Transposta a fase de “maior aperta” das vindimas, como se diz aqui pela nossa área, ao chegar
a faina das desfolhadas pode também, por analogia figurativa, desfolhar-se algumas
folhas de História coletiva.
É que é nesta época que efetivamente, em pleno Outubro,
entrado já o Outono no dia-a-dia, ocorre o aniversário da outorga do Foral
Manuelino a Felgueiras, carta régia concedida por D. Manuel I a 15 de Outubro
de 1514. Uma significativa numeração na simbologia local, apesar de essa
vetusta alforria não abarcar ao tempo toda a região que, séculos mais tarde, se
irmanou em concelho.
Assim sendo, faz este ano 500 anos desde a outorga do foral
manuelino a Felgueiras. E quinhentos anos não é uma conta qualquer, mas sim uma
soma significativa de longa existência e prolongada memória. Uma efeméride que
vai ser assinalada através de algumas iniciativas oficiais, de modo a celebrar
condignamente tão importante data para o ego Felgariano.
Desde os primórdios da História Portuguesa, após as
conquistas de terras, que o poder real concedia cartas de foral a estabelecer
direitos e deveres dos habitantes dessas terras, englobando condições nas
concessões de propriedades, para atrair moradores e servidores em vista ao
desenvolvimento local e, mais tarde, para definir posições bem como obrigações
dos proprietários dos prédios reguengos.
Na tradição, segundo alguns textos escritos, parece ter
havido possibilidade de antigas concessões a Felgueiras de cartas régias, porém
sem fundo documental comprovativo desses factos. Certezas há quanto ao foral
quinhentista, concedido pelo monarca venturoso dos Descobrimentos.
Os forais novos, como o de Felgueiras, eram cartas régias
que passaram a ser documentos de reconhecimento de usos antigos de uma
circunscrição, confirmando anteriores ordenações, ancestrais costumes bons,
direitos e liberdades, incluindo os bens pagos aos senhores das terras, que de
orais ficavam lavrados por escrito. Forais que eram assim atribuídos a
oficializar categoria jurisdicional e a ordenar de vez segundo a lei do tempo,
legitimando as formas de organização social dessa era.
No caso, reportava-se a concessão do rei venturoso, naquela
época medieval, apenas a 21 freguesias englobadas no concelho com nome de
Felgueiras, cujo tombo portanto não continha ainda as freguesias a sul de
Margaride, ou seja as terras do Julgado do Unhão - as quais aliás foram também
atombadas de seguida, volvidos cinco meses na régia reforma então empreendida.
Sendo o território do Julgado do Unhão igualmente ainda dotado com
reconhecimento através de foral, que determinou nova categoria administrativa
local, por meio evolutivo da passagem do aludido Julgado ao coevo concelho do
Unhão, criado pela Carta de Foral de 20 de Março de 1515 (que teve primeiro
estudo no “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, como vem
transcrito aliás no referido volume).
Ora, verificadas ao longo dos tempos diversas transformações
administrativas nas áreas dos antigos concelhos de Felgueiras e Unhão, mais dos
longínquos Alfozes dos Coutos de Pombeiro e Caramos, um Couto do lugar de
Brolhães, que daria depois vez à freguesia de Aião, além do muito posterior e
fugaz concelho de Barrosas, como depois todas essas partes foram reunidas em
torno de um só concelho, composto nesse tempo de trinta e três freguesias, é de
significado amplo a atribuição de 15 de Outubro à terra que se tornou sede de
toda a zona, de confirmação de direitos e deveres antigos.
É esta a data principal das comemorações presentemente em curso, sob a égide da edilidade felgueirense, ao longo de alguns dias e semanas em que decorre o programa festivo - conforme anuncia o cartaz aqui também difundido.
A data em apreço chegou, inclusive, noutros tempos, a ser considerada de
modo particular nalguns casos da vida concelhia. Porém, depois da implantação
da República, quando foram definitivamente oficializados os feriados de cada
concelho, e em vista de quando o concelho de Felgueiras ficou completo, em
1855, havia já acrescento de mais freguesias, foi então o Feriado Municipal atribuído
ao dia da festa mais importante da região, entre alguns reajustamentos
ocorridos. Porque, a partir de determinada altura, verificando-se que as
populações não se reviam totalmente na data do foral felgueirense, pela dispersão antiga das diversas divisões
administrativas, como se aflorou, foi assim decidido que passasse a ser o dia de S. Pedro,
a 29 de Junho, derivado a ser o da festa mais antiga realizada na área. Evento
que ainda é, no mesmo sentido, referência comum às históricas trinta e duas
freguesias da anterior unidade concelhia - depois que em 1998 Felgueiras perdeu
a freguesia de Santo Adrião de Vizela para a criação do concelho de Vizela,
mantendo contudo as de S. Jorge de Vizela e Santa Comba de Regilde, que
inicialmente estiveram no mesmo pacote. E antes da asneirada que foi a reforma
administrativa, a que ficarão ligados responsáveis que a história acabará por
não esquecer, nos julgamentos da memória.
Volteando na representatividade dos forais, e extensivamente
até regulamentações posteriores definitivas, pode considerar-se que também os
tempos que correm clamam definições. Transpondo assim as disposições de antanho
para o presente, há que tirar o pó ao funesto
decreto que estabeleceu a incompreensível divisão atual, e reponha os direitos históricos do concelho
completo e diplomas legais que delimitaram a comunidade Felgueirense nas suas
parcelas. Em pleno terceiro milénio de contagem humana da era cristã e no perfazer
da soma de meio século do Foral, quais inquirições às tradições locais...
ARMANDO PINTO