Em mais um artigo do habitual teor regional e nacional que
vai saindo da pena do autor destas linhas, também, no decurso da colaboração que
se tem mantido nas páginas da imprensa concelhia, tem desta vez lugar no jornal
Semanário de Felgueiras o desenvolvimento dum tema dentro de características felgueirenses
e mais horizontes. Como se pode ler na edição impressa do SF desta semana. De
cujo espaço respigamos imagem da respetiva coluna, para registo neste local de
partilha, extensivamente com o original texto correspondente.
Coisas Nossas
Camões, o épico nacional, cantou em verso a língua
portuguesa como pátria ditosa. João de Araújo Correia, grande escritor
duriense, referiu-se ao sentimento de nação circunscrito à sua “pátria
pequena”, quanto a retalhos regionais. Porque não repararmos também em nossa
pátria pequenina, a nossa terra, afinal, dentro da região em que mais nos
revemos? E assim, então, observarmos à luz da apreciação algo que nos
caracteriza e identifica como naturais deste torrão do Douro Litoral, na
abrangência de Entre Douro e Minho, como “coisas” nossas?!
A língua pátria é efetivamente um elo de ligação entre as
diversas parcelas portuguesas e até países que oficialmente ficaram com o mesmo
idioma. Mas dentro da própria linguagem de origem lusíada, derivada do latim
entretanto, há diversas variantes na fala, ou pelo menos em formas de
expressão. Sabendo-se, como é o caso mais mediático, que o português falado no
Brasil tem um sotaque muito acentuado e o de países africanos algo diferente.
Bem como no próprio país de origem, em Portugal se conhecem alguns dialetos e
dentro da língua normal existem falares regionais, de pronúncias sui generis.
Sendo uma característica de cada qual a pronunciação de sua região, sem haver
um protótipo melhor ou pior, mas todos com suas propriedades. Inclusive tendo
seus expressionismos, como no Brasil (conforme dizem) tem disso. E tem Lisboa
seu riu, sem rir, ao mesmo tempo que noutras zonas há um rio. Tanto como, em
sentido figurado, Fernando Pessoa quis descrever como há um rio de cada terra,
através de seu heterónimo Alberto Caeiro, ao poetar que do rio de sua aldeia se
vai para o mundo todo.
Assim sendo, não há que ter qualquer sentimento menor
perante as características de uma região, seja qual for. Pelo contrário será de
identificação genuína tudo que faz ligação telúrica, relativamente à terra, na
corrente de energia que corre nessa junção. Havendo sempre qualquer coisa a
explicar ou defender a maneira mais expressiva. Tal a forma nortenha de trocar
os vês pelos bês, com afinidade da ligação histórico-ambiental da ampla região
do antigo Condado Portucalense até à Galiza, nos vínculos ainda existentes com
o falar do “pobo galego”. Desde cá abaixo do Douro até lá arriba do Minho. Tal
como outras espécies de corruptelas derivam de aspetos relacionados com
permanência de expressões latinas, tal o facto de nesta região sousã, e em mais
diversas áreas do norte do país, ser ainda dito, no falar popular, cum em vez
de com, por exemplo. O que explica alguns casos. Não sendo assim muito de modo
rústico, como se possa pensar, alguns arcaísmos, na fixação de formações
antigas.
Ora, sendo que os costumes tradicionais têm alguma relação
com características da região de tais usos, e lembrando a quadra pascal recente
e sempre viva na sensibilidade regional, pelo menos, vem a propósito lembrar um
exemplo relacionado: O Compasso, a Visita Pascal que como representação da
comunidade paroquial vai saudar as famílias às próprias casas pela Páscoa,
levando a cruz a presidir a esse rito cristão, é precisamente assim denominado,
não por andar em ritmo de compasso, embora devendo naturalmente manter a
regularidade, mas por se tratar duma andança com destino de visita, da cruz
como símbolo (a com-passo de Visita Pascal), sendo isso uma forma abreviada da
expressão latina “Crux cum passo Domine” (significando A Cruz em que o Senhor
padeceu) – conforme refere o beneditino Frei Geraldo num seu estudo. Aparecendo
aí a forma latina "cum passo", remetendo à maneira antiga popular.
Como lembra Carlos Tê num dos poemas que deram canções,
falar o dialeto da terra é conhecer o corpo pelos sinais, ou seja, ser
íntimamente familiar duma região. E não há como ser duma terra, ter uma região
que seja nossa. Sentindo-nos assim felizes, diante de quem não tenha raízes.
ARMANDO PINTO
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