Espaço de atividade literária pública e memória cronista

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Felgueiras nos Caminhos de Santiago - Variantes Locais do Caminho Português no Douro Litoral e Entre Douro e Minho


Nas muitas afinidades e influências mútuas do noroeste peninsular, mais propriamente da Galiza e Entre Douro e Minho, por entre velho sentimento religioso e tradições seculares comuns, há ligação refletida na devoção ao santo evangelizador da Península Ibérica e nos Caminhos de antiga peregrinação ao seu santuário de Compostela. 

Desde que, em 814, foi descoberto o local da sepultura do corpo do Apóstolo S. Tiago, conforme se diz, na Galiza, e erigido em sua honra o santuário que passou a albergar o alusivo túmulo, aquele sítio galego transformou-se numa verdadeira encruzilhada ou entroncamento de povos, entre os quais os portugueses. Como peregrinos, esses andarilhos iam de terra em terra, com passagens em sítios tradicionais propiciadores de caminhos e fontes, e breves paragens em albergarias e santuários, juntando diferentes costumes e culturas, reunindo poetas e cantadores, num cenário exuberante de movimento, cujo efeito se fez também sentir em parcelas do concelho de Felgueiras. 

Emerge, no caso comum, parentesco ganho com a interligação resultante das peregrinações enraizadas por séculos de história. Com efeito, dos fenómenos sociais acontecidos ao longo dos tempos, aquelas peregrinações em demanda de Compostela, para visitar o túmulo do Apóstolo, marcaram profundamente a história e carácter da região. E os respetivos itinerários de passagem, tornados conhecidos por Caminhos de Santiago, há séculos que transportam povos e terras, desde a Idade Média, a chegar onde perdura a memória feita gente, com história e crenças moldadas nos símbolos que estão associados à sua perceção.


= S. Tiago, Padroeiro de Rande – exemplar de estatuária sacra do século XIII, com vestes e adereços de peregrino. = 

Há uma linha familiar com que o falar nortenho do “pobo” português manteve laços à maneira galega de expressão (mantendo-se popularmente no interior minhoto-duriense o b, em vez de v, como réstia da antiga cumplicidade, enquanto o mesmo b se mantém oficialmente na língua tradicional da terra céltica galega). Na mesma ideia, por assim dizer, os Caminhos de Santiago permanecem no subconsciente, bem vincados na tradição – e que o digam os poetas luso-galaicos, os etnógrafos ibéricos, os historiadores nortenhos – a partir da resistência mútua dos povos entre o Cantábrico e o rio Douro, até às viagens através de ancestrais calçadas a lajedo, que ficaram como marcos milenares de encurtamento das distâncias e fatores de unidade. 


= Itinerários dos Caminhos de Santiago em Felgueiras - pormenor ampliado do mapa abaixo publicado.

S. Tiago, evangelizador da Ibéria, foi o primeiro Apóstolo mártir e, no decurso dos tempos, o primeiro Padroeiro do reino de Portugal. Como tal aquela ideia de peregrinação ganhou contornos especiais, afeiçoada a sua devoção com lendária ajuda espiritual na guerra cristã contra os mouros. Vindo a ressaltar influência no desenvolvimento de acessos e outras condições a povoamentos locais, ante a passagem dos peregrinos forasteiros, quando foram empedrados caminhos necessários e restauradas antigas vias romanas, criadas igrejas, hospedarias e inerentes acondicionamentos, canalizando a enorme afluência humana, através de cujas sucessões se criaram pequenos priorados na passagem e comunidades que escolheram o santo para orago (conf. anotado no “Memorial Histórico...”).

= Imagem de S. Tiago, com a palma de seu martírio, em pintura no teto da igreja paroquial de Rande. =

As terras de Felgueiras também sentiram esse surto que é tido por património histórico e humano de muitas regiões afins. Dos Caminhos Portugueses para Santiago de Compostela havia vários trajetos, entre os quais alguns confluíam nesta zona por meio de caminhos antigos, que permitiam aos peregrinos seguirem na direção da Via Láctea – com passagem ao sul, do concelho de Felgueiras, por Rande ou próximo também, rumo que seguiam os que atravessavam o Douro na região de Entre-os-Rios e vinham por Penafiel ao extremo do atual concelho de Lousada, por Cernadelo; e mais a norte em Sendim (onde no correspondente percurso, junto de antigo caminho e hoje estrada bifurcada com um arruamento, próximo ao solar de Sergude, há uma popular capelinha alusiva com imagem de S. Tiago), pois que havia outros trajetos usados na região, provindos de Riba-Tâmega; e todos eles normalmente ligando a Pombeiro, em demanda do Baixo Minho. 

Assim, não está correta a sinalização recente, ilustrada com logotipo da estrela alusiva e, colocada em finais do século XX, em placas ou painéis patentes junto a estradas nacionais, já que os verdadeiros Caminhos iam por atalhos de outrora, de que ficaram réstias, como de facto se verifica nas velhas calçadas de Caramos, Rande e via romana de Pombeiro.

= Mapa dos caminhos de Santiago que passaram pela atual área da Diocese do Porto (pois que até 1881 as paróquias de Felgueiras, entre outros casos, foram da Arquidiocese de Braga). =

A tradição dessa estrada de fé, dos roteiros percorridos pelos viajantes de bordão e vieiras, noutras eras, imprime, muito para além da penitência e fé indulgente, tal qual a orientação antiga dos caminhantes pelas estrelas da galáxia, um rasto de magia cultural, uma mão cheia de recordações existenciais de tempos e modos do imaginário coletivo. 

== Atualização de crónica publicada no Semanário de Felgueiras (em artigo inserto na edição respetiva de 23/7/1999). 

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Sobre o assunto registamos no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997, diverso material respeitante, ao logo de algumas folhas, desde a página 102 até à 109 desse volume. Porque nem todas as pessoas interessadas nestas matérias terão tido conhecimento ou pelo menos oportunidade de conhecer o conteúdo desse livro, colocamos aqui, para os devidos efeitos, quatro dessas páginas, como complemento ilustrativo.





Armando Pinto 

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