Encerrou por estes dias uma importante fábrica da Longra, a antiga Codizo, atualmente com nome do grupo Sozé. Desaparecendo assim uma histórica firma com papel deveras assinalável na ambiência da Longra e zonas envolventes, dentro do concelho de Felgueiras. Tal como sucedera no início da década dos anos oitentas com a algo gigantesca Metalúrgica da Longra, e mesmo a Prelmo, como posteriormente algumas fábricas de menores dimensões, quer serrelharias, como algumas pequenas indústrias de calçado (embora destas, nalguns casos, sem tanto impacto, derivado a reduzida produção e número de trabalhadores empregados, até quase sem os respetivos nomes terem chegado a ser do conhecimento público generalizado).
Assim sendo, a segunda semana de abril desenrolou-se de modo algo aziago para o setor do fabrico de calçado em Felgueiras, pois também no mesmo dia em que os trabalhadores da Codizo/Sozé recebiam os impressos para o Fundo de Desemprego, era conhecida publicamente em notícias jornalísticas a liquidação da fábrica Abreu e Abreu, de Barrosas-Idães, outra importante empresa do calçado de Felgueiras.
A Codizo/Sozé começara na Longra como “Codizo”, em 1985, no edifício da extinta Prelmo, antiga fábrica de metalurgia junto ao rio (e como tal em tempos popularmente referida por Mit Rio, cujas instalações se vêm à distância na foto, acima). Embora então a Codizo estivesse com ligação à fábrica Sozé, iniciada ao correr de 1976 em Cimalhas-Sernande
e depois transferida para Lagares e por fim S. Jorge de Várzea, onde esteve durante muitos anos.
Até que em 2016 se fundiram as duas no Grupo Sozé, na fábrica da Longra, entretanto
detentora da Dkode, marca de calçado que calcorreou os maiores e mais prestigiados
certames mundiais do setor. Até que neste mês de abril de 2018 deixa de laborar,
por dificuldades de manutenção.
Independentemente de tudo (que não cabe aflorar por quem não
está por dentro do assunto, obviamente), além que na parte social a situação vai sendo remediada – visto a maioria dos trabalhadores já terem seu futuro solucionado, segundo voz corrente – o que vem ao caso, neste espaço de
memorização, é a fixação do que representou para as sucessivas gerações de pessoas que
trabalharam nessa empresa, entre quem ali conheceu primeiros tempos de convívio
e posterior conhecimento da envolvência para o meio local. E fica a perdurar,
na memória coletiva.
Como lembrança, recorda-se aqui alguns “flashes” históricos
de tempos passados, através de fotografias de excursões e confraternizações entre colegas de trabalho e família.
Juntando páginas do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”,
como testemunho de como até 1997 estava.
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Na pertinência do caso, diante do desaparecimento de fábricas de sapatos no concelho de Felgueiras e particularmente nas áreas da Longra e de Barrosas, é oportuno relembrar algo de história relacionada com o setor, deitando mão a um texto também do autor destas linhas, em tempos publicado no jornal Semanário de Felgueiras, que agora se atualiza:
Um pouco de história correspondente: Cabouqueiros da
Industria Felgueirense do Calçado
Remonta aos tempos dos mestres sapateiros a manufatura
felgueirense de calçado, cuja história merecerá aqui ser recordada, ainda que
numa abordagem sintética. A propósito de justa alusão a alguns dos mais
conhecidos pioneiros e continuadores deste ramo produtivo da economia local,
com relevante papel no crescimento estrutural concelhio.
Nestes moldes, sem contar eras muito recuadas, quais
correias do calçado das botas, sandálias, soco e coturno dos guerreiros de
antanho que também por estas terras andaram, depois os sapatos e botins
fidalgos de velhas burguesias, mais ancestrais botas grossas de guerra, socos de
campo, botas rurais, chinelas e outras modas por demais antigas, a memória da
feitura de calçado em Felgueiras recua a época sensivelmente aproximada do
começo do século XX, ao fabrico artesanal doméstico, saído de mãos dos obreiros
dessa arte.
Eram então acotiadas lojas de sapateiro onde se fabricava
manualmente todo o tipo de calçado por trabalhadores abancados, ou seja
sentados em bancas, a cozer com sovelas as linhas ensebadas, cuja ferramenta se
dispunha à sua frente ou no meio de todos em “ofícios”, pequenas mesas
compartimentadas, para as tachas, turquesa, martelo, pé de ferro, moldes de
cartão, formas de pau e demais apetrechos; além de oficinas de tamanqueiros, em
cuja produção se salientavam tamancos de mulher, socos de lavrador e chancas de
rapaz. Casas de mestres-sapateiros espalhadas pelas freguesias, nas quais se
fazia de tudo o que aparecesse de encomendas particulares, do que dependiam diversas
famílias, porque abundavam operários a trabalhar por conta do mestre, o dono da
loja, quantas vezes em continuidade hereditária. Extensivamente alguns dos
antigos empregados que aprenderam o ofício nessas condições, em casa dos
patrões, foram-se, entretanto, estabelecendo por conta própria nas suas terras
ou localidades vizinhas, onde viviam ou fixaram residência.
Nessa altura, predominando o fabrico de botas de pneu e
chancas em regime de tarefa, não havia horários de trabalho propriamente e os
artesãos eram mal pagos, pouco dando para o natural sustento. O próprio meio
ambiente era maioritariamente típico em pobreza material. Havia então pequenos
industriais com dois ou três empregados, dos quais apesar de muito esforço,
condicionado à maneira artesanal, resultava escassa produção diária de pouco
mais que um par por dia laboral de cada trabalhador. Entretanto com a guerra
(como o povo chamava simplesmente à sequência da Guerra Civil Espanhola e à 2ª
Grande Guerra Mundial) sobrevieram piores dificuldades com a falta de peles
verificada, sendo então atribuído a cada negociante senhas para levantamento de
matérias-primas, provocando luta de sobrevivência e consequente mercado negro.
A procura local do produto acabado não era muita, pois que, excetuando os
fidalgos ricos e comerciantes remediados, o povo comum andava descalço por
norma, usando calçado apenas em dias e momentos especiais. Ajudou ao necessário
desenvolvimento a lei da proibição do pé descalço, saída em meados da década de
cinquenta, embora sem plenos resultados até finais desses anos nas zonas
rurais. Porém no decurso do tempo vingou a obrigatoriedade de todos andarem
calçados e apesar de na região a maioria andar usualmente de socos ou
alpercatas, a nova situação permitiu que os industriais desta região pudessem
começar a vender calçado para fora de portas, passando a deslocar-se até outras
terras e, sobretudo, feiras, escoando assim o produto e por inerência podendo
aplicar lucros e efetuar pagamentos. Além de que se iniciou também na época
algum envio de artigo fabricado para as colónias ultramarinas, de permeio com
aquisição no estrangeiro de primeira maquinaria e componentes para laboração
modernizada. Foi então que começaram a ser fabricados na região sapatos por
meio de máquinas, inicialmente em processos algo imberbes e paulatinamente
alastrando a produção, de calçado grosseiro e fino, entrando pela década de
sessenta com algumas oficinas avantajadas, em nítido desenvolvimento.
Eram tempos de homens embrenhados na laboração e mercado desde
crianças, que cresceram a aprender à sua custa esse modo de vida, industriais
pioneiros que ficaram na retina da memória como representantes do arranque da
produção industrializada, entre os quais será de lembrar uns Joaquim Ribeiro,
António Gonçalves, João Cunha, Alexandre Sampaio (Osório), Adolfo Martins,
Amadeu Gonçalves, António Freitas Guimarães, António e Carlos Castro, António
Carvalho Dias, Joaquim Clemente Freitas, Teófilo Faria, Granjo, Alberto Cunha,
Avelino Pereira, Martins Coelho, etc. embora de per si distribuídos por
gerações diferentes.
Até que, chegada a década de setenta, perante viabilidade de
novos mercados e melhores condições organizativas, se expandiu a produção em
série, com saliência de mão-de-obra feminina a equiparar-se e até a superar a
masculina, numa conjetura fortalecida por inerência de surgimento da exportação
como ovo de Colombo. Apareceu desde aí gente dinâmica numa nova vaga patronal,
de que se poderá referir, por exemplo, uns Cunha Melo, Mário Cunha, José
Guimarães Sampaio, Artur Guimarães Sampaio, Carlos Martins Fonseca, Álvaro
Costa, Eduardo Coelho, Teixeira Pinto, Benjamim Rodrigues, António Manuel e Alberto Abreu, Jorge Pinto, Joaquim Ferreira Pinto, Jorge Moreira,
Adriano Marinho, etc. etc., entre tantos outros
empresários de sucesso que travaram percurso ascendente gerador de
desenvolvimento para o modo de vida de Felgueiras, como é do conhecimento
público de experiência feito. Até à nova vaga, ainda em ação.
= Instalações da antiga SIC-Fábrica de Calçado dos Carvalhinhos, ao tempo da remodelação que deu a sua fisionomia mais conhecida. E anúncio numa publicação dos anos setentas =
Houve entretanto alguns casos de sucesso, no auge da
produção de calçado no concelho de Felgueiras e exportação, que mais tarde não
tiveram longevidade. Como aconteceu com a fábrica de calçado SIC, Sociedade Industrial dos Carvalhinhos,
de Margaride, uma das pioneiras empresas industrializadas do fabrico em série
no concelho, de iniciativa do empreendedor felgueirense dos anos cinquentas e
sessentas sr. Teófilo Leal de Faria. Fábrica que, segundo se diz ainda hoje, foi uma escola e manancial de laços de convivência e amizades frutuosas, depois passada ao sr. Avelino
Pereira e que no decurso dos anos não resistiu, tendo
desaparecido sensivelmente na transição da passagem para o século XXI. Entre outras firmas de antanho, entretanto extintas e que deram lugar a novas empresas ou simplesmente morreram. Bem como a Abreu e Abreu, de Idães, por exemplo, das mais recentes. E ainda a Codizo-Empresa de Calçado da Longra,
L.da, implantada em Rande ao início de 1985, na Longra, mas integrante do Grupo Sozé sediado em
Várzea (depois tudo agregado nas mesmas instalações da vila da Longra em 2016).
Que veio a terminar com o encerramento verificado em 2018. Tal qual, na mesma semana veio a público caso anterior da fábrica Abreu e Abreu, cuja liquidação foi conhecida aquando do encerramento da Sozé. Como antes se
verificara já com outras empresas, e às tantas haverá outras mais em ocorrências
similares, perante o estado da nação desde há anos, como se tem notado.
= Aspeto da fábrica Codizo-Empresa de Calçado da Longra, nos seus tempos iniciais, antes da ampliação depois edificada. =
Contudo, mantém-se para já o ambiente do potencial
resistente, derivado de todo o percurso empresarial advindo de épocas áureas.
Tem créditos existentes ainda, enfim, o
panorama do fabrico do calçado felgueirense, através do labor empresarial, qual
força a arrastar o progresso, propriedade de fama e proveito, tendo sido e ficado
a indústria respetiva a liderar o sector
da economia transformadora concelhia, com direito de Felgueiras ao título de
capital do calçado ora considerada.
ARMANDO PINTO
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