Espaço de atividade literária pública e memória cronista

quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Lendas do imaginário antigo em Rande (Felgueiras)


Como ficou narrado no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, na página 430, diversas lendas povoam a memória popular das gentes de Rande desde longínquas épocas. Desde na meia encosta da freguesia, em Janarde, entre a antiga fonte e a mata da Bouça (em sítios recentemente cortados e atravessados pela auto-estrada), está enterrada uma grade de ouro, que os mouros enterraram aquando da sua fuga após a expulsão que sofrearam nas lutas travadas durante a Reconquista Cristã. Grade essa, no formato das antigas grades de lavoura, em tamanho diferente claro, que assim como outros objetos, fazia parte dum tesouro que ali ficou soterrado então, entre coisas escondidas. Por entre curiosidades diversas contadas na transmissão oral, de geração para geração em tempos idos.

Na ocasião da escrita do livro, e entretanto noutros escritos, não foram referidas outras lendas por ser assunto que pode mexer com sensibilidades e crendices. Mas, porque foram temas contados em tempos de nossos arquiavós, têm sempre algum interesse de revivalismo. Havendo, por exemplo, as lendas de "Correr o fado" e as "lendas das bruxas" que se lavavam e conviviam em certos lugares, à noite ou em dias de chuva misturada com raios de sol. Tanto que os antigos diziam que estando a chover e a fazer sol, ao mesmo tempo, estavam as bruxas a pentear-se.

Assim, diziam que havia quem tivesse visto numa presa, em que as pessoas lavavam roupa, além de sua água servir de regas de consortes (pequenos lagos antecessores dos tanques), estar um grupo de “bruxas” a pentear-se depois de terem tomado banho, ainda com partes do corpo à vista, em modos de provocar os homens. E num desses dias, um homem mais corajoso que viu isso, da janela de sua casa, deu um berro a condenar o comportamento delas; e, num ápice, como resposta elas atiraram-lhe com um pente, pelo ar, mal ele tendo tempo apenas para fechar depressa a portada da janela, onde ficou cravado esse mesmo pente, de ferro.

Outro caso era das bruxas à noite se juntarem numa outra presa, numa mata, a conviverem e a fazerem petiscadas, com danças de roda pelo meio, para atraírem homens que andassem ao brejo, como se dizia de à noite andarem na borga à procura de raparigas. Fazendo-se elas passar por moças normais. Tanto que num caso, como se contava, um rapaz foi atraído para ali com elas a fazerem um magusto e como tal com elas também comeu castanhas. Tendo, por acaso, guardado algumas no bolso do casaco, na manhã seguinte quando deu por ele e meteu a mão ao bolso deparou-se com caganitas ali metidas - como eram popularmente chamadas as pequenas bolas das fezes de cabras e ovelhas, que normalmente têm a forma de pequenas bolas secas e duras.

Outra é a lenda do "correr o fado". Ligada a seres possessos, então que eram forçados a correr incessantemente durante a noite, percorrendo locais como cruzamentos de caminhos, riachos e regatos por montes e vales. Cuja maldição era muitas vezes imposta a um filho quinto de uma prole que não tivesse os nomes dos primitivos povoadores da terra, de modo que quando nascia um quinto filho (em famílias em que nascessem cinco filhos seguidos) esse quinto devia chamar-se Adão, se fosse menino, e Eva se fosse menina. Quando havia esquecimento disso o infeliz depois acabava por ter de correr o fado, transformando-se à noite em cavalo ou égua, conforme os casos. Dizendo-se que de noite se ouvia um rasto barulhento de trote cavalar, levando o povo a deixar-se ficar em casa, ou debaixo das mantas da cama ou ao calor da lareira, com medo, sem sair fora. Enquanto a pessoa assim tolhida só se salvava disso quando houvesse alguém com coragem para aparecer e lhe quebrar o enguiço do fado, em jeito de fazer sangrar o ser corredor do fado. Acontecendo que a maldição podia ser quebrada então. Como no caso, sendo que era uma criatura transformada em cavalo ou égua, se alguém conseguisse picar ou cortar o rabo do cavalo ao quadrúpede, a pessoa possessa assim ficava salva, aparecendo nua, liberta de tudo, logo quebrando-se o feitiço.

Armando Pinto