Aqui vai e fica mais um outro texto, da regular continuidade colaboracionista no jornal Semanário de Felgueiras. Desta vez com uma crónica de evocação sobre a figura do “Sabuzinho do Felgueiras”, como era conhecido o mais célebre jogador de futebol que passou pelas fileiras do histórico Futebol Clube de Felgueiras. Em género de conto, ao sabor de memória personalizada, de quanto recorda o autor destas linhas, quando criança de escola, pois que o Sabú foi herói da primeira subida de divisão do F. C. Felgueiras, em apreço, ocorrida no ano do nosso exame da 4ª classe da Primária…
Disso, que agora apraz reviver pela escrita, eis aí o que lavramos no artigo. Do qual aqui fica recorte da respetiva coluna incluída na página 12 da edição impressa do SF desta sexta-feira, dia 23 de Novembro.
(Clicar sobre este recorte digitalizado, para ampliar e ler)
Do mesmo, para mais fácil leitura, como tem sido norma, colocamos o texto revertido conforme o original datilografado:
O pequeno-grande Sabú
Felgueiras, coração de nosso concelho, enquanto sede do território felgueirense, faz parte de nossa ideia como sabor de pão de ló, das roscas a que até rapávamos o papel (para não perder nada de suas crostas adocicadas), tal como cheiro de pendões das glicínias da pérgula do jardim (sob cuja aromática sombra comíamos frugal merendeiro, em dias de idas à casa da senhora professora), mesmo pendente imagem de vasos com flores às janelas, nas ruas de passagem do cortejo das flores que incorporávamos, pelo feriado do S. Pedro, inda menino e moço… Entre recordações aos molhos, de nossos tempos de criança. Tornou-se, pois, como mulher memorável que nos dava a mão, enquanto visitante esporádico à vila, quando pequeno acompanhante seguia, agarrado a minha mãe, em manhãs de feiras e nas madrugadoras idas na “peregrinação à Santa”, monte acima, até Santa Quitéria… E tanto mais que ficou na memória para sempre, entranhado na associação a esse remanso que era a vila de Felgueiras, naquele tempo, onde íamos, entusiasmados, como se para excursão fôssemos.
Enquanto isso, houve um tempo em que as caminhadas até Felgueiras, “à bila”, foram mais acotiadas, acontecendo em sucessivos dias que demandamos a casa de nossa professora, nas tardes primaveris (pois nossas aulas eram só de manhã), para horas extras de estudos, visando a proximidade dos exames finais do ensino primário. Então, estrada acima, seguíamos uns quantos rapazinhos, alunos da escola da Longra, levando a tiracolo nossa sacola, de ganga mole e gasta como era a saca da escola, entre cujos livros, cadernos e lousa ia uma mais pequena saca com alguma coisa para comer. As mais das vezes, no que toca ao autor destas linhas, um merendeiro bem cheiroso, composto por bolinhos de bacalhau, embora quase só de massa de batatas, porém com apetitoso cheiro do pouco bacalhau que coubera no meio.
Por esses tempos Felgueiras vivia intensamente a carreira da equipa de futebol, então em ascendente caminhada para a primeira subida de divisão, corriam tempos românticos do meio da década dos anos sessentas. Das barracas de matrecos da Feira de Maio, então alargando colorido e entusiasmo pelo campo da feira e ruas circundantes, ecoava pelos ares a cantiga enternecedora dos Amores de Estudante, numas estrofes que, apesar de nem tudo entendermos bem, nos enchiam o peito de quimeras saltitantes, a deixar perfume até então desconhecido. Entremeando com estridentes pregões de remédios que matavam toda a bicharada, como pregavam sermão, do alto de seu palanque improvisado, certos vendedores de mezinhas e poses. Tal qual alguns pedintes, feitos tocadores, davam ao fole a cantar versos de romances infelizes e façanhas heroicas, para venda de desdobráveis cartazes com tais modas impressas. Havendo desses grandes papeis, tipo cartazes dobrados, já com letra a glorificar a ascensão do Felgueiras, na subida de divisão do clube de futebol representativo de Felgueiras. Aí o herói maior era o pequeno Sabu, o avançado que tão bem jogava com a camisola do Felgueiras colada ao corpo, tornado ídolo de tanta gente e também do infante mas fiel adepto que já eramos. Gravada que nos ficou nos olhos e sentidos a memória dos jogadores que víamos evoluir de camisola grená e calção azul: o Sabú, Zé Manel Estebainha, Pimenta, Zé Maria, Pacheco careca, César Roda, Monteiro, Cardoso, Mendes, Mário, Mamede… quais figurantes que cotejávamos aos que nos apareciam nos livros de história e da leitura, mas mais interessantes, era bom de ver. Qual Vasco da Gama, qual quê - que no livro de lição metia confusão com o Adamastor?! No Porto, a nível maior, admirávamos o Américo a defender à grande e o Pinto a meter golos de cabeça, como se ouvia nos relatos radiofónicos quando clamavam: Alô Antas! Mas em Felgueiras, em campo de terra que nos parecia grandioso, Sabú era nome épico, cujas proezas, como nos ficava na retina, eram aplaudidas vitoriosamente. Muito mais, até, perante um D. Afonso Henriques, forte com sua pesada espada, como nos entrava na cabeça à prova do estudo, por mais mouros que tivesse expulsado dos lados de cá. - O Sabú é que era!
Armando Pinto