Naquele tempo – não no sentido do Evangelho, mas com laivos
evangélicos – ao correr dos anos da primeira metade dos anos 60, em pleno
período algo poético e de harmonia melodiosa de já mais de meio do século XX… eram
cheios de vida os dias passados na Longra, tal o ambiente em torno da praçazinha
do pinheiro do Largo da Longra, mais a parte de cultura e recreio da
convivência na Casa do Povo e ainda os ajuntos populares nas Quatro Barrocas,
no sítio da confluência de caminhos onde entretanto foi erigido o nicho das
Alminhas da Longra, mais extensão do lugar até às Cortes Novas. Sendo ali, nas
Quatro Barrocas, que aos domingos e em dias santos e feriados, por assim dizer quando
o povo folgava, que se reuniam rapazes e raparigas em danças de roda. Enquanto
nos outros dias os moços de idade infantil, fora de tempos de aulas ou de horário
da escola, se juntavam e andavam todo o santo dia, ou pelo menos enquanto
podiam, em brincadeiras que faziam esquecer o tempo e cujas distrações só eram
interrompidas quando tocava a sirene da então chamada popularmente “Fábrica
Nova” da Longra (a Metalúrgica, que tinha tido mudanças da antiga do Largo, para a nova da Arrancada), porque estava na hora de pais e irmãos mais
velhos virem a casa comer, os que vinham, que eram os que viviam na Longra, porque
os de mais longe comiam onde calhava de alguém da família lhes ir levar de
comer. E como eramos felizes, assim, em brincadeiras que duravam pelo dia fora,
saindo de casa logo pela manhã e aparecendo depois a suar em bica para comer,
antes que algo corresse mal…
Ora por esses tempos habituei-me a ver o senhor Ferreira das Cortes Novas a
passar, de jornal debaixo do braço, bem dobrado e estimado, em direção a casa. E como eu admirava a sua
postura a andar, assim, e sua elegância de pessoa culta, que sabia de muitos assuntos pelas suas leituras do jornal diário, sempre com alguma
graça a dizer alguma coisa aos catraios, e a mim em particular desde que soube
que eu era Portista, como ele. Mas com seu caráter harmonioso a não deixar que
houvesse disputas entre rapazinhos adeptos dos vários clubes, mais por saber
que os outros eram menos e não sabiam sequer porque eram do contra, por assim
dizer. Como de uma vez que o Benfica perdeu a Taça dos Campeões (a primeira das
várias finais perdidas, portanto, em 1963) e nós quase todos vínhamos contentes com
riso aberto de ver aquilo na televisão na Casa do Povo… e um colega benfiquista
ter desmaiado. Só que nós (a gente, como dizíamos), bem sabíamos que ele
desmaiava sempre que havia vacinas e nessa tarde houvera sessão de vacinação em
série aos alunos da escola da Longra, motivo que levou a todos termos ido à Casa
do Povo, onde por norma decorriam essas picadelas com uma pena no braço. E
então juntou-se o útil, que teve de ser, ao agradável de se poder ver o jogo na
televisão. E como correu ainda melhor.
= O senhor António Ferreira junto ao seu Rancho Folclórico da Longra !
Ora, o senhor Ferreira – António Ferreira de primeiro nome e sobrenome – por esses tempos, estivera também à cabeça da fundação de um rancho local, o Rancho Folclórico da Longra, popularmente mais conhecido por Rancho das Quatro Barrocas da Longra, por ser o nome conhecido então do lugar onde se efetuavam os ensaios e inclusive se deu a primeira apresentação pública, na festa do São João do mesmo lugar. E também, entre outras facetas, ele fez algumas das letras das cantigas para as tradicionais Marchas da Longra para a festa do padroeiro de Rande, S. Tiago. Tendo uma dessas cantigas ficado mesmo como Marcha da Longra, assim conhecida.
= Um dos lados da Bandeira do Rancho...
Pois o senhor António Ferreira – que para melhor
identificação será de referir que era o patriarca da família das Padeiras, como
eram conhecidas as mulheres da casa e os filhos e o homem eram por extensão.
Com a curiosidade dele ser mesmo também dessa profissão e sua família se ter formado
por ele e a que veio a ser sua esposa terem trabalhado juntos na Padaria da
Longra. Mas isso é outra história, já aflorada levemente num outro artigo, esse
sobre a Quininha que foi também parteira de muitas gerações de crianças
nascidas na Longra e arredores. E por isso até o Rancho da Longra por vezes era
referido também por “Rancho das Padeiras”, por ter sido fundado por ele,
ajudado por suas filhas Mena e Luísa, incluindo dois filhos ainda nos ensaios
lá em casa, mais o César na verdade.
Era então o senhor Ferreira pessoa de muito respeito e que
dava respeito a tudo em que se envolvesse. Tal como ficou registado e descrito
no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras – de
cujas páginas se mostra uma das passagens referentes (para não alongar a
história aqui). Porque nesse livro historiador há mais referências ao senhor
Ferreira nas partes das cantigas, no historial do Rancho, etc. De modo que, por
meio de fotografias dessas folhas em que está resumida a biografia do senhor
António Ferreira, se pode avivar a memória deste senhor que foi figura pública da
Longra.
Armando Pinto
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