Chegada a quadra da Páscoa, como que adoçando a boca do
interesse público por loas do espírito humanista com amêndoas e ovos de Páscoa da
recordação, em letra de forma, junta-se umas gemas literárias a forrar a forma
do pão de ló caseiro com mais um artigo escrito por estes dias pelo autor
destas linhas, também, e publicado no Semanário de Felgueiras.
Da respetiva crónica, saída a público em dia de sexta-feira santa, coloca-se aqui o texto chegado ao público na edição deste dia 14, antecedendo a Páscoa:
Arca de Folar Pascal
Há sempre uma arca de nossas recordações, algures nos
arcanos da memória. Onde, em espaço guardado de lembranças, mais tarde damos
valor ao que aí juntamos. Seja numa arca que houve nalgum sítio de nossa vida e
permanece presente na retina visualizada em nosso cérebro, quer como numa
perspetiva figurativa, qual baú de memórias ternas e eternas.
Voando nas asas do tempo, como que recuando a épocas
passadas, uma arca representa desde logo um acervo temporal, à medida de tempo
cronológico. Conforme, deambulando por curiosidades regionais e memorizações
locais, vem a talhe. Como as arcas eram bem talhadas, além de reforçadas com
aldrabas. E sobrevêm à mente, em período de proximidade à Páscoa, as arcas onde
se guardavam folares para afilhados e doçarias para filhos pequenos, quando não
já os netos – como, por exemplo, é recordado no livro “Memórias do Capitão”,
por João Sarmento Pimentel, referindo a arca onde sua avó Francisca, a
matriarca da família Pimentel da Torre, em Rande, guardava cavacas de
Margaride, ainda em período final do século XIX. Tal como em qualquer casa da
região havia arcas, que o povo chamava modestamente caixas, nas quais se
guardavam também as roscas de pão fino que seriam no dia de Páscoa dadas aos
afilhados e crianças do meio familiar, as entrançadas regueifas que a criançada
depois levava por vezes a tiracolo a acompanhar o Compasso, até na hora do
almoço pousar na mesa familiar para acompanhar as batatas do forno do
tradicional prato guarnecido de carnes de galo e coelho, pela festa de ano de
Aleluia. Enquanto em casas mais tais, como dizia o povo, havia algo mais em
arcas forradas com alvas toalhas de linho, que lá dentro tinham o tradicional
pão de ló da Páscoa, para pôr na mesa de boas vindas ao Compasso Pascal, quando
não ainda cavacas e pão pôdre de Margaride, lérias de Amarante, amores de
Penafiel, rosquilhos das romarias, damas da Longra e outras doçarias.
Por outro lado há sempre em nós uma arca de lembranças, fiel
depositária de memórias, como algo do que as arcas de madeira são lembradas.
Desde nossos primeiros afetos, até ao que mais lembre. Sim, como pessoalmente
(passando a narrar na primeira pessoa) ainda guardo intimamente o que me faz
evocar meus primeiros amores… a minha mãe, a quem desde primeiras imagens
guardadas cá dentro recordo como me segurava, quão me lembro tenuemente, ainda
mal andava já me agarrava a ela, então à sua saia e avental, sentindo-me
amparado; e a meu pai, parecendo ainda andar levemente sobre seus pés, pousado
nos seus sapatos de cotio, conforme ele me transportava a brincar, e me falta
agora sua presença para puxar memórias de seus tempos, também. Entre sensações
que perduram, qual calor debaixo do cobertor da infância.
Nestes tempos pascais o tilintar da campainha do Compasso
transporta-nos à sineta da saudade, também. Podendo parecer demasiado recordar-se
amiúde esses tempos e nossos antepassados, mas naturalmente lembramo-nos de
quem gostamos, e tudo que representa boa memória. Atapetando o que ainda vemos,
do que nos vem à ideia, qual imagem como antigamente se faziam tapetes de
flores à entrada das casas para receber o Compasso, indicando a entrada e
enfeitando o ambiente, na amplitude do encantamento vivido por tempos que
marcaram épocas e sensibilidades.
A Páscoa está aí, neste tempo de renovação da natureza e
novo desabrochar da vida, mais uma vez. Como em anos passados, agora
revigorando a atual existência. Podendo, quantas vezes, nem se saber bem na
generalidade a diferença que faz haver estas quadras de ano, mas haverá sempre
diversidade de convicções em se poder sonhar com o que gostamos. E a vida sem
algo sublime não faria sentido. Tal como a Páscoa representa a vitória da vida
sobre a morte, na celebração da eternidade.
ARMANDO PINTO
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