Há marcas do passado que nos
estão sempre presentes. Como, entre algumas das vezes em que tal sucede, se nos
deparou por estes dias, ao saber do desaparecimento duma pessoa que conhecemos
desde criança, na Longra; e, com quem, mais tarde, até chegamos a partilhar o
local de trabalho, no Centro de Saúde da Longra – ela sempre como
enfermeira-parteira e aqui o autor já como funcionário administrativo, na
secretaria do Posto Médico originário da Casa do Povo da Longra.
Sobre ela, a D. Maria, a
propósito da notícia do seu falecimento, há uma semana, fizemos um artigo para
publicação no jornal felgueirense em que colaboramos, de modo a dedicar-lhe uma
mensagem de apreço e admiração, como sentimos, na verdade.
Então, desse artigo, publicado na
edição desta sexta-feira, dia 14, colocamos aqui o extrato do mesmo, através de
recorte digitalizado da publicação in Semanário de Felgueiras:
(CLICAR sobre o recorte, para
ampliar)
Para possibilidade de melhor
acesso à leitura, seguidamente colocamos o texto original:
Uma senhora cegonha... In
memoriam de D. Maria Parteira (1920-2014)
Estava
alinhavado já um artigo, dos que aqui vamos colocando a dar espaço evocativo
sobre motivos da identidade local e memória coletiva, quando recebemos notícia
do falecimento duma pessoa ainda lembrada do ambiente felgueirense de outras
eras - uma senhora que em tempos idos ajudou a trazer ao mundo muitas vidas
felgueirenses, enquanto os nascimentos eram em casa das jovens mães. Logo
mentalmente voltamos atenções para fazer memória dessa antiga figura pública da
sociedade de épocas remotas. Tal o que sempre recordamos da muito conhecida
"D. Maria Parteira", como era normalmente reconhecida essa senhora
enfermeira-parteira que, oriunda da parte norte da Beira Litoral, veio muito
jovem para Felgueiras e por estas bandas se arreigou e fixou residência, durante
muitos anos, até sua aposentação. Merecendo, por fim, como ficou, ser
referenciada no livro da história da região, estando seu nome também, ao correr
da narrativa historiadora, nas páginas do nosso "Memorial Histórico de
Rande e Alfozes de Felgueiras".
Foi casada com o sr.
Luís Lopes Martins Teixeira, que trabalhou, também durante muitos anos, na
Ferfor da Serrinha; e teve quatro filhos: José Carlos, Maria Emília, Alexandre
Luís e Delfim Manuel, legando apego telúrico a todos, como mulher especial na sua
geração e uma pessoa fortemente marcante.
"A sua memória
ficará nos nossos corações" - foi com este epitáfio que a família se
despediu de sua Matriarca, natural de Souto, Vila da Feira, onde nasceu a 5 de
Abril de 1920. Com efeito, D. Maria Martins de Andrade, como era o nome
completo dessa senhora sempre estimada por todos que a conheceram, faleceu na
passada sexta-feira, dia 7 deste Fevereiro tristonho, com quase 94 anos, na sua
casa em Miramar, junto ao mar da costa territorial de Gaia, para onde se remetera em merecido descanso
da labuta, depois que terminou sua carreira profissional. Havendo sido
enfermeira-parteira com ação relevante em grande parte do território
felgueirense, onde prestou assistência a beneficiárias de diversas áreas do
concelho, quando era ainda novidade o mister de auxílio nos partos segundo normas clínicas. Chegada que foi a esta zona do
interior nortenho em temporada ainda de cuidados prestados por senhoras
habilidosas, de mezinhas caseiras e modos tradicionais.
Demandara então Felgueiras
nos alvores dos marcantes anos 60, vinculada à Casa do Povo da Longra, e
entremeando serviço público também como professora regente na escola primária
da Longra; e, mais tarde, ainda pertenceu aos quadros do Posto Médico da mesma
Casa do Povo e sucessor Centro de Saúde da Longra, até aos anos 80, num longo
percurso laboral e ligação local. Viveu sucessivamente em Cimalhas na Longra,
depois na Casa de Minhoure em Varziela e posteriormente na sua casa da Sé, no
Unhão. Tendo, de permeio, integrado algumas atividades extensivas, como foi o
caso de ter andado no Grupo Cénico da Casa do Povo da Longra, representando
papéis como atriz no palco de teatro da mesma instituição longrina. Tornando-se
parte integrante do modus vivendi da mesma zona em que tão bem se soube
inserir, apreciadora do bucolismo regional e particularidades dos sítios que se lhe passaram a ser
familiares. Conforme ditava sua convivência, senhora que era de fina
sensibilidade e vasta cultura, a pontos de saber apreciar nas famílias amigas e
conhecidas, bem como nas casas das parturientes surgidas, quer qualquer
particularidade, como por exemplo a reza diária do terço, assim como as
preocupações com os ente queridos que em massa seguiam para a guerra no
ultramar, mais doenças e outras maleitas da prole, tal qual usos e costumes que
poderiam ter seu interesse, bem como se inteirava de tudo o que a rodeava no
meio ambiente. Percorrendo toda a região no seu Citroen, um típico salta-pocinhas
coevo ao tempo. Sem andar no mundo por ver os outros, mas vincando sua
chancela, ao jeito de querer seguir e acompanhar tudo o que viu nascer e
desenvolver-se. Acabando por representar, para as gerações que sempre a
conheceram, como que uma idealização perdurável, qual, figurativamente, uma boa
senhora cegonha, à imagem do que as crianças seguiam nos livros de historinhas infantis... levando no bico grandes
sonhos e sensações de tempos imemoriais, dum mundo a perdurar ternamente nos
arcanos da memória.
Armando Pinto