Ao toque do simbolismo respeitante à quadra da Páscoa, tilintando
nos sentidos, qual ressoo da campainha do imaginário, mais algumas particularidades
relacionadas com esta festividade pascal constam do artigo jornalístico que tem
lugar na edição desta semana do Semanário de Felgueiras. De cujo trabalho
literário se partilha aqui o respetivo texto original, junto com ilustração da
coluna publicada.
A Páscoa está aí. No esplendor do tempo ambiental de
renovação da natureza. Em época celebrativa dos acontecimentos pascais, por
associação de proximidade ao equinócio da Primavera e mistura de tradições.
Numa linha seguidora da antiga páscoa judaica, comemorativa da libertação do
povo de Israel; e na era moderna como marca da ressurreição de Cristo, segundo
o que ficou resolvido no concílio de Niceia.
Costuma-se assinalar festivamente o caso dos nascimentos,
como se verifica na celebração dos aniversários natalícios, enquanto a morte
merece recolhimento contrito, sobretudo. Porém, embora a comemoração pascal
derive da morte de Cristo, tem apoteose na Ressurreição, na fé cristã de que
Jesus ressuscitou, celebrando-se a vitória da vida sobre a morte. Rejubilando o
panorama da vivência normal, no simbolismo do dia de Aleluia, como tal.
É assim que na sua essência a Páscoa continua presente e a
ser sentida, apesar de deveras diluída na evolução da vida atual. Mantendo-se
ainda no interior norte do país, pelo menos, como é na região felgueirense,
certos resquícios dos antigos costumes da quadra em apreço. Nomeadamente como
época de reunião familiar e retorno episódico de membros das comunidades
locais, à espera do Compasso, onde ainda existe e resiste essa visita pascal.
Passada a semana santa, enquanto o ambiente sente efeitos
deste tempo de transição e o inverno está quase a dar lugar à temperatura
primaveril, chega o domingo de Páscoa. Engalanada a natureza, quão também
revigorado o ar anímico, há algo especial no dia, sob visão do Compasso, saído
da igreja ao toque festivo do sino paroquial, acompanhado da campainha, a
sineta anunciadora do andamento do grupo que traz a cruz às casas, numa
mensagem de glorificação dos valores em que se revê a própria comunidade. Cuja
atmosfera ambiental de quando em vez é alertada pelo estoirar de foguetes,
assinalando a chegada do Senhor a casas de pessoas devotas desse hábito, bem
como a dar sinal de intervalo do almoço festivo, até ao encerramento. Como
manda ainda a tradição, porque não é todos os dias que se pode festejar algo
assim: aleluia!
Se no Natal as casas são decoradas com árvores natalícias,
mais usualmente, e também ainda pelos mais tradicionais presépios, já na Páscoa
são menos mas existentes os exemplos de colocação de cruzes decoradas a dar
toque apropriado ao cenário doméstico. Assim como antigamente era costume
colocar um oratório pequeno com cena da paixão, em mesa coberta por alba toalha
de linho, na sala de recebimento do Compasso. Mesmo, como que em associação, na
arte popular havia bonecos de barro a representar quadros do Compasso, que por
vezes eram metidos entre as figuras do presépio, no Natal, junto com músicos de
filarmónicas e outras peças rústicas, também com lugar misturado nas cascatas
sanjoaninas.
Se fossemos mais aos arcanos da memória comum buscar
lembranças antigas, contava-se um rosário de recordações das épocas
antepassadas, de como era vivida a tradição dessa caminhada da cruz paroquial
enfeitada, qual festa comunitária em que se convertia a vivência coletiva.
Sendo de lembrar que tempos houve, nos inícios da segunda década do século XX
(como é da história local, verificando nas coleções da imprensa felgueirense
daquele tempo, por exemplo), em que o Compasso esteve em risco de não se realizar,
por motivos políticos, valendo então a posição de certos párocos e a vontade
popular, para que não tivesse desaparecido. Ao passo que nos tempos recentes se
vai mantendo já com muitas modificações, na perseverança física.
Passaram entretanto mais de dois milénios desde que houve
conhecimento que Cristo ressuscitou. Numa transmissão oral então difundida e
chegada viva a nossos tempos. Melhor talvez que se fosse hoje, pois na
atualidade porventura poderia ser por meio de notícias nem sempre credíveis, lançadas
por órgãos de comunicação de vasto alcance, cuidando mais do mediatismo e peso
das audiências. Enquanto na época bastou ser através de pessoas simples, mas
fiáveis, a quem foi anunciado o acontecimento, passado depois aos apóstolos e
seguidores, pela voz popular, mais rolos de pergaminho da época, com que
chegaram informações daquele tempo.
Armando Pinto
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