quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Personagem histórico de Lousada com ligações a Rande - Felgueiras...


Do jornal O Louzadense - Uma crónica sobre um senhor de Lousada com ligações a Rande. Casado como foi com uma senhora do lugar do Outeiro de baixo, de Rande, pai da D. Glória, esposa do sr. Domingos, falecido ainda recentemente, residentes em vivenda da encosta da Leira, na rua Verdial Horácio de Moura, da vila da Longra - Rande.

Por essas afinidades e curiosidades, sendo que foi conhecido desta região Longrina, inclusive com terrenos de sua família na localidade, trancreve-se a mesma crónica de evocação biográfica: 

Joaquim Gonçalves Júlio (1913-2015)

 – A família acima da ideologia

Artigo de José Carlos Carvalheiras

Discreto mas sagaz e acutilante, Joaquim Gonçalves Júlio foi um lousadense que devotou uma grande paixão pela Vila de Lousada. Vai fazer 5 anos no dia 16 de dezembro que faleceu com a bonita idade de 102 anos. Foi “industrial de relojoaria”, como gostava de se identificar, e pautou-se sempre pelos ideais socialistas e democráticos, tendo sido por isso preso pela PVDE, durante 15 dias.

Joaquim Gonçalves Júlio nasceu em 7 de novembro de 1913, no lugar de Arcas, freguesia de Cristelos, filho de José Gonçalves Júlio (natural do lugar do Picoto, em Silvares) e de Maria da Glória (do lugar de Espindo, freguesia de Meinedo). Casou com Maria Arminda Peixoto, da freguesia de Rande, do concelho de Felgueiras. Tiveram cinco filhos: Maria da Glória, Maria Elvira, Maria Alice, José Júlio e Maria da Conceição Peixoto Gonçalves.

Viveu mais de cem anos na vila de Lousada. Estudou na escola primária de Cristelos e já adulto teve um estabelecimento comercial de relojoaria, na rua Visconde de Alentém, situado entre a Assembleia Louzadense e a Padaria Central.

No centro da vila viveu praticamente durante 102 anos, afeiçoando-se a cada artéria como se fossem caminhos seus. Cada alteração urbanística ou qualquer novidade arquitetónica tinha análise cuidada e parecer astuto e devidamente fundamentado. Tanto no Café Avenida como na Padraria central, fazia questão de partilhar com as pessoas das suas relações de amizade as opiniões sempre pertinentes acerca do desenvolvimento local e das trivialidades mundanas, a partir das notícias dos jornais, que gostava particularmente de ler de fio a pavio. Crê-se que por ler tanto sobre o mundo e dominar assuntos como a meteorologia e características da Terra, ganhou a alcunha de “Planeta”. Mesmo no ano do seu falecimento, com uma lucidez e autonomia notáveis para a idade, lia jornais e escrevia notas com clarividência nos seus cadernos de apontamentos.

Memórias do caminho-de-ferro

Foi sócio fundador de duas das mais vetustas entidades locais: a Associação Desportiva de Lousada e a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada.

Aquando do seu centésimo aniversário de nascimento tive o ensejo da sua companhia por alguns minutos numa mesa da Padaria Central, facto que acontecia amiúde. Questionado sobre qual teria sido o evento ou atividade em Lousada que mais o tinha marcado até àquela ocasião da sua vida, não demorou a responder: “foi a linha de caminho-de-ferro que ligava Penafiel à Lixa”. Esta via, que atravessava a vila de Lousada, foi inaugurada em 11 de novembro de 1912, tendo marcado a infância e juventude de Joaquim Gonçalves Júlio.

Embora fosse uma pessoa com um gosto particular pela política, nunca enveredou por posições ou funções partidárias e institucionais. Era um socialista confesso, mas nas últimas eleições autárquicas em que votou, em 2013, fez notar que, pela primeira vez, não votaria no Partido Socialista ou em candidatos de Esquerda. Tal decisão foi motivada pela candidatura da sua neta, Maria Cândida Peixoto Gonçalves Novais, pelo Partido Social Democrata, que nesse escrutínio viria a ser eleita vereadora da Câmara Municipal de Lousada.

Quinze dias preso pela PVDE

Com 23 anos, Joaquim Gonçalves Júlio foi detido pela Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), que haveria de se chamar Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE). Isso aconteceu no seguimento de uma denúncia que deu conta do ajuntamento de vários democratas lousadenses, para ouvir as notícias de uma rádio clandestina, em pleno Estado Novo, da ditadura salazarista.

O seu neto, Paulo José Gonçalves, refere a propósito desse episódio que “o meu avô juntava-se com Antero Moreira, Manuel Pinto de Sousa, fundador do jornal O Heraldo, e outros, para ouvir clandestinamente as notícias sobre a guerra civil de Espanha entre 1936 e 1938”.

Ao saber disso por terceiros, a polícia repressiva do Estado irrompeu pela relojoaria dentro numa manhã de 1936, exigindo que Joaquim Júlio os acompanhasse ao Porto para interrogatório. Uma vez chegado à sede da PVDE, no Porto, deparou-se com os referidos camaradas, também eles denunciados e detidos. Os interrogatórios prolongaram-se por quinze dias. A detenção terminou depois de influentes amigos do pai de Joaquim Gonçalves Júlio intercederem junto da PVDE (em cuja fundação esteve o magistrado lousadense Rodrigo Vieira de Castro).

Apreço pela evolução de Lousada

Sobre a “sua” Lousada escreveu numas memórias pessoais de 2006, elaboradas pelo pelouro do Património Cultural da Câmara de Lousada, então tutelado pela vereadora Prof.ª Lígia Maria de Andrade Alves Ribeiro:  “durante muitas décadas (Lousada) foi uma das terras menos desenvolvidas desta região distrital, mas pela sua situação geográfica e por ser muito hospitaleira e dona de belezas e encantos, atraía muita gente de passagem ou em visita”.

Sobre as principais ideias que defendia para a sociedade destacava o “desenvolvimento social, por via do acesso de todos ao ensino e à saúde, para que todos usufruam da melhor qualidade de vida possível”.

Aquele documento, de recolha de memórias a pessoas antigas de Lousada, e preenchido aos 93 anos de idade pelo próprio Joaquim Gonçalves Júlio, terminava com uma dedicatória devidamente assinada: “quem, como eu, conheceu Lousada noutros tempos e tem a felicidade de a ver agora, fica admirado com o grande desenvolvimento que se vem verificando. Tudo isto se deve à ação do seu timoneiro e respetivos colaboradores, que tanto se empenham em prol do progresso desta linda terra do meu coração. Aqui lhes deixo, com satisfação o meu forte elogio pela obra feita e desejo-lhes continuidade e empenho, a bem de Lousada”.

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A. P.


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