Num artigo mais da colaboração normal no Semanário de Felgueiras,
a crónica desta semana versa sobre a ideia de prestar uma homenagem pessoal a
alguém com uma história de vida digna de apreço comunitário. Entre pessoas de
bem que sempre gostaram de "fazer o bem, sem olhar a quem".
Dessa pessoa que permanece na memória do autor e historicamente
integra uma autêntica galeria de pessoas simples do povo permanentes na vida de
muita gente, é pois o artigo que vem publicado na
edição do jornal Semanário de Felgueiras desta sexta-feira dia 26 de junho.
Do mesmo, para eventualmente facilitar a leitura, junta-se o texto original:
A Quininha Padeira
Houve um tempo em que as estrelas parece que faziam mover o
universo dum modo suave, à maneira como toda a gente revê tempos passados,
ainda que nem sempre bem passados. Mas a apalavrar-se outras feições, nas
aparências que perduram. Movendo-se imagens que passam diante dos olhos da
rememoração.
Assim, na ligação telúrica de algo ou alguém, entre temas de
afeição, há certa apetência por juntar coisas inerentes a uma espécie de
vocação. Como quem junta lembranças dum conjunto de circunstâncias que
completam todo um vasto espaço de relação vinculativa. Quão, num relâmpago de
memórias surge ideia de lembrar justamente pessoas normais mas muito úteis à
sociedade, de outrora, como no caso desta vez a evocar.
Então, como quem ouve uma canção pela própria música (e
quando em línguas estrangeiras quantas vezes nem percebendo patavina do que diz
a letra), também se pode recordar gente que se conheceu mais pelo que ouvimos.
Como num caso duma senhora que, já em criança ainda, eu soube ser prestável a
ajudar aos nascimentos.
Ora, num dia algures pelos anos de minha infância, andando
entre coleguinhas de brincadeiras pelos caminhos das quatro barrocas da Longra
e, dali próximo, vi correr uma senhora bem conhecida, saída à pressa de sua
casa do lugar das Cortes Novas, levando embrulho de qualquer coisa debaixo do
braço. Vendo-a depois, na minha curiosidade de observador, a entrar noutra casa
dali à beira. Mas depressa aquilo se me varreu da cabeça, estando com sentido
na troca de “macacos” com colegas, para obter mais alguns cromos de jogadores
da bola para a minha caderneta, como era acotiado ao tempo. Eis senão que ouço
então um choro de bebé a vir daquele lado, ficando todos a olhar para o que
seria. Até que vimos a senhora que ali entrara a vir fora com um alguidar de
barro…
Pois isso ficou-me na curiosidade infantil e só mais tarde
percebi do que se tratara. Ficando ainda mais admirador daquela senhora. Pois
por isso mesmo, também assim, entre uma coleção mental e física de recordações,
apraz elevar mais um dos casos de pessoas que por algum motivo de apreço de vez
em quando afloram a nossas recordações.
Ora, entre tais memórias bem guardadas temos terna ideia de
pessoas populares ao longo da vida, e, por assim dizer, de utilidade pública.
Tal o caso, acima já adiantado, da referida senhora da Longra, a Quininha
Padeira, assim conhecida, ela que era artista no mister de parteira
tradicional.
Tendo já sido lembradas outras pessoas de boa memória, desta
feita é oportunidade de fazer justiça a essa pessoa, sobre a qual, calha aqui e
agora prestar-lhe uma homenagem, com umas linhas escritas das que dedico a
figuras populares de antigamente.
Joaquina Nunes, tal era a sua graça de batismo e registo
civil, natural do concelho amarantino, veio na sua juventude para terras de
Felgueiras graças a então haver na Longra trabalho de panificação, a que estava
afeita. Nascida num dia de setembro de 1906 na freguesia de Santa Maria de
Gondar, de Amarante, era padeira de profissão. Não admirando que popularmente
ficasse assim conhecida como Quina Padeira na terra que passou a ser sua. Visto
ter constituído família no rincão de seu marido, que conheceu precisamente por
via de seu trabalho. Decorrendo toda uma vida de dedicada esposa, mãe de 12
filhos a tempo inteiro, entremeando com mister gracioso de habilidosa a ajudar
mulheres a terem seus filhos, à maneira antiga, em casa de cada uma. Quer de
pessoas do povo comum como de gente rica, nesse tempo em que os nascimentos
eram naturais, nos modos de antanho. Sendo assim, como parteira de boa vontade,
que, sem nada ganhar, por suas mãos chegaram ao mundo muitas vidas, havendo
ajudado a puxar à luz inúmeras crianças da região, da própria terra como das
freguesias vizinhas e até algumas na própria sede do concelho de Felgueiras.
Coisa que ela fazia e bem de cara alegre. Como a lembro, num sorriso de
pensamento, mais.
Armando Pinto
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