Como se ouvia antigamente em festas populares, e mesmo em arraias de festividades dos santos populares, perante algum encanto de atrações como os carrosséis típicos, sob ambiente sonoro a clamar "mais uma corrida, mais viagem", também assim numa volta de lembranças, vem pois mais uma viagem pelo mundo das histórias de fascínio maravilhoso. Tal o que se conta, igualmente de outros tempos, no artigo há algum tempo escrito pelo autor deste blogue para a colaboração habitual no Semanário de Felgueiras – em cuja edição de 28 de junho teve lugar. Sendo o artigo em forma de crónica misturada em conto memorando. Terminado com remate moral da história, de final de fábula. Sob o título
Trinta e um
Há muito, muito tempo, era eu uma criança…
Quão tenho ainda na ideia e vem assim nas memórias e até em canções. E, então,
andava ainda no mundo do encantamento, gostando de ler as historinhas que lia
nalguns livritos que começavam sempre por “Era uma vez”.
Ora, então, transpondo para o que ia
povoando o encanto infantil… Era uma vez um sítio onde eu era feliz e gostava
de tudo e todos. Uma terra onde as bermas de caminhos e estradas estavam sempre
limpas e tudo era bem arranjado; e que, fora das casas, à beira das vias
principais, tinha já luzes de iluminar a escuridão da noite. O que fazia com
que de vez em quando, ainda naquele tal reino de sonhos e felicidade, ouvisse,
vindo lá de fora, já pela noite dentro, um senhor a contar histórias, como que a falar com os postes
de iluminação, mas a saber o que dizia, coisas que soavam bem. Um personagem
real, afinal, mas com algum carisma de simpatia pueril.
Sempre houve figuras típicas nos mais
diversos cenários e quadrantes da vida, com aura de lembrança deixada por
razões várias. Como por vezes emergem dos arcanos das recordações, quais cromos
colecionados que vêm à memória anos mais tarde. Tal o caso, há uns anos bons,
desse senhor. Um individuo que vagueava pela área do Vale do Sousa e era
familiar na região, sendo deveras conhecido pelos seus discursos públicos, para
quem o queria ouvir. O Silva Leitão, como se anunciava, mas popularmente mais
conhecido por “Trinta e um”. Também viajante por terras de Felgueiras amiudadas
vezes, no tempo em que viveu à sua maneira.
Pessoa afável, que não fazia mal nenhum,
mas apenas não gostava de trabalhar e vivia do que lhe dessem espontaneamente,
o Silva Leitão passava regularmente pela zona de Felgueiras, em seu périplo
regular, vindo de concelhos vizinhos, e mais assiduamente parava pela Longra,
onde gostava de entrar nalgumas lojas de vinhos, vulgo tasquinhas de comes e
bebes, para depois seguir para a sua estalagem favorita, num recanto duma
propriedade dum seu amigo do Unhão, e ali pernoitava. Mas antes, porque na
Longra havia já luz pública nesse tempo, algo que ainda não chegara a outras
terras pelas redondezas, por essa altura dos tempos, ele parava junto a um
poste e por baixo da lâmpada ia falando, fazendo autênticas práticas de
oratória bem falante e de um poste passava a outro. Até que, acabando a parte
iluminada, lá seguia caminho abrindo os ferrolhos da escuridão. Quão se dizia
não ter cancelas a noite.
Era o Silva Leitão, popularmente conhecido
por 31 (“Trinta e um”). Nunca soube porquê, mas também não interessa para o
caso. Bastando que, apesar de viver como vivia, quase sem eira nem beira, era
pessoa de amigos em todas as terras por onde passava.
Dizia-se ser oriundo da zona de Penafiel e
contavam-se muitas histórias de sua vida. Sendo assim famoso por seus discursos
públicos que muita gente não se importava de ouvir e havia quem gostasse mesmo.
Porque falava bem e de modo escorreito, ao género do que aparecia nos livros de
histórias. Enquanto quem entendia melhor aquilo dizia depois serem discursos de
profecias, como quem por parábolas ia dizendo verdades. E eu a ouvi-lo, bem
aconchegado na cama a gostar do que chegava até meu entendimento.
Sei agora que, como ele discursava, os
seus devaneios da palavra seriam quase profecias do tipo Bandarra. Ao jeito das
trovas daquele sapateiro adivinho da era de quinhentos, com a diferença que o
Silva Leitão não falava de D. Sebastião em modo de profeta messiânico, mas de
temas da sociedade conhecida desse tempo, em plena época de meio do século XX,
sensivelmente. Encostava uma mão à cara para divagar e discorria em tom de
discurso muitas frases que tinham sentido e dispunham bem.
Agora, passado tanto tempo, sendo nós
adultos e ele desaparecido há muito, algumas das suas profecias, tais as do
antigo Bandarra trovador, vão tendo mesmo cabimento. Como lembra de, uma vez por outra,
ele ter dito que haveria de vir um tempo em que o que poderia parecer impossível sucederia mesmo, com tudo a voltar "ó pra trás".
ARMANDO PINTO
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