O Senhor Luís - e o
Museu - da Póvoa
(Histórias enroladas a deslizar pela
Póvoa de Varzim)
por ARMANDO PINTO
2018
O Senhor Luís - e o Museu - da Póvoa
(Histórias enroladas a deslizar pela
Póvoa de Varzim)
Apresentação
Apresentação
Escrito em 2014, este feixe de ideias foi idealizado
como homenagem amiga ao senhor Luís Tomás Pinto, homem que há uns bons anos
ajudou a que o livro Memorial Histórico, do autor destas linhas, tivesse tido
apogeu ante as dificuldades deparadas naqueles longos tempos de princípios da
década dos anos 90, por sempre ter puxado pela vontade diante das
contrariedades. Havendo, este trabalho, inicialmente sido pensado para poder
ser concretizado através de algo institucional da Póvoa. Coisa que não foi
possível materializar. Tendo entretanto ficado em espera de oportunidade, por
qualquer outra via, que afinal não chegou a ter vez, em livro... ainda.
Preâmbulo
Correndo de modo transparente como límpida água borbulhante,
sobre lavado leito a tornar visível o arenoso solo de amaciadas pedrinhas e
seixos lapidados, na corrente dum riozito, cursam e afluem lembranças, mais
derivadas impressões… Assim, qual caudal vindo de terra para a costa, aumentando
de volume e cuja espuma branca e leve desagua no mar salgado, enquanto na maré
vaza se espraia e ressalta, até por fim ficar em pocinhas de pequenas rochas, a
deixar ver bem beijinhos alojados na areia e peixinhos a boiar... percorre
aqui, em nós, de modo corredio o pensamento argumentista sobre motivo que
ressoa e salpica na ideia. Acerca do qual nos lembrou escrever, descrevendo o
que surge na veia de arroio dessa limpidez merecedora de apreço. Como que a
chapinhar na areia, em momentos de repouso mental, e deambulando entre as rochas
das pequenas lagoas ora relembradas, cobertas de algas e variadas espécies
marinhas, matutamos numa absorção interior de afetos.
Eis que surge, assim, diante de nós uma profusão de
lembranças, a calhar serem contadas. Porém, por tudo o que nos lembra se
misturar e não nos parecer advir raciocínio divisório, tomamos tudo por junto,
apenas com compartimentos evidentes conforme o decurso da narração. Como quem
conta várias histórias numa história, ao género de contos diversos numa só
fábula, quão colocando pontos e vírgulas em parágrafos alongados, através de
narrativa efabulada. Arriba – sobre um personagem com seu quê peculiarmente
distintivo, quanto ao que nos motiva transmitir, para distinguir e fazer
perdurar.
Eia… então, com apenas alguns grupos de ideias separadas,
flui um conjunto formal de linha evolutiva, como que contando contos ao serão,
no crepitar do lume da lareira e a deixar correr lembranças no torpor do
borralho, à luz da candeia do tempo.
Invocação
Era uma vez… e mais - desde tempos idílicos, transpostos no
remanso da memória.
Antigamente na minha terra, uma linda povoação – pelo menos
para mim – no interior nortenho, dizia-se ir à praia quando se ia à Póvoa. Ou
seja no horizonte regional falar-se em praia, normalmente, associava-se à Póvoa
de Varzim. Aonde iam as excursões de camionetas de passageiros, indo além das
vistas de campos e matas com verde por todos os lados da natureza, até
horizontes de areia clara e imensidão azul do mar, para se cheirar o aroma do
iodo e aragem salgada que se respirava no ar, mais ainda para o povo molhar os
pés na ondulação a correr pela areia fina, enquanto calhava bem comer um bom
merendeiro a compensar o fastio de outros dias. À guisa de como era que os
remediados e pobres da populaça, como quem diz gente normal dos anos sessentas
do passado século XX, iam conhecendo um pouco de Portugal além de seu canto,
sobretudo na popular volta ao Minho.
Ah, e vinha à ideia uma cantiga entoada durante os percursos
excursionistas, enquanto se via pela janela da camioneta a paisagem a ficar
para trás:
“O mar enrola na areia
ninguém sabe o que ele diz
bate na areia e desmaia
porque se sente feliz!
O mar também é casado, ai
o mar também tem filhinhos
é casado com a’areia, ai
e seus filhos são os peixinhos…”
Narração
Ah, a Póvoa…!
Enquanto isso, o pensamento voava a lendas e narrativas relacionadas, porque estava bem presente a
imagem do Cego do Maio que vinha no pequeno livro de leitura escolar. Sim, numa
página daquele livrinho que dava para exercitar a leitura e tirar cópias, bem
como de seu texto eram feitos ditados a ver se dávamos erros ortográficos (não
o livro clássico com crianças fardadas à mocidade portuguesa da época, cujos
exemplares entretanto tiveram reedições revivalistas; mas um mais raro, tipo
“selecta literária”, que deve ter tido tiragem restrita pois nunca mais vimos
rasto desse volume impresso – já que o do autor se perdeu na voragem dos
tempos, depois de concluída a escola primária e na continuidade de serviço,
derivado a empréstimo que não teve retorno). Havendo numa página, do mesmo, um
texto sobre esse quase lendário Cego do Maio, ilustrado com desenho do cume de
seu monumento (como vimos depois,
quando, mais tarde e pela primeira vez, deitamos olhos até ao cimo daquela alta
coluna, de onde a figura esquálida do heroico salvador procura divisar algo
além). Isso, assim, numa narrativa povoada de mistério atrativo, como era
contada e retemos bem, com realce para a justeza do tal busto com que foi
homenageado esse destemido pescador poveiro José Rodrigues Maio, que em tempos idos venceu as fragas do mar e
as ondas do tempo. Até parecia que sentíamos o corpo enregelado, ao lermos que
ele, o Cego do Maio, saltava da cama, noite fora, e se metia à água, desafiando
a tempestade com a sua catraia, pequena lancha poveira, para acudir a náufragos
que se faziam ouvir ao pedir socorro… enquanto aqui a quem recorda isto, quando
catraio de idade escolar, tanto custava sair da cama pelas manhãs frias e
enevoadas, ao ter de despertar para ir à escola…
O Cego do Maio
(José Rodrigues Maio, mais conhecido popularmente por Tio Maio) foi um herói poveiro, merecedor de ter em lugar público
uma estátua grandiosa. De quem se
contam façanhas, como farol de vigia humano, por assim dizer, sempre atento ao
que se passava na orla da praia a beijar sua terra natal. Sendo ele natural da
zona marítima poveira, onde então se distinguiu no socorro a quem andava sobre
as águas do mar e, como tal, se aproximava dos rochedos dessa zona, em que não
havia ainda porto de abrigo, sequer. Nascido em 8 de Outubro de 1817 e falecido
em 13 de Novembro de 1884, foi pescador e salva-vidas, e é porventura figura
altaneira representativa do imaginário derivado da atraente Póvoa. Com ponto
alto em sua vida no facto de ter sido honrado por seu altruísmo com diversas
distinções, nomeadamente com a mais alta
condecoração do reino, a Torre e Espada, no tocante a heroísmo; além de ter
recebido a Medalha de Ouro da Real
Sociedade Humanitária do Porto. «Salvar os náufragos era a sua “cegueira”.
Uma aventura que mais nenhum da sua classe se atrevia já que o “mar cão” era
prenúncio de morte certa» (como descreveu o escritor José Azevedo).
«DOM LUÍS, por Graça de Deus, Rei de
Portugal e dos Algarves, etc.: Tomando em consideração os relevantíssimos e
repetidos actos de coragem e de devoção cívica que José Rodrigues Maio, da
Póvoa de Varzim, tem praticado, arriscando a vida no salvamento de muitos
indivíduos que teriam perecido se não fossem os esforços e verdadeira abnegação
de tão benemérito cidadão; e querendo, por estes respeitos, dar-lhe um público
testemunho da Minha Real Munificência: Hei por bem fazer-lhe mercê de o nomear
Cavaleiro da Antiga e muito Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e
Mérito» (conforme descreveu Santos Graça). Tendo então, após esta
alocução, o rei D. Luís I condecorado «em sessão solene no Palácio de Cristal,
no Porto, o cidadão poveiro José Rodrigues Maio a 15 de Dezembro de 1881, por atos
de heroísmo no mar.»
O conhecido monumento erigido
em sua honra, colocado no chamado Passeio Alegre, na Póvoa, foi mandado
construir no início do século XX por emigrados poveiros no Brasil, para assim
ser perpetuado esse destemido pescador que tantas vidas salvou e, depois ainda,
foi mestre arrais do primeiro salva-vidas da Póvoa de Varzim (e, por fim, teve
seu nome atribuído, mais tarde, ao barco salva-vidas que, sob comando heroico
de Patrão Lagoa, esteve na epopeia do socorro aos que foram salvos do
afundamento do Veronese).
Pois a Póvoa era então a terra
dos beijinhos, as conchinhas e pequenos búzios do mar que os veraneantes
apreciavam e serviam para decorações e brincadeiras, que encontramos na areia,
logo das primeiras vezes que o autor destas linhas sentou corpo e alma no areal
e se distraiu, porque não queria nada com aquela água alterosa, muito linda de
ver, mas mais engraçada um pouco ao longe. Beijinhos como os que, segundo a
lenda, o Cego do Maio, em sua simplicidade, ofereceu ao rei, para os filhos
príncipes brincarem, retribuindo a comenda com que fora agraciado… quando,
ainda no tempo da monarquia em Portugal, foi reconhecido com a Ordem Militar da
Torre e Espada, do Valor Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração da grei,
sendo-lhe colocado o Colar de Cavaleiro de S. Tiago da Torre e Espada; e então,
o “Tio Maio”, como era conhecido (e de maneira mais simples e sincopada por
“Ti”, atendendo ao tratamento familiar e popular com que as pessoas se tratavam
naquela ainda vila piscatória), quando D.
Luís I o condecorou, ele, conforme se conta, agradeceu tal distinção com um
punhado de conchinhas, enquanto foi dizendo: “Tome lá ó Ti’ Rei, uns beijinhos
para as suas crianças brincarem”! Simples e verdadeiro, como era.
Tal qual continuava imponente, tanto tempo depois, a sua
figura, em granítico pedestal encimado por busto ilustrativo da fisionomia do
heroico personagem, de rede enlaçada à cintura e com a palma da mão a fazer
pala sobre os olhos, naquela esbelta estátua sobranceira ao terreiro que servia
de estacionamento, em que as camionetas ficavam, num espaço então muito lindo e
ajardinado, conforme me lembro, em torno do conjunto monumental do referido
Cego do Maio – sem desfazer da evolução modernizada atual. Sendo evidente um
certo respeito quando graúdos e miúdos olhavam a estátua e ali eram tirados
retratos, à “la minuta” nos retratistas arreados com caixotas apropriadas,
montadas de tripés na praça pública; ou, quando havia alguém com máquina
própria, se faziam fotos de ocasião, a preto e branco naturalmente, para mais
tarde recordar.
Nessas “excursões à Póvoa”, a ida à Póvoa de Varzim
normalmente era antecedida de passagem por Balasar,
freguesia do mesmo concelho, aconchegada nas cercanias poveiras - a terra da Santa Alexandrina (conforme já então
era popularmente chamada, em sinal de reconhecimento verdadeiro, visto só
muitos anos depois assim ter sido considerada oficialmente). Estava a serva de
Deus Alexandrina Maria da Costa ainda sepultada no cemitério paroquial dessa
freguesia (pois ainda passaram muitos anos até seus restos mortais terem repousado
no interior da igreja local) e a sua casa era sítio de romagem, também, assim
como a capela da Santa Cruz, num ambiente de muitos forasteiros visitantes,
entre panorama de autocarros a entrarem e saírem do frondoso adro. Fazendo
parte do cenário, aos visitantes excursionistas, como o autor, a novidade de se
ver muitas mulheres a andarem de bicicleta, nas suas deslocações normais, coisa
que não era usual pelas nossas bandas, na visão de quem via e fixava na retina
essas cenas, de aprendizagem turística, à nossa escala. Depois era a chegada à
Póvoa, com todo um manancial de curiosidades.
Assim pois, a Póvoa
dos banhos, aos meus olhos de menino,
quando pelas primeiras vezes fui até essa terra de passeios encantados, era um
sítio de referências tais, que idealizava segundo aparências e sensações
momentâneas. Envolta em neblina que costumava aparecer nas manhãs desses dias
de ida e volta. Algo que com o tempo foi desanuviando, como sol que se ia
abrindo, na passagem do tempo, embora sempre mais relacionado com período de
praia, além de visitas noutras épocas menos apetecíveis pelas características
nortadas ventosas.
Anos volvidos, em plena evolução
do entendimento da vida, e em tempos que os passeios à Póvoa já eram a
acompanhar a namorada, também (havendo ainda o lago do chafariz no jardim vizinho à estátua do Cego do Maio… e as fotos de
ocasião já começavam a ser a cores, ainda que algo desbotadas!), então até
associávamos a génese poveira com erudições. E na leitura de clássicos da
literatura deparam-se os sentidos com um enternecedor soneto de António Nobre no seu livro sentimental
“Só”, em poema deveras épico
dedicado aos pescadores e intitulado
Poveiro
« Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na água quisera com vocês morar:
Trazer o lindo gorro de três cores,
Mestre da lancha deixem-nos passar!
Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De há tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andais no mar!
Ó meu Pai, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail’ Irmão do “Senhor de Matosinhos”!
No alto mar, às trovoadas, entre gritos,
Prometermos, “si o barco fôri intieiro”,
Nossa ”bela” à “Sinhora” dos Aflitos! »
Relacionado com estas estrofes algo emblemáticas (inclusive
com amostras do falar arcaico da região e o tradicional bê nortenho-galaico
pelos vês, no acender de vela por promessa, como costume nas aflições), soando isso
melodiosa e ternamente aos ouvidos telúricos, e porque pela boca se chega ao
coração, houve associação extensiva à criação e denominação dos pequenos doces “Poveirinhos”. Tal é uma especialidade
doceira com esse nome, ao género de embaixador gastronómico, folhado com o
formato de “nata” (tipo de pequeno pastel redondo), recheado com ovos moles e
coberto com uma camada branca de açúcar. Embora na doçaria típica, localmente, os doces da Póvoa de Varzim mais
caraterísticos sejam os Barquinhos (massa de hóstia em formato de barco com
ovos moles dentro, coberto com chocolate e com o tradicional verso, colocado numa
pequena bandeira de papel) e as Sardinhas Poveiras (doce folhado, em forma alongadamente
esguia, tipo sardinha, com recheio de chila). Acrescentando-se estas
indicações, também, porque o doce nunca amargou…
Claro que os doces são a parte mais açucarada, mas a gastronomia poveira naturalmente é antecedida pelos pratos de peixe, com o mar ali a beijar a enseada costeira. Tanto que existe como garante dessas tradições gastronónmicas uma Confraria dos Sabores Poveiros.
Claro que os doces são a parte mais açucarada, mas a gastronomia poveira naturalmente é antecedida pelos pratos de peixe, com o mar ali a beijar a enseada costeira. Tanto que existe como garante dessas tradições gastronónmicas uma Confraria dos Sabores Poveiros.
Ora António Nobre aprendeu a admirar a classe arrojada dos
Poveiros, pois viveu na Póvoa algum tempo da sua infância e aí mais tarde
também passava temporadas de veraneio.
Derivado disso, Nobre explanou com maior profusão depois, na
amplitude que pretendeu dar à alma portuguesa, uma vista mais alargada sobre
essa sua visão poveira – em poema também incluído no livro “Só” e numa passagem
escrita longe de Portugal, em Paris, relembrando então o poeta, para um amigo, cenas da pesca na Póvoa de Varzim:
Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!
Oh, as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera da maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-a a toda a força,
Clamam todos à uma “Agôra! agôra! agôra!”
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar.
Dá-lhes o vento e todas, à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:
Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
(…)»
Acresce que a Póvoa, como terra abençoada pelos dotes banhistas, sobretudo, criando em torno
dessa estaleca da enseada marítima toda uma atmosfera cosmopolita, fascinava gente de respeito, por assim
dizer, com especial enfoque à classe culta, com seu ambiente evoluído, em compita à vulgaridade, nesse tempo. Tanto que
era local de convivência entre
escritores, por exemplo. Camilo
Castelo Branco deslocou-se regularmente à Póvoa de Varzim, vizinha de
Seide, onde residia, e de Vila do Conde, onde passou temporadas, segundo se
sabe «perdendo-se no jogo e escrevendo parte da sua obra no antigo Hotel
Luso-Brazileiro, junto do Largo do Café Chinês» (e em frente ao Universal). Embrenhado
naquele ambiente de lazer, em que «as elites poderiam ouvir música, ver
espectáculos de "flamenco" e "can-can" por bailarinas
espanholas, tertúlias e jogar roleta e monte. Nestes cafés-concerto, havia
representações teatrais, concertos, bailados e declamações. Os empresários, em
concorrência, traziam à Póvoa o que de melhor havia nas artes cénicas, sendo
por isso roteiro preferencial de artistas nacionais e internacionais,
especialmente espanhóis. Era neste contexto que Camilo Castelo Branco vinha
regularmente à Póvoa…». Mas não só ele, pois Camilo então ali «reunia-se com
personalidades de notoriedade intelectual e social, como o pai de Eça de
Queirós, José Maria de Almeida Teixeira
de Queirós, magistrado e Par do Reino, o poeta e dramaturgo poveiro Francisco Gomes de Amorim, entre
outros. Sempre que vinha à Póvoa, convivia regularmente com o Visconde de Azevedo no Solar dos
Carneiros.» E em «…1877, Camilo viu morrer na Póvoa de Varzim, aos 19 anos, o
seu filho predileto, Manuel Plácido Pinheiro Alves, do segundo casamento com
Ana Plácido, que foi sepultado no cemitério do Largo das Dores.»
No decurso do tempo, fora historiadores locais, outros
ilustres letrados de proveniências diversas dedicaram atenções à Póvoa, entre
escritores do panorama literário nacional. Por exemplo, Ramalho Ortigão, em 1876 escreveu sobre as mais conhecidas praias
portuguesas, em livro chamado "As Praias de Portugal - Guia do banhista e
do viajante", em cuja obra retratava essas praias, em meados do século
XIX, e o hábito de "ir a banhos", com um conjunto de recomendações
aos banhistas. Incluindo a Póvoa no número das melhores, já nesse tempo, segundo
lista dos preferidos locais de banho; dos quais salientava aquele autor
portuense dez praias, entre as quais a da Póvoa de Varzim. Seguidamente pode
destacar-se, relativamente a época posterior, a descrição de Raúl Brandão em seu livro ”Os Pescadores”, onde ficou impresso um
curioso relato da vida poveira do início da década dos anos vinte, do século XX
(sendo que tal livro teve inicial publicação em 1921).
Estas e outras realidades conhecidas, que íamos
amealhando no bornal da atração, aguçavam os olhares do conhecimento, é bom de
ver.
Assim, a substância poveirinha refletia-se sempre no
horizonte, espalhada, quão sua maresia espirra a deter atenções. Não admirando
estas e outras passagens em que nos sentimos atraídos por tal espírito, então apenas
como meros espetadores, ao género de visitantes a quem o sítio e correspondente
ambiente era já conhecido, embora de passagem.
Nesses comenos se foram interiorizando conceitos, resultando
em histórias que há pelo reencontro surgido com acontecimentos ligados a um
passado, ao qual há acesso pelo tempo mediado, a um período feito de memória.
Até que, mais tarde, outros valores se alevantaram. E passei
a ver a Póvoa com outro olhar.
Ação – Enredo e Personagem
Aconteceu que, volvidos anos, foi tornar-se residente
conterrâneo, aqui do autor, um senhor da Póvoa, marido duma senhora natural da
terra do autor destas notas. O qual, apesar da diferença de idades, depressa se
tornou nosso amigo, com forte influência numa identificação ao garbo poveiro
resultante de seu entusiasmo bairrista, como sucedeu através de longas
conversas em que ia transmitindo coisas e loisas do que sentia e sabia, esse
senhor, como tal conhecido entre nós, na nossa e também terra de sua esposa,
como o “senhor Luís da Póvoa” – tal
o tratamento familiar com que popularmente ficou o sr. Luís Tomás Pinto,
conforme é a graça do amigo senhor Luís
Tomás, como é mais acotiado nos meios da Póvoa de Varzim.
Ora, o senhor Luís foi ganhando confiança connosco derivado a
ter tido conhecimento que aqui o autor destas notas era estudioso de história local, devido à esposa do
senhor Luís, D. Candidinha, a
determinado momento ter necessitado de ajuda num trabalho escolar que tinha em
mãos. Porque ela então, como professora do ensino básico, andava a fazer um
estudo, ao jeito de levantamento, sobre usos e costumes populares da região,
mais propriamente da área geográfica de inserção de seus alunos e do ambiente
social e passado histórico da zona circunvizinha. Até
que uma coisa puxou outra e depressa se foi amassando certa cumplicidade, em
questões de salvaguarda de artefactos com passado historicamente afetivo,
sobretudo.
Ele, como fluente falador e muito sociável, num ápice ficou
metido na vida da localidade e era conhecido de todo o meio ambiente que rodeava
o quotidiano local; mas, no tocante a conversas sérias já sabia, como se foi
apercebendo, que não havia muito por onde escolher, por o povo comum da região
viver duma forma despreocupada, desinteressadamente, à maneira simples. Levando
tudo para a brincadeira, sem ligar a loas superiores. Passando ele a ter um
círculo mais restrito, ao reparar, como dizia, então, que em qualquer sítio
também havia gente com quem se podia conversar.
O senhor Luís saíra da Póvoa e viera terra dentro até ao
interior nortenho, para se fixar no torrão natal da esposa, depois de longo
passado na sua Póvoa, onde era muito conhecido, de certa maneira tido por
personagem público. Sendo praticamente figura popular, como dono do antigo Café Universal, histórico
estabelecimento de convívio social. Dos mais afamados, por sinal, entre os
cafés que foram deveras populares desde longas eras, como aliás está referido
em textos na literatura historiadora da terra
das célebres siglas familiares. Referindo que se dizia mesmo que na Póvoa
casa-sim, casa-não, havia um café, a pontos de inclusive haver uma artéria
chamada rua dos cafés. «Porque ao poveiro ninguém lhe tira o vício de ir ao
café, quanto mais não seja para ler o jornal».
Provindo de tempos deveras antigos, pois
fora fundado em 1888, o Café Universal, com luxo e distinção, era polo de
frequência selecionada. Conta-se que, nos seus tempos primitivos, apresentando
orquestra privativa e excelentes artistas a atuar durante os meses de Verão,
esse Café enchia-se todas as noites. Quando foi gerido pelo pai do senhor Luís
e o filho ali trabalhava também, já pelos anos quarentas do século XX,
continuava a ser frequentado por gente bem de vida, como soe dizer-se.
Acontecendo então, como sinal disso, que durante a Segunda Grande Guerra Mundial,
vivendo-se tempos de restrições impostas, tinham de contornar a situação para
servir bem essa clientela boa. Tanto que, segundo normas governamentais, só
podia ser servido meio pão e um cubo de açúcar por cada café ou chá. Ora como
sua casa era concorrida por gente de sociedade e turistas de hotel, passava-se
por cima disso, mas quando os fiscais apareciam “untava-se-lhes as mãos” para
fecharem os olhos… E depois, já em tempos de menor esplendor, o mesmo café continuou
a servir de ponto de encontro de pessoas conhecidas e forasteiros, quase como
local de referência, até, como foi quando esteve nas mãos do senhor Luís Tomás,
que ali ganhou muitas e boas amizades com turistas e patrícios visitantes.
Há uma foto curiosa e elucidativa,
ilustrando o interior do café, no tempo do senhor Luís como gerente…
No decurso dessa sua atividade
comercial, estando com o café Universal por sua conta, e lidando com muita
gente, a faceta social de Luís Tomás Pinto continuou evidente em partilha
social, como era o caso de acudir sempre que necessário a ajudar amigos e
conhecidos, de diversos modos, mas também através de um dom que possuía, que
era de ter jeito para acudir a males corporais, a remediar mazelas ósseas e em
articulações do corpo (não tanto do género popular de endireita, mas de
massagista fisioterapeuta amador). Tendo correspondido a solicitações de
pessoas que iam ter com ele, em casos de luxações, entorses, problemas de
coluna, etc, sem nunca levar dinheiro. Aliás, como sempre gostou de ajudar o
próximo, quando ocorreu o caso dos retornados, vindos ao calha após a
descolonização das colónias portuguesas em África, chegou a ter dez pessoas
alojadas em sua casa, até poderem resolver sua situação. Tal qual, por esse
tempo, ainda, como no Universal parava muita gente da classe média alta e se
tornou amigo de muitas pessoas dessas, esses contactos serviram para arranjar
emprego para alguns amigos que o procuravam, para esse efeito. Tanto que ainda
se corresponde com muitos, no país e no estrangeiro, porque se tornaram amigos
pela forma como ele os ajudou nalguma coisa, também.
Acabou esse famoso café Universal por
encerrar as suas portas em 1975, quando o mesmo sr. Luís Tomás Pinto resolveu dar outro rumo à sua vida, indo para a
terra da família da esposa, onde o ficamos a conhecer. Tendo entretanto passado
o mesmo seu café a outra pessoa em 1976.
Passou ele a viver na Longra, num remanso de Entre Douro e Minho. E passamos nós a ter outra
visão mais eloquente do que era a Póvoa, que ele levara consigo em recordações
e saudade. Pois, esperando melhores dias, sempre ficou com a Póvoa atravessada,
bem presa dentro de si. Tendo transportado consigo também algumas lembranças de
seu café, tal eram umas estatuetas que haviam figurado nas feições
arquitetónicas dessa sua casa, como testemunho do ambiente de outrora,
recordado sempre através do «cristal dos espelhos, jorrando cambiantes de luz
nas garridas 'toilettes' das gentis banhistas, brilhantes de mil cintilações, a
ver corações enamorados e na alegria extrema da sua mocidade» …
Dessas estatuetas, em terra cota, mais
tarde duas foram para o museu da Póvoa, oferecidas pelo senhor Luís.
Na seguinte relação com a terra
afetiva, onde conquistara a companheira de vida, foi redescobrindo motivos de
apego, enquanto descobria objetos familiares que lhe diziam algo, como atento
observador e interessado pela memória coletiva. Dos baús e armários da casa de
família foram vendo de novo a luz do dia uma variedade curiosa de coisas de
outros tempos, numa profusão de relíquias com que foi aumentando um autêntico
pecúlio de, não só colecionador, mas sobretudo conservador, com que criou um
verdadeiro museu pessoal em sua casa. Que não se coibia de mostrar aos amigos,
em exposição doméstica num recanto de sua habitação, num quartinho, tipo saleta,
logo à entrada da casa, subindo escadaria lateral sob agradável cheiro de azulados
cachos floridos de glicínias, postadas em torno do gradeamento do qual pendiam
abraçadas.
De permeio, havendo ali ao pé uma fábrica de metalurgia que
era dum cunhado, e tendo o senhor Luís passado a ocupar seu tempo na mesma
fábrica, que era bandeira local, por assim dizer, do mesmo modo deitou mãos a
tirar o pó a velhos desenhos e fotos de maquinaria e projetos, preservando
alguma memória da própria empresa com afixação de tais testemunhos do passado
da firma em quadros emoldurados; os quais passaram a estar pendurados a decorar
paredes daquela fábrica de mobiliário metálico e por conseguinte fazendo
memória de tempos idos, especialmente dos correspondentes alicerces históricos
assim ali ilustrados. Em cuja fábrica, além disso, ajudou a fazer bons
negócios.
No âmbito de sua residência na região Sousã, o senhor Luís foi
alargando horizontes e procurou embrenhar-se na vida regional, tendo assim
chegado a integrar a direção do clube desportivo então existente na localidade,
o Futebol Clube da Longra, tal como a nível do concelho afetivo colaborou com a
Biblioteca Municipal de Felgueiras na organização de algumas realizações, tal o
caso de duas exposições públicas, uma de selos postais e outra de bússolas.
Por essa altura, com a fixação do senhor Luís na Longra –
terra da esposa – a dita povoação ganhou mais um elemento de respeito, sendo
que nesse tempo na área da Longra havia algumas pessoas com importância social
de relevo, tanto como o senhor Luís
Sousa, fundador da fábrica Imo; o senhor Camilo Fonseca, genro do fundador da “fábrica grande” Metalúrgica
da Longra e saliente presidente da Casa do Povo; o sr. Américo Pereira, arquiteto que tivera diversas funções na Câmara de
Felgueiras e depois passou para o município de Matosinhos, embora mantendo
residência entre nós; mais Joaquim Pinto,
eletricista e bobinador, autor da sirene e da maquinaria pioneira da
Metalúrgica da Longra, bem como de outras empresas vizinhas e sucessoras do
mesmo ramo, galardoado com o Prémio da Associação Industrial Portuense; o sr. José Luís Goes, projetista e pintor,
autor de famosos cenários decorativos das atividades teatrais; Fernando Machado, clássico lojista do
comércio tradicional. Entre outros. E entre os quais, apesar de muito novo, ao
tempo, quanto à idade deles, o autor se ia dando bem, reconhecido como era pelo
que procurava fazer em prol da terra comum.
Nesse tempo de adaptação do senhor Luís, a Longra era terra
pequena mas com vida própria, sendo uma povoação mais desenvolvida que as
terras à volta, mas sem maior desenvolvimento, contudo, porque os terrenos
vagos estavam em mãos de famílias e pessoas que não precisavam de vender, à
falta de visão de progresso, nem as autoridades faziam por isso, tal como
(segundo o povo dizia e quem podia não fazia nada em contrário) a Câmara não
tinha gente no poder que gostasse da Longra e, por outro lado, até a própria
Junta na generalidade, salvo raras exceções, lá teve cabeças acomodadas e sem
iniciativa dinâmica. Do que ocorria que, enquanto as freguesias das redondezas
começavam a desenvolver-se, a de Rande, a que pertencia a Longra, marcava
passo… apenas. Não havendo ainda qualquer plano diretor municipal, sequer… Mas,
apesar desse aperto a que foi sendo sujeita, a Longra era e ainda é polo urbano
deveras saliente, mesmo assim, com direitos históricos na região.
Isso também derivado à Longra ser então, de modo vincado, o centro industrial da região. Dando para viver e onde havia de tudo um
pouco, no dizer do povo. E, claro como água, além de haver a indústria ao pé,
havia sempre ao que deitar mão, consoante as derivações da chamada pequena
propriedade, como era com boa parte da população, em quintais, leiras e
campitos de amanho pelas próprias mãos, o que ia permitindo com que as pessoas
fossem tendo vinho, couves, animais domésticos para sustento caseiro, criando
galinhas e coelhos, e, nalguns casos, até porco para matar. Fora a produção
agrícola em quintas rurais, particularmente nos arredores, mas nesses tempos
dos primeiros anos após o 25 de Abril já o ambiente era diferente de
antigamente, e começava tudo a alterar-se, em profundas alterações sociais.
Num quotidiano calmo e realista, a vida na Longra corria
serena e familiar. Tendo em si gente simples mas boa, também. Na linha do que
se diz, e com verdade também, que uma terra vale pelas pessoas e
potencialidades que tem. Sendo de recordar, entre outros casos, por viver junto
à fábrica onde o senhor Luís passou a laborar, e apenas como exemplo pelo genuíno
fator de popularidade simpática, a existência sentida duma senhora que vivia
ali à beira, a Roseirinha – como
paradigma da bonomia e singeleza local. Pois a Roseira (como também era
referida essa conterrânea de nome Rosa, contudo conhecida por nome mais
coletivo, conforme era considerada), tinha o dom de toda a gente gostar dela e
apreciar o seu feitio sincero, tornando-se figura local por ter sempre muito
limpo tudo à frente e junto à casa de sua residência, com costume regular de,
por seu gosto e vontade, varrer muito bem a terra da berma da estrada, conforme
era antes naqueles sítios, e depois o passeio lateral, desde que foi cimentada
a faixa pedonal, ali. Algo que deveria, pelo menos, fazer ver às autoridades
quão necessário era e é haver limpeza pública assiduamente…
Bem como nesse ambiente urbano da Longra, no Largo da Longra e arredores,
pontificavam mais alguns respeitáveis homens que eram referências do comércio e
serviços, por exemplo, como o sr. António
Magalhães, do Centro Comercial; o sr. Manuel
Carvalho Amorim, chefe da Estação de Correio; os irmãos Fernando e Adelino Freitas, da
Barbearia da Longra; o sr. Manuel
Marinho da Silva, mais conhecido então por “senhor Manel do Café” (como
antes era “das mobílias”, ou seja conforme os ofícios que desempenhou); o
senhor Aurélio Marinho, recoveiro; o
sr. Roberto, taxista e dono
(continuador) da Loja da Ramadinha, o sr. Armando
Ferreira, então na loja de mercearia e posto de pão da Casa da Padaria, o
sr. Joaquim Cerqueira, da
alfaiataria de seu nome, etc.
Quase tudo gente já desaparecida ou de situação alterada, em
grande parte, entretanto, que hoje se relembra como enquadramento cronológico e
ambiental, de afetividade e cotejo a esses tempos e gente assim agradavelmente
dedicada a algo social, de gratas recordações. Embora também na generalidade
não fossem muitos os que conviviam muito fora de casa, além dos contactos
normais de emprego, conversas particulares entre amigos e idas à igreja, pois
quanto à convivência em locais públicos a conversa era outra. Salvo as raras
exceções, encontradas então pelo senhor Luís, ao radicar-se nessa terra de
residência familiar. Na companhia de pessoas sempre bem dispostas e
predispostas a deixar fluir lados bons da vida, como um tio do autor, de quem o
senhor Luís era muito amigo, o meu tio Zé
Moreira; e, entre alguns mais, também seu cunhado já referido, o sr. Sousa da Imo. Detentor de
personalidade cativante, este, agarrado como era à sua terra, de onde nunca
quis sair e na qual criou postos de emprego para muita gente dos arredores, o
sr. Luís Sousa Gonçalves era cioso de suas veias familiares, qual árvore que
nasce e morre onde brotou raízes. Sempre falador e pronto para tudo, com sua
maneira de ser característica de contar histórias, tinha piada nas conversas com
amigos, em cuja roda o senhor Luís entrava e em que o autor destas recordações
costumava participar.
Quantas horas passamos no Café da Longra, o café central da localidade que passou a ser sítio
de encontro de ambos, o senhor Luís e o autor destas anotações, em amenas
conversas sobre temas de afeição cultural, por esses tempos. Dum modo assaz
mais atrito por o autor andar já, como se dedicou ao longo de alguns anos bons,
a estudar tudo o que aparecesse sobre a própria terra natal, com vista a
escrever a história do rincão cujo toque do sino ouvido ao longo dos tempos
toca bem cá dentro…
De modo mais ecológico, quantas caminhadas e passeatas demos
por entre a natureza da região da encosta de Rande e nas margens do rio Sousa,
ao som da torrente da água doce corredia ou na quietude de campos e leiras
prenhes de viçosas cores, caminhos acima e abaixo, a perscrutar reminiscências
do passado, alevantando memórias arqueológicas e trazendo de novo à tona alguns
marcos de outrora, quando o autor andava em pesquisas no terreno, com vista à
elaboração da preservação histórica da região, acompanhado pelo senhor Luís e
mais algumas pessoas chegadas, como o pai de quem se recorda disto. De muito
que se conseguiu coligir, de quanto ficou no livro sobre a história de Rande e
Felgueiras…
Passados anos, quando a história da terra do autor foi
finalmente publicada, em livro volumoso, até, lá ficou registado que o sr. Luís
foi um importante contribuidor para o desiderato:
« Luís Tomás Pinto (n. 04 / 10 / 1931 - f. 01 / 9 / 2018)
Poveiro radicado em Rande-Felgueiras, na (então)
povoação (e hoje vila) da Longra, tendo sido marido de D. Cândida Sousa,
natural de Rande e grande bairrista.
Com efeito, no meio disso, muita coisa fora por ele
entretanto entregue no Museu da Póvoa de
Varzim, contribuindo com autênticas raridades para o valioso acervo do
espaço memorial da sua Póvoa. Enquanto ia aproveitando para, com quem mais
convivia em espaços de tertúlia local, fazer passar mensagem sobre os valores
poveiros.
Apaixonado pelos valores de preservação patrimonial
da cultura artística e histórica da região natal e da terra afectiva, onde se
fixou, Luís Tomás tem recolhido diverso material antigo, do qual tem doado
muita coisa ao museu da sua Póvoa de Varzim, e tanto mais que, entretanto,
guarda(va) à espera de existência de um museu do concelho de Felgueiras, ou
eventualmente da freguesia da esposa e sucessores, onde vive (vivia). Colaborou
com o autor destas linhas numa primeira experiência, para o efeito, com a
temporária Exposição da Memória Etnográfica da Longra, em Abril de 1995.
Foi também activo elemento da comissão formada pelo
autor para a organização da I Mostra Filatélica e Exposição Museológico-Postal
da Longra, em Julho de 1995, comemorativa do centenário natalício de Francisco
Sarmento Pimentel e octogenário da Estação de Correio da Longra.
A faceta de arreigo Poveiro e afeição à terra da
esposa foi magistralmente caricaturada em desenho da lavra do artista
varzinista Nando, em homenagem alusiva ao sr. Luís, de que se reproduz cópia
dedicada pelo homenageado ao autor destas regras (cuja imagem ficou inserta no
livro, acrescente-se).
Foi o amigo sr. Luís um apoiante de contribuição e
incentivo (ao livro), com ajuda preciosa de algumas fotografias antigas,
documentação vária que fora do sogro e suas tias, da parte da esposa, material
esse que o próprio salvou, bem como no decifrar do documento do Tombo de Rande
e do manuscrito do Foral do Unhão (recorrendo a um conceituado seu amigo,
especialista em leitura de documentação medieval, o sr. Padre-Monsenhor Manuel
Amorim, pároco de Beiriz-Póvoa de Varzim, insigne historiador), que muito
animou este sonho (da concretização do livro) com fundamental base,
documentalmente ao desiderato desta (daquela) prova de afeição terrena
misturada com telurismo nas veias.
Luís Tomás tem em sua casa (na Longra) um museu
particular, com paixão pelos valores antepassados, de testemunho da identidade
local – digno só de por si merecer consideração bairrista.
Desse espaço de salvação de objetos a falar do
passado de Rande, guardados carinhosamente ao lado de artefactos da sua terra
natal e pessoais, é o cenário de fundo da fotografia (publicada também no mesmo
livro, “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”), que o autor fixou
à posteridade com o personagem estimado em primeiro plano.»
O Senhor Luís é dos Poveiros da velha guarda, daqueles que
sabem o que foi e o que é a Póvoa. Quando era pequeno, ainda na praia do peixe
da Póvoa havia muitas lanchas e catraias e ele e os de sua igualha, canalha da
época, corriam por cima dos barcos, saltando de uns para outros, e, entre os
compinchas de tais brincadeiras, ai daquele que pusesse o pé na areia, pois
levava logo uma estalada no cachaço. Tempos esses em que, também, madrugada
cedo, os pastores traziam suas cabras pelas ruas da Póvoa até ao pé das casas
dos moradores e, tirando o leite diante dos fregueses, no seu sítio, logo o
vendiam fresquinho, à porta dos compradores. Sendo então igualmente vendido
leite de burra. Assim como havia os esterqueiros, vindos com seus carros de
bois para carregar o esterco das fossas, pagando-se desse serviço com troca por
lenha. Quando a Póvoa tinha, nessas eras, muitas ruas em terra batida, passando
aos solavancos mais carroças e carros de bois que automóveis, enquanto os
carros de motor ainda eram um luxo de classes mais abastadas.
Contava mais o Sr. Luís... De quanto as marcas da Póvoa afluem, trazendo o ontem aos tempos de sempre. Embora com muita gente provinda de outros lados a residir na cidade nova, sem raízes poveiras, há ainda quem se lembre de ouvir pais e avós puxarem antigos costumes. Havendo algumas memórias, por exemplo, do Natal de antigamente, agora como contos que se narram, em que essa época era marcante na comunidade piscatória da Póvoa de Varzim. Como um tempo de encanto, do pouco que conheciam os antepassados, entre alegria e tradições muito próprias, de grande significado para a gente do mar. Por tradição muito antiga, na classe mareante, a ceia natalícia trazia um bem estar diferente, numa mistura de prazer da mesa e culto religioso, como uma festa dentro de portas a fazer esquecer agruras, substituído que era tudo por boa disposição, metendo cantorias e conversas de recordações de lembrar vivos e mortos, até momento sagrado de orações antecedentes à refeição mor. «Para o pescador poveiro, na noite de consoada, o ruivo e o peixe seco eram pratos ‘obrigatórios’. Toda a gente comia no chão e geralmente na cozinha, onde a lenha do fogão servia de aquecimento central» (como consta das lembranças etnográficas da página informática oficial da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim), cuja tradição pelos tempos adiante, com a mudança de residência e transferências familiares, se estendeu a zonas vizinhas, nomeadamente extensível também a Vila do Conde e às Caxinas.
Contava mais o Sr. Luís... De quanto as marcas da Póvoa afluem, trazendo o ontem aos tempos de sempre. Embora com muita gente provinda de outros lados a residir na cidade nova, sem raízes poveiras, há ainda quem se lembre de ouvir pais e avós puxarem antigos costumes. Havendo algumas memórias, por exemplo, do Natal de antigamente, agora como contos que se narram, em que essa época era marcante na comunidade piscatória da Póvoa de Varzim. Como um tempo de encanto, do pouco que conheciam os antepassados, entre alegria e tradições muito próprias, de grande significado para a gente do mar. Por tradição muito antiga, na classe mareante, a ceia natalícia trazia um bem estar diferente, numa mistura de prazer da mesa e culto religioso, como uma festa dentro de portas a fazer esquecer agruras, substituído que era tudo por boa disposição, metendo cantorias e conversas de recordações de lembrar vivos e mortos, até momento sagrado de orações antecedentes à refeição mor. «Para o pescador poveiro, na noite de consoada, o ruivo e o peixe seco eram pratos ‘obrigatórios’. Toda a gente comia no chão e geralmente na cozinha, onde a lenha do fogão servia de aquecimento central» (como consta das lembranças etnográficas da página informática oficial da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim), cuja tradição pelos tempos adiante, com a mudança de residência e transferências familiares, se estendeu a zonas vizinhas, nomeadamente extensível também a Vila do Conde e às Caxinas.
Misturam-se de permeio as acomodações entre pescadores e residentes
de trabalhos em terra, mais turistas. Havendo contudo uma combinação que
subsiste no que permanece na afeição pelo que afinal a Póvoa traduz. Quer da
gente que vem dos tempos em que as viúvas dos pescadores não tiravam o negro do
corpo, com afinco de assim continuar até à cova, como algumas diferenças sociais
dos lados diversos da cidade. Estando as zonas históricas associadas aos dois
lugares conotados com zona sul e a zona norte da cidade, algo evidente em aspetos
ancestrais da rivalidade que tem gerado realizações, atingindo o auge com a
Festa de São Pedro no final de Junho.
O senhor Luís conhece, pois, a Póvoa como a palma de suas
mãos. Tendo nascido e crescido com a brisa marítima poveira na face.
Descendente de filhos de pescadores, tem três siglas de família, as dos Liros e dos Pentieiros (as duas mais chegadas), como ainda (mais distante em parentesco) a dos Ferreiras Moreiras, da família Trocado. Sendo sobrinho-neto de
um personagem histórico, o também herói poveiro “Chião do Liro”, que tem nome de rua, constando honrosamente na
toponímia urbana povoense. Só disso, segundo o que ele conta(va) amiúde, dava para
alastrar muito a descrição, bastando referir que ele tem grande orgulho em
todos esses símbolos e seus laços de sangue. Mas não fez vida de mar, ficou
mais em terra. Depois que acabou para si a fase escolar, feita a primária e
ficando-se pela entrada no curso da Escola Comercial, foi trabalhar com o pai
para o Café Universal, onde seu progenitor era então gerente. Quando o café
ainda era feito em banho-maria, nuns fogões a petróleo, sendo preciso dar à
bomba, como se dizia, para afoguear. Havia uma cafeteira grande para servir os
cafés. Depois apareceram umas máquinas com torneiras, para deitar a porção
devida no serviço aos clientes. Enquanto para a medida do açúcar eram usados
uns pequenos cálices metálicos (que o sr. Luís ainda tem guardados, alguns, entre
suas antiguidades). Passados tempos, já mais crescidote, ao atingir a
maioridade (que então era aos 21 anos, recorde-se), Luís Tomás tentou a sorte
em Angola, província ultramarina desse tempo, onde começava a haver boas
possibilidades de ascensão social, e ainda trabalhou dois anos num hotel em
Moçâmedes, mas teve de regressar, depois, por ter adoecido com febres
africanas. Após o que passou a gerir o café Universal já por sua conta, de modo
a que esse salão de cafetaria ainda esteve na família mais duas décadas. Havia
entretanto casado aos 32 anos, com D.
Maria Cândida Gonçalves de Sousa, de cujo matrimónio resultou ver sua
continuidade como pai duma menina. Chegando depois à época de ir, terra dentro,
viver para o rincão da esposa e, extensivamente, do seu amigo autor destas
linhas.
Foi pois, assim, através do senhor Luís, que ficamos a
conhecer muito da Póvoa, a identificar autores poveiros, a saber quase na ponta
da língua peripécias narradas de geração em geração dos mestres da pesca, os
populares tios da faina piscatória e os patrões das embarcações, chefes
carismáticos da faina marítima, como reza a história. Em cujo rol sempre se
conta, em lugar de relevo, com alguns heroicos autores de façanhas destemidas
de antanho, a lembrar, na esteira do Cego
do Maio e outros, também inesquecíveis naturais da Póvoa do Mar, como o Patrão Lagoa, mais tantos heróis
poveiros, incluindo o também notável Patrão
Sérgio, mais o já referido Chião do
Liro e demais, de quantos que pela
sua coragem figuram nos anais poveiros. Quanto ficamos inteirados do trabalho
do etnógrafo Santos Graça, pai da
salvaguardada alma do Ala-arriba das
gentes das camisolas poveiras, desenhadas
em lã. Tal qual das teses fundamentadas de Rocha
Peixoto sobre etnografia portuguesa, cujo trabalho ancestral (consultado em
livros) ajudou nas pesquisas para a elaboração da monografia historiadora da
terra do autor, mas só de tanto ouvir o senhor Luís falar é que nos apercebemos
que esse era outro grande homem da Póvoa. Salientando-se em nossa atenção,
sobre esse cientista, o facto de ter sido obreiro do Museu Soares dos Reis, no
Porto. Bem como por meio de tanto o ouvir, foi-nos sendo incutido inerente
conhecimento sobre um Gomes de Amorim,
poeta, dramaturgo, romancista e biógrafo; Admário
Ferreira, também poeta, biógrafo, mais jornalista e livreiro; o Padre Giesteira, igualmente poeta e
jornalista, mas também músico e orador sagrado; Ezequiel de Campos, este de nome conhecido como político da época
da I República, em cujo decurso foi ministro da Agricultura no governo de José
Domingues dos Santos, nos anos 20, do século XX (e do qual, nesse tempo, foi
chefe de gabinete um nosso amigo de outras eras, o Capitão João Sarmento
Pimentel, oriundo de fidalga família da terra do autor); assim como Vasques Calafate, escritor, jornalista
e orador, além de seu mister de professor; Fernando
Barbosa, também professor e especialmente investigador de história local;
como Monsenhor Manuel Amorim, grande
historiador; outrotanto Viriato Barbosa,
historiador poveiro; Flávio Gonçalves,
historiador de arte e investigador histórico; Manuel Silva, publicista, dedicado à história da Póvoa, entre seu
ofício de notariado público; sem esquecer o célebre clássico Eça de Queirós, escritor romancista de
renome internacional – este, porém, já antes bem nosso conhecido de tantas
páginas saboreadas. Até chegar à referência a vultos ainda então presentes,
como Luís Rainha, saliente na sua
faceta altruísta a bem da comunidade, cujo nome fica perpetuado na Fundação criada pelo seu desejo de
«complementar a acção dos Poderes Públicos no apoio à terceira idade, crianças
de famílias pobres e diminuídas intelectuais; e incentivo cultural…». Tanto
como escritores e historiadores que não sendo poveiros de nascimento, se
radicaram ou afeiçoaram à raça poveira, como, entre outros, com vasta obra, José Azevedo, Vilacondense de berço e
Poveiro de coração; tal como Júlio
António Borges, transmontano de Vila Real dado a escrever profusa obra,
entre cujo labor se incluem trabalhos sobre a Póvoa. Bem como passaram pela Póvoa
personagens distintos, ficando ligados por seus trilhos profissionais a essa
essência especial que é a afeição pela mesma Póvoa, como aconteceu com o famoso
filósofo e professor Dr. Leonardo Coimbra (cujo filho, Dr. Leonardo Augusto Coimbra, médico e
deputado nacional, nasceu precisamente na Póvoa), e a poetisa Maria Camélia (assinatura literária da
professora Bernardete de Jesus Castro Faria, autora de diversos livros e com
inúmeras composições espalhadas por jornais nacionais e regionais, sob esse
pseudónimo muito conhecido).
Desses grandes vultos da história poveira, o senhor Luís
ainda guarda gratas recordações nalguns casos particulares, tanto que Santos
Graça, amigo especial da família, foi quem arranjou a sua passagem para Angola
(sabendo-se como naqueles tempos de colonialismo era dificultada a colocação
nas províncias ultramarinas, a pontos que a própria moeda era diferente do
dinheiro do continente).
Voltando atrás e a gente de matriz poveira, havia e há sempre
mais. Advindo, de permeio, dessas considerações, ainda menções de diversos
personagens, naturais ou relacionados com a Póvoa, salientes noutras áreas.
Sendo deveras falado pelo sr. Luís o nome do Dr. Josué Francisco Trocado, compositor musical conhecido a nível
nacional e autor do considerado Hino da Póvoa (cuja música, composta por volta
de 1916, passou a ser tocada no início das Assembleias de Freguesia da Póvoa em
2009). Entre mais. Como ainda o Padre
Abel Varzim, sacerdote ligado a movimentos sociais, de operariado e de “Acção
Católica”, que ficou conhecido por divergências à política social do regime do
tempo de Salazar, e que apesar do nome não era natural da Póvoa, mas na Póvoa
de Varzim passava férias, em casa duma sua irmã, casada com um dos principais
médicos da terra, o Dr. Jorge Barbosa,
também ilustre historiador local. Como vinham à baila das conversas nomes de
desportistas oriundos da Póvoa de Varzim, quanto nos lembramos de algumas vezes
em que foram referidos nomes de futebolistas antigos, tal o caso de João da Nova, o Nova que jogou no Porto
no tempo de grandes craques como Pinga, Soares dos Reis e outros, tendo sido campeão nacional e
chegado a internacional pela Seleção A de Portugal; tal qual posteriormente Noé, corpulento avançado de que nos
recordamos de ver sua figura nos cromos de rebuçados, em mãos de moços mais
velhos, do qual ouvíamos referências e lemos em crónicas historiadoras ter sido
um dos goleadores daquele jogo em que o F C Porto se sagrou campeão ao triunfar
em Torres Vedras, suplantando o caso-Calabote, em 1959, como ficou na história;
contemporâneo de Virgílio Mendes, (o
célebre “Leão de Génova” que foi capitão das equipas do F C Porto que deram
cartas na segunda metade da década de cinquenta e, em seu tempo, foi o
futebolista mais internacional de Portugal), o qual, embora não sendo da Póvoa,
aí residiu na terra de sua esposa; e mais recentemente, e natural da Póvoa,
mesmo, teve fama e proveito o também alto defesa Lima Pereira, que se
sagrou campeão europeu e mundial, em 1987, também com a camisola portista, além
de ter sido internacional pela seleção portuguesa e campeão nacional; como
ainda José Maria chegou a vestir a
camisola do Sporting em Lisboa; mais os irmãos
Limas (primos do António Lima Pereira que jogou de azul e branco), os quais
se distinguiram no F C Felgueiras, quando o clube da terra do pão de ló andou
pela segunda e primeira divisões nacionais de futebol; e o guarda-redes Tomás participou na arrancada do
Felgueiras rumo às divisões superiores, até depois se ter vinculado ao Benfica,
embora sem haver conseguido ganhar posição na equipa encarnada lisboeta; mais Bruno Alves, que como esteio da defesa
do F C Porto venceu vários campeonatos nacionais e diversas outras provas,
tendo ainda sido eleito melhor jogador do campeonato português de futebol de
2008/09, ao serviço do clube Dragão. Para referir alguns, apenas, além dos que
jogaram pelo Varzim Sport Club, o
clube da Póvoa que por mais que uma vez esteve no campeonato da Liga principal
do futebol nacional. Sendo também poveiro, natural da freguesia de Navais, o
famoso ciclista Manuel Zeferino, que
em representação do F C Porto venceu a Volta a Portugal em bicicleta no ano de
1981; assim como atualmente corre brilhantemente pelas estradas europeias, com
a camisola de equipas estrangeiras, mas sempre com o símbolo português
presente, o ciclista Rui Costa, da
Aguçadoura, o qual em 2013 se sagrou campeão mundial ao vencer o Campeonato do
Mundo de Estrada, e por diversas vezes já venceu provas importantes, como a
Volta à Suíça, por exemplo. Curiosamente os dois ciclistas eram naturais de
duas freguesias vizinhas e independentes, hoje unificadas administrativamente
após a reorganização administrativa do território português, em 2013, ditada
pelos políticos nacionais da ocasião (que não se entendeu, nem se perceberá,
por quanto alterou injustificadamente, quanto ao autor destas notas, parte da
alma do território nacional), ficando, neste caso particular, as freguesias
integradas na chamada União das Freguesias de Aguçadoura e Navais. Como ainda Bruno Torres, de futebol de praia (embora na Póvoa não houvesse clube dessa variante, mas, habituado ao areal poveiro, andou por outras equipas, inclusive numa experimental do FC Porto, até que se fixou no Braga), o qual pela seleção nacional de futebol de praia sse sagrou campeão europeu e mundial, entre outros títulos.
Enquanto isso, porque uma terra como a Póvoa está em
constante evolução, continuará sempre a ter pessoas que procuram honrar o
rincão onde nasceram ou vivem. Contando ainda mais gente capaz de fazer
preservar a memória de seus patrícios, também, como autores algo recentes,
conforme aconteceu em finais de 2014 com a dupla Jorge Basílio e Zulmira Lima, que se lançaram a escrever uma coleção de livros sobre
Antiguidade Clássica na Póvoa de Varzim, a começar com “O enigma de garum”
(primeiro conto da coleção “O mundo de Ernesto”, ao género aventuras, através
de ficção e factos históricos). Sendo os co-autores Jorge Basílio, natural da
Póvoa de Varzim, e Zulmira Lima, ambos professores.
Mais ao longe, tem havido também muito quem tenha procurado
homenagear pela preservação escrita os laços de sangue de união à Póvoa. Como,
entre mais casos, há conhecimento do livro “Imigrante Herói – Memórias Póstumas
de Carlos Custódio Rajão”.
Voltando ao tema, esses e outros, por conseguinte, são alguns
exemplos, entre diversos casos de casta poveira dos que se foram e vão
distinguindo em diversas áreas de apreço público. Como cantou Camões, n’ OS
Lusíadas, daqueles “que por obras valerosas se vão da lei da Morte libertando”…
Daqueles que sempre tiveram orgulho na sua condição de poveiros, sentindo-se
honrados na representatividade dos seus, quer de fato branco de festa,
ora de camiseta aos quartos, de
tripulantes que se sentem. E, já que veio à baila o tema dos trajes tradicionais, acrescente-se…
claro está, também, homens de camisola
poveira, com os seus alegres
bordados, mais catalão ou gorra na cabeça, e quanto à parte
feminina, o belo corpete de cor viva
das mulheres, o lenço de merino
e a saia e calças (dos homens, naturalmente, porque nesses tempos as mulheres
não andavam de pernas tapadas), vestes essas elaboradas em pura lã, na sua cor
natural, denominada “branqueta”.
Mas havia ainda mais. Culminando todo um percurso de boa
companhia, um certo dia o senhor Luís aproveitou e fez questão de proporcionar
a este seu amigo uma visita ao Museu
de Etnografia e História da Póvoa de
Varzim. Servindo aí de cicerone também, com saber de experiência feito – e
como… quão soube falar do que tanto gosta, explicando tim-tim por tim-tim
aquilo tudo (apesar de falar pelos cotovelos e assim por vezes, de tanto saber,
acabar por se perder em divagações). Detentor como é duma grande bagagem de
conhecimentos, quase a correrem até escorregar naquela cabeça. Ao que o ouvinte
- e ora signatário disto - lá conseguia intercalar, nas deixas, umas quantas
perguntas com que foi sendo melhor elucidado, por todo aquele espólio cativar
nossa atenção. Tendo então sugerido que fosse colocadas legendas junto a cada
painel ou artefacto, algo necessário perante tanta e rica matéria ali patente,
a provocar curiosidade e interesse; caso que logo mereceu aprovação do
bibliotecário Manuel Lopes, atento e
abnegado defensor do museu, nesse tempo. Porque desde as recriações dos costumes de outrora, a exposição das alfaias com as siglas de pertença familiar, às cartas de chamada dos emigrantes que
demandaram paragens onde se formaram autênticas comunidades poveirinhas,
incluindo a visão da lancha poveira,
implantada ao meio com aparato e dimensão, mais o salva-vidas “Cego do Maio” com que o Patrão Lagoa e outros mais ficaram ligados ao salvamento de parte
da tripulação do Veronese, no famoso
naufrágio daquele paquete inglês, encalhado na aproximação à praia de Leça, ao
mar de Leixões, ali tudo nos deixou de olhar preso. Com intensa contemplação
até às miniaturas de modo tocante ali existentes, em figuras ilustrativas de
personagens populares e cenas da memória coletiva, executadas por Mestre Quilores, artista poveiro de bom coturno, como comprovam suas peças
de talha existentes em várias igrejas. Assim como está no museu a foto e as
medalhas do tio-avô do sr. Luís Tomás, o falado Chião do Liro, por ter salvado tripulantes da escuna holandesa Any. E tantas peças raras, então…
Enfim, ali é todo um universo consubstanciado, que nos levou a desejar que em
nossa terra (no concelho do autor destas linhas) houvesse algo do género…
quanto ao que aí demos verdadeiro merecimento. Como o senhor Luís muito
apreciou quando, por fim, tal consideração mereceu uma pessoal mensagem
sintomática no livro dos visitantes, louvando aquela realidade ali patente.
Entretanto, na Longra, povoação urbana algo desenvolta, nesse
tempo, em torno da qual o verde da natureza é viçoso, sob ambiente onde o azul
do céu é bem azul, o senhor Luís continuou durante anos os seus dias, criando família que aí ganhou raízes, através
de sua filha, Ana Elisa (Anita, como é popularmente conhecida), do genro,
Moisés Fernandes, e netos, Sérgio e Mafalda. Ouvindo o borbulhar calmo das
águas do rio Sousa, deslizando como que a beijar as entranhas do sentimento
telúrico de tal sítio.
De permeio, na Longra, ainda, o senhor Luís colaborava
noutros campos de labor cultural,
dando ajuda possível nalgumas realizações ocorridas. Como nos lembramos de como
seguiu com grande empenho a angariação de alfaias antigas para a criação do
museu etnográfico local, inserido no levantamento dos usos e costumes, mais a
confeção de trajes etnográficos tendentes à criação do Rancho Folclórico
representativo da região, quando o autor destas notas, junto com a esposa,
fundou o Rancho Infantil e Juvenil da Casa do Povo da Longra. Em cuja
sequência, tempos depois, o sr. Luís fez de elo de ligação em convite para um
Rancho da Póvoa participar no primeiro Festival de Folclore da Casa do Povo da
Longra, indo depois, na resposta, connosco ao congénere Festival de Argivai, da
Póvoa. E também correspondeu ao pedido para acompanhamento como guia a um grupo
galego de dança tradicional, vindo a um dos seguintes festivais de folclore, na
mesma Casa do Povo; como mais tarde ainda incluiu a comitiva Longrina que foi a
paragens da Galiza, em viagem de permuta, e aí, junto às águas do sopé do
desfiladeiro de Santa Tecla, n’ A Guarda espanhola, também serviu de cicerone,
pois até ali tinha amigos, conhecidos de laços marítimos próximos entre a
antiga La Guardia e a Póvoa.
Depois do falecimento da esposa, embora com laços familiares
na terra afetiva, na qual ficou e continuou a prole sucessora, o senhor Luís Tomás
logo que se aposentou profissionalmente regressou
à sua Póvoa. Transferindo para seu apartamento de horizontes poveiros o seu
museu privado. Tendo até como vizinho, próximo de sua alta moradia, o
interessante monumento das Gentes
Poveiras, de homenagem às comunidades que estão na génese do próprio
concelho, a agrícola e a piscatória. Contudo, tendo ficado na sua casa da
Longra muita coisa relacionada com a Longra, onde permaneceu sua filha e
respetivo agregado familiar.
Então, como é da natureza, também, as serenas águas do rio Sousa, depois de percurso enviesado
até desaguarem na corrente do Douro, acabam por chegar à costa a entrar pelo
mar… misturando-se com as ondas que dão à praia
da Póvoa.
Passou então o sr. Luís Tomás a poder cirandar livremente por
tudo o que mais lhe diz da Póvoa, e em todas as ocasiões propícias dignificando
a terra natal. Sendo daquelas pessoas que sabe como passar bem o tempo.
Sabendo-se como foi mantendo correspondência com muitas pessoas amigas, das
mais variadas partes do mundo, que o ficaram a conhecer na Póvoa. E como em
qualquer lado se depara com alguém amigo ou conhecido. Umas vezes por outras
fazendo parte de tertúlias e convívios que façam respirar melhor os ares
costeiros. Bem como é, quantas vezes, consultado sobre assuntos da Póvoa,
prestando informações e indicações desse vasto mundo que é a Póvoa de Varzim de
seu enlevo.
Em tudo o que se meteu e envolveu, pode dizer-se, teve sempre
a Póvoa no pensamento ou, pelo menos, no subconsciente. Tanto que, tendo sido
praticante de Pesca Desportiva e,
como tal, participado em concursos de mar, representou a Póvoa com galhardia
nessas ações desportivas. Assim, havendo disputado provas pesqueiras de carater
internacional na Póvoa e na Irlanda, ficou com amigos entre os concorrentes
participantes, além de antigos turistas de diversas nacionalidades, também,
sempre em nome da Póvoa, visando deixar bem vista a Póvoa.
Como exemplo, pode contar-se um desses casos, dado em
ocorrência de acaso. Relacionado com fator contagiante de haver eterna relação
entre a Póvoa e terras distantes, para onde rumaram patrícios. Sabendo-se que,
espalhadas pelo mundo, há em várias nações Casas
do Poveiro, como ligação à terra-mãe. Derivado isso de haver no espírito poveiro um grande apego
nutrido pela Póvoa. Como refere o senhor Luís, a propósito: «Está no sangue de
todo o poveiro o grande amor que temos pela Póvoa. Mas também os nossos
descendentes, nasçam onde nascerem, igualmente sentem um grande amor por ela.
Isto faz-me lembrar uma vez em que vinha da Alemanha, de visitar amigos alemães.
Regressava já no comboio de Lisboa ao Porto e, no meio de conversação de passar
o tempo, metida que foi conversa com uns turistas espanhóis, companheiros de
viagem, sobre a Póvoa, ouço alguém a perguntar-me se conhecia bem a Póvoa. Era
um senhor atrás de meu assento a procurar saber se eu era da Póvoa; e, palavra
puxa palavra, questionando eu de que família era e rua em que os seus viveram,
vim a saber tratar-se de pessoas que conheci, pois que seu avô era Rajão, duma
família que tem ramos que nunca acabam. Ele estudava então em Bilbau, era filho
de um médico brasileiro e de mãe (D. Consuelo) descendente dum poveiro ilustre,
filha do patriarca dessa família instalada no Brasil, Carlos Custódio Rajão. O
qual, depois de muita luta na vida, fora para o Brasil, assentando em Minas
Gerais-Conceição do Mato Dentro, onde deixou grande descendência.» Cujo
percurso, acrescente-se, foi depois contado num livro, como antes referimos.
Ora, por quele contacto surgido, conversado que ficou o respetivo
enquadramento, passou a haver maior ligação ainda. Como o senhor Luís relembra:
«Tempos depois principiaram a aparecer pessoas dessa família cá na Póvoa e a
procurar-me. Eu não pensava haver tanto amor, tanta alma poveira como vi
naquelas pessoas. Emocionaram-se, visitaram tudo, comeram de tudo. O José
Azevedo até escreveu um artigo sobre isso no Comércio da Póvoa. E desde aí ficaram contactos e amizades…»
É isso assim que torna o senhor Luís um caso à parte, um
exemplo de bairrista sui generis, um Poveiro
de gema. Porque tem a Póvoa sempre consigo e sabe transmitir o espírito que
vagueia na penumbra da memória varzinista.
Claro que pelos tempos adiante o autor (destas
linhas) também voltou à Póvoa, não tantas vezes como gostaria, pelas ocupações
derivadas da vida, mas sempre que possível procurou encontrar o amigo senhor
Luís, que, encantado na sua terra, não costuma estar parado um segundo que
seja. Estando a Póvoa hoje em dia transfigurada, como é fácil de ver,
ostentando novos monumentos, mais novos arruamentos, renovado visual do centro
cívico, largueza maior em avenidas e esbeltos conjuntos memoriais. Como, entre
tantos exemplos, ressalta o caso do painel de azulejos do molhe norte do porto
de pesca, perto do casino, localizado no paredão que divide o areal da praia da
zona pesqueira, a imortalizar heróis poveiros e a retratar figuras típicas
(como o popularmente chamado Tio Cavalheiras, nome constante de relatos nas
histórias piscatórias, e tantos outros). Um valioso mural de azulejos, esse, de
valor artístico e sentimental, da autoria do artista-pintor poveiro Fernando
Gonçalves (Nando) que, com sua mestria, conseguiu representar antigos aspetos
ambientais e quadros humanos da vida ancestral da localidade, qual repositório
historiador de memórias eternas. Tal como o monumento ao banhista, situado na
praça 5 de Outubro, da autoria de um outro poveiro, Américo Rajão, «que se
inspirou em velhas fotografias da praia para retratar em bronze as figuras de
uma mulher e de uma criança a banhos». Entre tantos mais, espalhados em locais
de referências e pontos estratégicos, numa boa combinação urbana e atração
patrimonial. Além de diversificados monumentos, como o do Pescador, como
homenagem pública ao pescador poveiro; bem como um da Peixeira, evocando a
antiga lota, em homenagem à mulher poveira nas suas diversas facetas
costumeiras; mais ao Dr. David Alves, antigo autarca que delineou o traçado
balnear da cidade; como um outro do Major Mota, também antigo presidente da
Câmara, etc. O próprio Museu Municipal teve interessantes benesses, por
exemplo. E tantas mais transformações que têm sido operadas pela cidade.
Nessa nova fisionomia citadina, que quem estivesse muito
tempo ausente estranharia, depara-se ao visitante, especialmente, variadas
visões comprovativas de como a cidade da Póvoa se tem renovado. E, num mesmo
pacote, «há também o desejo de preservar a memória da cidade, materializada em
pedra, construída na alma dos seus habitantes, nas suas tradições e costumes
mais arreigados». Quando, na Póvoa «a Câmara Municipal decidiu adoptar um novo modelo de placa toponímica
totalmente feito à mão e onde se evocam as cores da cidade, as tradicionais
siglas, os aprestos de pesca, os barcos e o mar, a par de, nos casos em que tal
é possível, a efígie da figura histórica que dá nome à praça ou à rua em
questão. Encomendadas pela autarquia ao artista plástico Fernando Gonçalves,
mais conhecido como Nando pela forma como assina os seus trabalhos, as novas
placas recuperam memórias poveiras e introduzem um aspecto afectivo na
identificação das ruas, uma vez que cada uma é uma obra de arte única por ser
integralmente feita à mão.» De aplaudir. Lindo e sintomático.
Para pessoas como o senhor Luís, a quem anda constantemente
atento a tudo o que aconteça na sua terra e valoriza melhorias que surjam,
aquela concretização satisfaz naturalmente o ego conterrâneo, pois uma obra
dessas, com tal originalidade e bom gosto, não acontece por qualquer terra, nem
nas maiores cidades do país se vê ainda, por ora. Vendo-se que felizmente a
Póvoa continua a ser terra que tem de tudo, como se costuma dizer. Enquanto se
mantêm algumas tradições, dos costumes que vêm pelos tempos fora desde os avós,
pelo menos. Tal o caso da subida ao pau ensebado, na Festa da Imaculada Conceição, popularmente também conhecida por
festa do castelo, por ser junto à fortaleza (onde costuma ser implantado um
alto pau esfolado, para o efeito); em que, com o Natal já próximo, há concurso
de subir o mastro, coberto de pequena camada de unto de sebo, no cimo do qual,
como prémio para o vencedor, entre os mais afoitos, se encontra um cabaz de
Natal.
Não sendo isto uma biografia, nem um estudo monográfico, mas
apenas um feixe de historietas evocativas relacionadas ao mote, passamos ao
largo de desenvolvidas enumerações cronológico-biográficas e simplesmente
boiamos ao sabor da maré. Em linguagem figurada à simbiose marítima, porque o
mar é elemento preponderante no ser de tudo o que é poveiro. Em cujo ânimo se
insere o caráter do personagem em apreço.
Podendo não ser um figurante dos quadrantes mais colunáveis,
como há por toda a banda, este senhor Luís é, contudo, um dos personagens
populares que se devotam à sua terra, sem pedir nada em troca. O que, assim, o
torna conhecido e apreciado.
Há pouco tempo ainda (quando passamos ao papel estas ideias),
entretanto, tivemos conhecimento que o amigo senhor Luís teve honras de espaço
nobre num jornal poveiro, inclusive com destaque na primeira página (n’A Voz da Póvoa, numa edição de finais
de Outubro de 2014), louvando a sua faceta de ter amizades por todo o lado, sob
título: “Luís Tomás - um mestre a fazer
amigos”. O que realmente é verdade, sendo o senhor Luís (no dizer
tradicional da região aqui do autor) como o pão branco, ou seja é conhecido por
toda a parte, realçando-se, nessa sua veia de bom conversador e facilmente
fazer amigos, com frequência.
Com efeito, ele é também um mestre a fazer amigos; mas não
só, pois de modo especial é um Poveiro dos quatro costados, cioso da sua terra,
orgulhoso das siglas de seus ramos familiares, acompanhante donairoso da sua
cidade, sendo profundo conhecedor de quanto diz respeito à história e cultura
da mesma. Um Filho da Póvoa que memorialmente, através do particular museu em
que transformou sua casa com objetos inéditos de matriz poveira, além de
algumas relíquias de que se desfez para dotar o museu poveiro, e tudo o mais,
se pode considerar como também parte
integrante do Museu da Póvoa. De mão sobre a testa, a divisar o horizonte
que lhe chama a atenção… podendo já não ver tão bem como antes, devido à idade,
mas continuando sempre com boa boca e sentidos apurados.
Sinal disso é o que ficou impresso e expresso na coluna que
lhe dedicou o jornal A Voz da Póvoa, como acima referimos, assinalando que,
além da sua peculiar arte de fazer amigos, um dos seus passatempos favoritos é
colecionar coisas antigas - diremos melhor continuar a angariar antiguidades.
Reforçando ele: «Gosto de guardar objetos da minha família e também de
colecionar coisas da Póvoa. Continuo a procurar e a recolher o maior número de
siglas poveiras. Sou muito bairrista e um poveiro de coração. O Padre Amorim e o Dr. Jorge Barbosa eram muito meus amigos. Quando o assunto era
coisas antigas passávamos horas a conversar. Tenho muitas coisas oferecidas por
clientes do café, portugueses e estrangeiros. Coleções de notas, moedas,
relógios, livros, tudo o que for antigo. Não vendo nada a ninguém. Ofereci
algumas peças ao museu da Póvoa, como a antiga máquina de café do Universal…»
Pouco antes de “ter vindo no jornal”, e também recentemente,
finda a maré dos banhos e na transição de entrada ao Outono, em meados de
Setembro de 2014, num convívio de bairristas poveiros, o senhor Luís Tomás
Pinto recebeu um Diploma de
Reconhecimento e medalhas, pela colaboração que entretanto prestou para a
página do grupo “Póvoa de Varzim Ontem e
Hoje” no Facebook (conforme se soube através da Internet, também). Sendo assim
reconhecido mais esse seu “contributo à divulgação da Póvoa de Varzim, das suas
gentes, seus costumes e tradições”.
O senhor Luís é mesmo associado à Póvoa, um Poveiro de raiz, um digno e ilustre
filho da Póvoa de Varzim. O Poveiro que melhor conheço, no sentido
identificativo à chamada raça poveira, como quem diz o mais Poveiro – na visão
deste seu amigo, natural de outra região, obviamente. Não que tivesse sido ou
seja único, mesmo porque, de permeio, o autor teve também um cunhado natural da
Póvoa de Varzim, igualmente deslocado terra adentro, o qual descortinou a
esposa na mesma região do interior nortenho. Infelizmente já falecido, mas
sempre bem lembrado. Boa pessoa e muito culto, inclusive tendo em casa, entre
outros adereços, uma típica embarcação simbólica (em tamanho médio),
representando a lancha poveira, mas sendo um cidadão normal, ou seja sem
fundamentos deveras identificativos, mais quaisquer conhecimentos históricos e
profundidade carismática, nem nada que se pareça ou compare, nesse aspeto, com
o amigo senhor “Luís da Póvoa”.
Tal ligação pessoal, levou depois, pelos tempos adiante, a
uma mais estreita atenção, a pontos de se valorizar com enfoque especial esta
terra do amigo senhor Luís, cuja carta de alforria, como se diz, remonta ao
Foral Novo passado por D. Manuel I em 1514. Há precisamente 500 anos
completados em 2014, e cuja data, no dia 21 de Novembro, foi devidamente
assinalada com uma agenda alusiva ao Foral
Manuelino. Entre diversos números, o
programa comemorativo contou com várias conferências e um “workshop” ao longo
do próprio dia, culminando com um jantar à maneira medieval no Museu da Póvoa.
Para além disso, houve uma sessão filatélica e exposição temática, no Arquivo
Municipal. Sendo fácil de ver como o senhor Luís Tomás passou esse dia nas suas
quintas…
Para o senhor Luís a Póvoa sempre foi mais que tudo. E nós
(aqui o seu amigo autor destas memorizações) ficamos por ele também a apreciar.
Ao género do que cantou a cantora-fadista portuense Natércia Maria, através do fado-canção “Ó Póvoa de Varzim”
(gravado em disco de vinil pelo ano de 1973), entoando, sob esse título a
elucidativa mensagem, sabendo-se que a praia sempre foi a maior força motriz
local:
Há muitas praias, mas cá para mim
nenhuma delas pode ser igual
à que se chama Póvoa de Varzim,
neste recanto do meu Portugal…
Mas, ainda, não ficamos por aqui no que podemos
associar à interligação que fazemos da Póvoa com o sr. Luís e vice-versa – pois
há sempre mais qualquer coisa na manga… da Póvoa.
A meio de Novembro, também, em pleno Outono de 2014,
quando a crise monetária, política e social estava a dar cabo da cabeça da
maioria das pessoas, passando o maior número dos portugueses por dificuldades
evidentes, surge na comunicação social uma notícia invulgar, dando conta duma
ocorrência digna de registo, como prova de honradez, que muito enobrece o que é
subjacente ao caracter poveiro. Que obviamente podia e pode acontecer em
qualquer lado, mas desta feita se passou na Póvoa. Tal o caso de três trabalhadores
do lixo da Póvoa terem encontrado milhares de euros, qualquer coisa que dava
sensivelmente para, pelo menos, mais de meia dúzia de salários mensais de cada
um, mas que devolveram. Tendo então a Câmara da Póvoa de Varzim distinguido os
funcionários com um louvor exarado oficialmente.
Sobre isso, descreveram assim as notícias difundidas por
agências informativas:
«Três funcionários da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim
foram distinguidos pela autarquia com um voto
de louvor por devolverem um envelope com mais de quatro mil euros que
encontraram num centro de processamento de lixo. Fonte autárquica disse à
agência Lusa que o envelope, com o dinheiro e cheques, foi detetado no meio de
resíduos, no Ecocentro de Laúndos, por trabalhadores municipais que procediam à
separação de papel. Os valores foram devolvidos ao banco a que pertenciam. O
envelope continha um depósito no valor de 4.407 euros feito pelo cliente de um
banco numa dependência desta instituição e que, por descuido, terá caído num
balde do lixo. Seguiu, depois, o trajeto normal dos resíduos até ao ecocentro.
Após os três funcionários terem encontrado o pacote, fizeram-no chegar aos
responsáveis da Câmara Municipal que, por sua vez, o entregaram à instituição
bancária em causa, identificada no envelope. O presidente da Câmara Municipal
da Póvoa de Varzim, Aires Pereira, considerou que este "tipo de atitude
deve merecer a distinção da autarquia, justificando-se a atribuição dos votos
de louvor aos funcionários Artur Alves,
Horácio Costa e José Pinheiro pela seriedade demonstrada". Segundo o
autarca, esta não foi a primeira vez que funcionários da Câmara Municipal
encontraram somas de dinheiro no meio de resíduos e procederam à sua devolução.
“Recentemente, um trabalhador dos serviços de limpeza que estava a recolher
resíduos numa casa particular também encontrou uma carteira [com mil euros] que
supostamente iria para o lixo e devolveu-a ao proprietário”, descreveu o
autarca.»
Lido isto, até parece que vemos o senhor Luís Tomás de
sorriso na boca, como quem diz: - Foi na Póvoa…!
E, em reforço do que aqui fica expresso, acresce razão às
armas identificativas, visto o brasão
municipal da Póvoa ser constituído
por um escudo azul, com uma cruz de ouro, terminada inferiormente por dois
braços de âncora de prata, rematada superiormente por um anel, do qual cai um
rosário de ouro. Enfiado no mesmo, ladeando a haste da cruz dos dois lados
entrelaçando-se no seu pé; e em chefe, um sol de ouro e uma meia lua de prata.
Além do significado… é tudo em materiais preciosos, qual matéria honorífica,
até ao listel branco com a legenda a ouro "PÓVOA DE VARZIM ". Ou
seja, ouro sobre azul…!
O que é sintetizado de modo erudito e eloquente no Hino da Póvoa composto pelo Dr. Josué Trocado (1882-1962) por volta de 1916 e inicialmente
cantado pelo Orfeão Poveiro. Como narrou Viriato
Barbosa «…na récita da festa anual fixada para a noite de 9 de Setembro de
1916, ao levantar do pano no «Garrett», o volume de som das vozes daquela massa
escura de homens, todos caras conhecidas, todos vestidos de preto
alvejando-lhes os peitilhos das camisas, ressoa pateticamente a abrir o
espetáculo com o hino…. Em 2004, o coral "Ensaio" voltou a cantar o
Hino da Póvoa no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. Em 2009, Maria do Mar (pseudónimo de Conceição
da Silva Pinto), autora de Marés (2004), apelou numa crónica num jornal local,
O Comércio da Póvoa de Varzim, ao uso mais regular do mesmo. A primeira
resposta deu-se em Setembro por parte da Junta
de Freguesia da Póvoa de Varzim, órgão autárquico menor, que decidiu
restaurar o hino, tocando-o no início de todas as sessões da assembleia de
freguesia.»
Salvé! Póvoa, terra ilustre
nossa pátria, nosso lar
tu és nosso santo orgulho
quer aquém, quer além-mar
Salvé! Póvoa, terra linda!
tu és nossa, és imortal!
teu amor revive em nós,
num afecto perenal!
(coro)
Soe um alto brado, quente
de beleza astral sem fim:
-Viva a nossa linda terra!
-Viva a Póvoa de Varzim!
(bis)
-Viva a nossa linda terra!
-Viva a Póvoa de Varzim!
Exortação Conclusiva
Para nós, uma das evidências terrestres é que fixar memória
respeitante a algo particular ou coletivo será uma forma de celebrar a vida. E,
neste propósito, essa atitude terá em conta valorização de tudo o que mereça
apreço, com discernimento de avaliação, a enaltecer na amplitude de uma
identificação. Sem fazer por menos, ainda que contado de forma leve, nas
características de narrativa contista. Mas sem aumentar nenhum ponto, terra a
terra como o amigo senhor Luís - que procuramos homenagear, pela amizade comum,
e (porque sabemos o que isso é, gostando nós tanto da terra natal), sobretudo
pelo seu amor à terra que o viu nascer, a encantadora Póvoa que nos habituamos
a admirar ainda mais através dele.
Continuou o senhor Luís Tomas a irradiar da Póvoa para o mundo
sua jovialidade e transmissora amizade. Como ele dizia na tal coluna d’ A Voz
da Póvoa: «prezo muito as amizades. Tenho amigos um pouco por toda a Europa,
África, Argentina e Brasil. Enviam-me por carta as saudades da Póvoa. Eu
retribuo o carinho e vou dando notícias deste bairro amoroso». Enquanto,
acrescentamos nós, continua a ter amigos na Póvoa e na Longra.
Em tais desígnios, de benefício cultural coletivo, cumpre-se
o verdadeiro amor pátrio, que é o apelo à terra Mátria, ao peito materno onde
bebemos o leite que nos fez crescer, pois a verdadeira Pátria é a terra onde
nascemos e a que nos toca no coração.
Daí estas histórias, separadas e que se unem, sobre ele e
extensivamente sobre a Póvoa, mais suas vivências, tomando o todo pela parte,
porque ele e a Póvoa de Varzim se fundem, ou não fosse “o senhor Luís da
Póvoa”…!
Histórias enroladas nas ondas do tempo, a deslizar pelo areal
varzinista e entrar pela terra além, com a vastidão poveira por fundo
acolhedor. Como a tradicional cantiga do folclore poveiro em suave aconchego…
“O mar enrola na areia
ninguém sabe o que ele diz
bate na areia e desmaia
porque se sente feliz”!
E na Póvoa viveu feliz, para sempre… o senhor Luís…
que é, de vez, um bom amigo, um senhor que muito honra este seu amigo, em –
como é nosso ex-líbris – também ele dar valor ao que tem valor.
= Dezembro de 2014.
(Faleceu à chegada do mês de setembro, ao
expirar o verão de 2018. Ainda uns dias antes, ao passar a sua casa, que estava fechada com a família mais chegada junto com ele na Póvoa, me lembrei
dele. Agora será uma constante recordação…!
- Descanse em paz, amigo senhor Luís.)
ARMANDO PINTO
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