Carnaval da vida…
Numa folha de papel azulado, de linhas e marginado, como era
uso antigo na escola de tempos passados, desenhávamos uma “careta”, ao género
de máscara singela em traços simples, para prova escolar de desenho. Dum pedaço
de papel de cartucho, rasgado e aberto duma qualquer encomenda de mercearia,
nesses tempos, fazia-se depois o reforço à careta que serviria para correr o entrudo,
à maneira improvisada, entre feições de arremedos mascarados. E era assim,
antigamente, que se andava, na ocasião, a dar uma forma diferente ao dia.
Ora, entrudo na prática era o “careta”, que disfarçado
corria o Entrudo. Vindo o nome afinal do boneco, assim chamado, feito para ao
final do dia ser queimado na tradicional fogueira de extinguir o que era velho
e depois com a entrada da Quaresma houvesse reabilitação da vida. Em termos
mais intelectuais, pois na realidade era tudo a brincar e tudo servia para as
brincadeiras próprias do dia. Vindo essas e outras tradições associadas a
antiga celebração desde tempos remotos acontecida nos primeiros dias antes da
Quaresma, resultando na evolução dos tempos no Carnaval. Festa por assim dizer
de despedida temporária de se poder comer carne à vontade, sendo que
tradicionalmente o povo era então maioritariamente católico, apegado aos
costumes religiosos, e assim respeitava então os chamados dias de jejum e as
sextas-feiras de abstinência. Motivando que no carnaval, como tal, havia maior
fartura de carne nas mesas, derivando daí ser associado também ao dia o
tradicional cozido à portuguesa, de carnes variadas e iguarias de fumeiro, o
que dá um bom sabor gordo ao almoço próprio. Até mais tarde ter havido alguma modernização
exterior, aparecendo os desfiles alegóricos, nesta zona normalmente resultantes
de outros cortejos dos costumes populares de antanho.
Entretanto, estamos presentemente nos modos e feitios que se
vêm, do que ainda perdura. O tempo passou e vai passando. Todos queríamos
crescer depressa, como todos nós em crianças ansiávamos ficar grandes, mas
depois verificamos que se vê a dimensão de tudo de outro modo, pelos olhos do
pensamento, com o passar do tempo. E como um desfile em que os folgazões e intervenientes
nesses cortejos se mascaram e disfarçam, também na vida algo é assim, de certo
modo.
Escreveu um escritor famoso que “estar vivo é o contrário de
estar morto”, verdade que todos bem sabemos embora podendo nem pensar muito
nisso. Como afinal, mesmo a propósito de ter passado o carnaval ainda há dias,
vemos passar a realidade também diante dos olhos e demais sentidos. E então é
um fartar de desejos revivalistas de bons tempos. Como se pudéssemos abraçar a
vida que nos continua a povoar sonhos.
ARMANDO PINTO
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