De mais um artigo, dos que escrevemos para o Semanário de Felgueiras, na habitual crónica, desta vez sobre considerações em torno da necessidade de proteção à história que respeita a todos, partilhamos a respetiva coluna. Quanto ao que foi publicado no mais recente número do Semanário de Felgueiras, à página 12 da edição impressa desta sexta-feira 18 de Janeiro.
(Clicar sobre este recorte digitalizado, para ampliar e ler)
Do mesmo, para mais fácil leitura, colocamos o texto revertido conforme o original datilografado:
Honra e mérito
Refletiu J. Luis Borges, um dia, sempre imaginar que o paraíso fosse uma espécie de livraria. Como quem diz onde houvesse atrativos permanentes, quanto ao que mais sentia. E a eternidade estivesse ali à mão, na disposição do que os livros encerram.
Efetivamente os livros, entre outros materiais de impressão perene, são bem capazes de transmitir o que possa passar até ao além, transportando notícias e conhecimentos, memórias e novidades, na preservação do que mereça chegar do passado ao futuro. O que numa situação como ocorre atualmente, de crise de quase tudo e mais alguma coisa, deverá merecer ainda mais cuidados, atendendo a tudo o que encerra, qual mensagem capaz de atravessar oceanos e tempestades e num recipiente se rebola por fim na areia de costa espraiada, ao alcance do destino.
Vem ao caso a proteção memorial que deveria ser prestada à história local, de modo a que se não percam testemunhos existentes, de acontecimentos merecedores de estudo e transmissão pelos tempos fora. Ultimamente, estando-se em tempo de transição de século e consequente atenção evocativa do que se passou no anterior, pela similar conta de anos, tem havido na atualidade, por terras deste país, diversas iniciativas tendentes à memorização de factos relacionados. Quanto as transformações sociais na mudança da monarquia para o regime republicano, as questões e cisões entre a Igreja e o Estado na lei da separação e secularização dos bens eclesiais, etc. etc.. Bem como alterações urbanas, delimitações territoriais, etc. e tal. Entre exemplos demonstrativos do que foi o panorama vivido por nossos antepassados, naqueles tempos, por exemplo, como realidade que se não for registada se evapora e desaparece.
Antigamente, quando não havia televisão nem outras distrações modernas, convivia-se familiarmente à roda da lareira, e, contava-se então, ao serão, histórias que já haviam sido ouvidas e, assim, iam passando na transmissão oral de avós a netos, de vizinhos a amigos e conhecidos. Além de, nessas horas passadas em torno do fogo crepitante e alongamento do tempo ao borralho, pela noite dentro, haver ainda ensejo para pôr as conversas em dia, estalando as novidades e se atiçar o lume das andanças locais. Agora, com a pouca disposição existente, tal o ambiente derivado da crise social reinante, com tudo a andar para trás e só classes mais favorecidas poderem andar melhor com a vida, nada sendo como dantes, já reina mais o deixa andar e passa à frente, não contando outras loas, pese a facilidade de comunicações reais e virtuais.
Pode então questionar-se se valerá a pena ainda valorizar e gastar valias e energias com assuntos culturais e históricos, no sentido de apreço pela memória coletiva, no que toca ao caso. Porém, se assim (não) fosse, nada do que chegou até nós, por pouco que seja, não teria sobrevivido, pois crises sempre houve, em todas as situações, melhores ou piores, e as marés vão e vêm, com as ondas. Quão dignificante será fazer libertar da lei do esquecimento tudo e todos o que por obras valerosas se alevantam diante do bem comum. Sem nostalgia, mas ternura, no intuito de se não perder a recordação, na ideia, certa, de que depressa esquecem os que se cruzam na breve vida, sendo a existência humana quase um breve instante, um fogo-fátuo. Algo, contudo, a dever ser guardado, numa resistência digna de valorizar o que merece valimento. Qual galhardia do que foi feito e possa vir a acontecer ainda com préstimo, a distinguir com honra ao mérito.
Armando Pinto
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