sábado, 21 de março de 2020

Primavera



Chegou a Primavera. Mais uma Primavera em nossas vidas, mas uma Primavera diferente no nosso tempo. Com o raio do vírus provindo dos confins a fazer tanto mal a todo o mundo, estando agora tudo acabrunhado, distante dos semblantes anteriores deste tempo de renovação da natureza. Sendo já uma saudade os dias alegres ainda de há um ou dois e três anos do passado recente, sem ser preciso recuar muito a tempos de antanho. Olhando-se a antes, no caso das gerações menos recentes, em que por vezes havia alguma saudade no ar dos tempos da infância e juventude, quando a vinda das andorinhas era tão arreigada que até isso era associado à felicidade familiar.

Com efeito, foi mesmo um adereço simbólico a imagem de andorinhas colocadas nas paredes das casas. A partir da figura criada em finais do século XIX por Rafael Bordalo Pinheiro, através de pequenas andorinhas feitas de barro, cujo efeito nesse formato de cerâmica ele próprio desenhara. Uma peça que com o tempo foi integrando os gostos populares e durante muitos anos povoou o artesanato e imaginário tradicional português.

Tal envolvência era associada ao caso da mesma ave migratória anunciar a primavera nos seus voos de chegada e depressa assentar lugar com a construção do ninho próprio de recomeço de vida. Pois que, aquando do seu regresso a um determinado sítio, procura construir o seu ninho sempre no mesmo local onde anteriormente habitara, com o mesmo companheiro por norma. E assim a andorinha, por possuir um único parceiro ao longo da vida, assumiu um simbolismo conotado com valores como Lar, Família, mas sobretudo, Amor, Lealdade e Fidelidade.

Era pois do cenário das famílias tradicionais, outrora, haver na maioria das casas tais imagens de andorinhas, em barro pintado de preto esmaltado, a dar viva harmonia ao ambiente caseiro. Dessa forma, facilmente assimilável pela grei em virtude da sua própria identificação com a mensagem expressa, vulgarizou-se a troca de andorinhas cerâmicas entre os amantes, usadas não só como gesto de amor ou troca simbólica, mas também como uma espécie de amuleto de harmonia, felicidade e prosperidade no lar.

A vida tem destas coisas e os ciclos sucedem-se. Há que esperar que a natureza tenha força para uma renovação eficazmente sã, de jeito a voltar a dar gosto ver os dias nascerem com radiosa beleza social.

Armando Pinto