Tenho nas memórias mais antigas, das primeiras imagens da
vida, a minha avozinha. A minha avó Júlia. Deitada na sua cama, onde estava há
anos paralisada, mas sempre bem-disposta, com cara sorridente, dum modo
santificadamente marcante. Ficara assim desde que sofreu algo que popularmente
diziam ter sido um “ataque”, estando comigo ao colo, tinha eu coisa de quatro meses
apenas. A partir dali fui crescendo a querer estar junto a ela e ela a gostar
de me ter à sua beira. Ouvindo-a contar-me histórias de fazer sonhar. Lembrando-me
bem de suas mãos branquinhas e enrugadas, de pele muito macia, de palavras
ternas como réstia duma vida cheia de histórias. Quão me vem à memória que me
embalava, com um cordel preso ao berço, conforme soube mais tarde como depois fazia
ao meu irmão mais novo. E nós os dois, os rapa-caçoilas da família, ali andávamos
junto à sua cama, a querer ouvi-la, entre umas vezes ou outras das vezes em que
rezava ou ouvia o terço e as missas no rádio que o meu pai lhe colocara na
mesinha de cabeceira. Sempre com muita calma a gerir dentro do possível as
brincadeiras dos netos. Era como se no seu regaço eu descansasse desses tempos
de infância, dum modo que pela vida adiante sei que me acompanha. Como naquela
noite dum conto que conto no meu livro Sorrisos de Pensamento. E tenho bem
presente como fazendo parte de minha alma, como sinto num fechar de olhos de
pensamentos.
A minha avozinha, nascida em 1884, faleceu em 1969. Em cujos
85 anos seus eu ainda a pude ter comigo alguns anos da minha vida, que então ia
em 14 primaveras. Embora na época de seu falecimento eu estivesse deveras longe,
por via do percurso estudantil, episodicamente ausente em período formativo num
estabelecimento interno nos arredores do Porto. Como também anotei na narrativa
do conto daquele livro de descritivas histórias particulares. Lembrando coisas
e loisas que me apeteceu contar. Embora pudesse ter contado mais, que não
calhou. Como mais tarde calhou, mas aí de viva voz, na confirmação da casa onde
nasceu o célebre mestre de música sacra Padre Luís Rodrigues, porque foi na
mesma casa onde anos antes ela também nascera, como contava – na Casa da Fonte,
do alto de Rande, onde sua mãe fora empregada nesses tempos que se perdem na
penumbra das memórias. E está registado, conforme consta na narrativa oficial
do seu registo de nascimento, do qual tenho prova na Certidão de Nascimento que
guardo.
Assim, como no calor duma vela acesa da lembrança que me vem à ideia, lembro a minha avozinha, ao calhar da passagem do dia de seu nascimento, na passagem da data de seu aniversário natalício. Como que sentindo tê-la à minha beira, a proteger-me, na ternura da infância que quero fazer perdurar no colo de sua recordação.