Aproximando-se o Natal, festa da família com seu sortilégio de sempre, naturalmente pisca nas luzinhas das lembranças um manancial de tonalidades que coloriram sonhos e dão razão ao ciclo da vida. Vindo então a propósito evocar temas relacionados, ao passar no papel umas apropriadas regras. Como, mais uma vez, se procura transmitir da ideia e experiência pessoal, em mais um artigo no Semanário de Felgueiras, na respetiva edição de sexta-feira dia 15 de dezembro. Cuja crónica publicada. aqui se reproduz:
Menino Natal
Chegada a época natalícia cintila a figura do Pai Natal,
embora pudesse ser Avô Natal pela imagem e meiguice à descendência, sendo as
crianças a reinar na inocência associada. Desde tempos que lá vão, na distância
vislumbrada pela memória de quem viveu décadas atrás, quando o fascínio do
Natal era muito mais relacionado à imagem do Menino Jesus, incluindo em tal
magia as prendas serem ligadas com a figura da chamada Santa Infância. Algo que
na evolução dos tempos, contendo elementos provindos da massificação comercial,
derivou na sequência do Pai Natal mediatizado, sem contudo ser perdida
totalmente a afeição pelo que une à ternura infantil.
Com efeito, em eras passadas as prendas recebidas no Natal
pelas crianças eram atribuídas como ofertas do Menino Jesus. Tal como eram
conhecidas, embora não fossem em tamanha proporção e importância como passou
depois a acontecer. Tanto que só em famílias mais abastadas apareciam prendas
vistosas no sapatinho, conforme a tradição, enquanto em famílias médias os
petizes já ficavam felizes com qualquer coisa, e em muitas casas nem isso
acontecia. Sendo os presentes tidos pela imaginação infantil, ditada na
mensagem dos adultos, como havendo sido trazidos pelo Menino Jesus. Tal como na
idade infante aqui do autor destas linhas, em que em nossa casa ao longo de
alguns anos foi constituído o presépio familiar com imagens de barro, recebidas
aos poucos, ano a ano, nas ofertas aos membros pequenos da família. Sabendo por
isso, eu, por exemplo, quais eram os meus “brinquedos” que figuravam sobre o
musgo acastelado em lugar de apreço em nosso remanso familiar. E com muito
gosto, depois, mostrava aos amigos (havendo costume da criançada visitar os
presépios existentes pelas casas, uns dos outros, fosse qual fosse o tamanho e
vista majestática dessa espécie de encosta figurativa, diferente mas com
parecenças com a cascata sanjoanina que víamos no tempo quente)…
Verdade de então e agora, o Natal naturalmente é muito
associado ao sentimento infantil e como tal terá mais entusiasmo latente em
casas onde haja crianças. Bem que, como se costuma dizer, tem ligação de
lembrança com criança, no fogo que crepita das lareiras pelo fascínio das
prendas natalícias. Pessoalmente, no percurso da idade, enquanto menino e moço
ficou um rasto delicioso pelo Natal passado com olhos nas figurações do
presépio doméstico, mailas imagens de barro recebidas para ir completando o
acervo familiar, e depois, já com novidade de embrulhos de prendas junto ao
presépio e anexa árvore, foi mesmo um encanto a atração do Natal pelo
entusiasmo dos filhos e agora no enlevo dos netos. Sendo todos do domínio
caseiro nos sentimentos da quadra, desde os mais velhos ao mais novo, o
pequerrucho que logo à sua vinda o irmão me disse, virando-se para mim enquanto
lhe punha a mão, que se não podia estragar – como que fosse um brinquedo mais
terno que tudo o mais…
Ora, como não é preciso estar sempre a dizer de quem se
gosta, porque isso se sente, igualmente do Natal nem é necessário afirmar nada,
mas para quem sempre teve apreço pelo Natal, Natal é Natal, como algo de quem
se gosta, para a vida toda. Sem ir contra nada com estas rememorações, do
sucedido com alterações e evoluções do género, mesmo porque como se costuma
dizer coisas há que primeiro se estranham e depois entranham, em sinal
interessante. Tal como as batatas de Natal na respetiva noite têm outro sabor,
no deslumbrante aconchego da festa da família.
É pois no sentido do carinho que esta época é propícia.
Emergindo a criança que continua. Lembrando tempos e pessoas queridas, depois
que o nosso mundo foi rodando, tendo o Natal ainda outra sensação, mais,
intimamente até parecendo por efeito do descascar das cebolas para
acompanhamento às batatas da noite de consoada, vindo alguma água aos olhos do
pensamento.
ARMANDO PINTO
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