser lembrado. Como diz a letra duma canção, mais que de uma família, de tradição, duma religião ou geração, há pessoas que pertencem aqui, à sua e nossa terra. Como Felgueiras felizmente teve e terá. Gente de algo que, dentro do que tem sido possível chegar ao conhecimento do autor, por esta via da escrita temos procurado destacar, em homenagem à memória dos que honram Felgueiras e assim devem ser contemplados.

 ARMANDO PINTO
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