Como ficou narrado no livro “Memorial Histórico de Rande e
Alfozes de Felgueiras”, na página 430, diversas lendas povoam a memória popular
das gentes de Rande desde longínquas épocas. Desde na meia encosta da
freguesia, em Janarde, entre a antiga fonte e a mata da Bouça (em sítios
recentemente cortados e atravessados pela auto-estrada), está enterrada uma
grade de ouro, que os mouros enterraram aquando da sua fuga após a expulsão que
sofrearam nas lutas travadas durante a Reconquista Cristã. Grade essa, no
formato das antigas grades de lavoura, em tamanho diferente claro, que assim
como outros objetos, fazia parte dum tesouro que ali ficou soterrado então,
entre coisas escondidas. Por entre curiosidades diversas contadas na
transmissão oral, de geração para geração em tempos idos.
Na ocasião da escrita do livro, e entretanto noutros
escritos, não foram referidas outras lendas por ser assunto que pode mexer com
sensibilidades e crendices. Mas, porque foram temas contados em tempos de
nossos arquiavós, têm sempre algum interesse de revivalismo. Havendo, por
exemplo, as lendas de "Correr o fado" e as "lendas das bruxas" que
se lavavam e conviviam em certos lugares, à noite ou em dias de chuva misturada
com raios de sol. Tanto que os antigos diziam que estando a chover e a fazer
sol, ao mesmo tempo, estavam as bruxas a pentear-se.
Assim, diziam que havia quem tivesse visto numa presa, em
que as pessoas lavavam roupa, além de sua água servir de regas de consortes
(pequenos lagos antecessores dos tanques), estar um grupo de “bruxas” a pentear-se
depois de terem tomado banho, ainda com partes do corpo à vista, em modos de
provocar os homens. E num desses dias, um homem mais corajoso que viu isso, da
janela de sua casa, deu um berro a condenar o comportamento delas; e, num
ápice, como resposta elas atiraram-lhe com um pente, pelo ar, mal ele tendo
tempo apenas para fechar depressa a portada da janela, onde ficou cravado esse
mesmo pente, de ferro.
Outro caso era das bruxas à noite se juntarem numa outra
presa, numa mata, a conviverem e a fazerem petiscadas, com danças de roda pelo
meio, para atraírem homens que andassem ao brejo, como se dizia de à noite
andarem na borga à procura de raparigas. Fazendo-se elas passar por moças
normais. Tanto que num caso, como se contava, um rapaz foi atraído para ali com
elas a fazerem um magusto e como tal com elas também comeu castanhas. Tendo,
por acaso, guardado algumas no bolso do casaco, na manhã seguinte quando deu
por ele e meteu a mão ao bolso deparou-se com caganitas ali metidas - como eram
popularmente chamadas as pequenas bolas das fezes de cabras e ovelhas, que
normalmente têm a forma de pequenas bolas secas e duras.
Outra é a lenda do "correr o fado". Ligada a seres
possessos, então que eram forçados a correr incessantemente durante a noite,
percorrendo locais como cruzamentos de caminhos, riachos e regatos por montes e
vales. Cuja maldição era muitas vezes imposta a um filho quinto de uma prole
que não tivesse os nomes dos primitivos povoadores da terra, de modo que quando
nascia um quinto filho (em famílias em que nascessem cinco filhos seguidos) esse quinto devia chamar-se Adão, se fosse menino, e Eva se fosse
menina. Quando havia esquecimento disso o infeliz depois acabava por ter de
correr o fado, transformando-se à noite em cavalo ou égua, conforme os casos.
Dizendo-se que de noite se ouvia um rasto barulhento de trote cavalar, levando
o povo a deixar-se ficar em casa, ou debaixo das mantas da cama ou ao calor da
lareira, com medo, sem sair fora. Enquanto a pessoa assim tolhida só se salvava disso
quando houvesse alguém com coragem para aparecer e lhe quebrar o enguiço do
fado, em jeito de fazer sangrar o ser corredor do fado. Acontecendo que a maldição
podia ser quebrada então. Como no caso, sendo que era uma criatura transformada
em cavalo ou égua, se alguém conseguisse picar ou cortar o rabo do cavalo ao
quadrúpede, a pessoa possessa assim ficava salva, aparecendo nua, liberta de tudo, logo quebrando-se o feitiço.
Armando Pinto
