Espaço de atividade literária pública e memória cronista

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Cafés e lojas mistas entre marcas ambientais felgueirenses de 60 para 70, no século XX.


Assim como há sinais que refletem indicações relacionadas com a evolução de determinada época e marcas que delimitam e distinguem alguma relação derivada, houve certos estabelecimentos de convívio público que assinalaram um tempo e modo na sua marca existencial. Como foi com os chamados cafés, que por estes lados do território felgueirense se associam a tempos de transformação social, revezando hábitos que provinham de antigas tascas e lojas de comes e bebes, ao jeito de lojas mistas. 

= Exemplo de ancestrais valências em Felgueiras: - Um aspeto do hospital Agostinho Ribeiro, do lado de trás duma das enfermarias... (Foto do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997)

Ora, num tempo como o atual, em que também a época do confinamento provocado pela pandemia do Coronavírus/Covid-19 marca diferenças de hábitos e feições, tendo-se feito sentir a diferença de convivência e comunicação no episódico encerramento dos cafés… e agora que começa a haver algum desconfinamento com a retoma que reabre esses e outros locais públicos… vem a talhe uma rememoração evocativa também sobre esses mesmos estabelecimentos de cafetaria, alguns dos quais ficaram na memória histórica como elementos de progresso social, quais substitutos das antigas lojas de serviços diversificados.

= Imagem do exterior do café Jardim, já em inícios do século XXI e antes da última remodelação (de fotos que circulam na Internet).

Recuando aos anos de transição dos anos sessenta para setenta, quando mais se fez sentir uma rápida evolução em muitos setores sociais, e naturalmente incidindo no que o autor conheceu e se recorda (o que não invalida outros casos, dos quais quem se lembrar e conheça pode também narrar por sua vez e autoria), havia na então vila de Felgueiras o Café Albano como principal referência (existente já desde uns bons anos antes), quase a par com o Café Belém, em cada caso com clientela especial; e depois apareceu o Café Popular, que como o nome indicava passou a ser frequentado pelo pessoal mais diverso. Assim como depois ainda o café Cari, com o nome do prédio em que se inseria. Ainda os cafés eram sítios de homens apenas, não sendo habitual e muito menos normal ver mulheres casadas e raparigas solteiras a acompanharem maridos e namorados. Algo que mudou depois com o surgimento da Moderna, como era chamado o café da Pastelaria Moderna, na rua de entrada (e mais tarde conhecida por rua velha, após o rasgamento da avenida nova…). E especialmente houve um café mais especial, para a rapaziada nova e juventude estudantil, como depois ficou também a ser frequentado por gente mais seleta, por assim dizer, que foi o Staminé, do Doutor Hermínio.

= Aspeto interior do Staminé. Foto de postal da época (em cujo verso constava a legenda anexa).

Era a então vila de Felgueiras um ponto de passagem nos itinerários do interior do Douro Litoral, mas sem nada de especial a fazer paragem aos viajantes. Num limbo de simplicidade e ainda antiguidade, como se notava em edifícios com marcas temporais, por exemplo.

= Um aspeto de algo característico da vila de Felgueiras de inícios dos anos 70: Quartel antigo da GNR, em frente aos Bombeiros, ao tempo de chefia do sr. Cabo Pinto.

Enquanto isso, na Longra abria também o Café Longra, junto ao Largo da Longra. Obra do sr. “Manuel das Mobílias”, como era localmente conhecido o amigo sr. Manuel Marinho Silva. Sendo de notar que nesse tempo na estrada nacional de ligação de Lousada para Felgueiras, por exemplo, dentro do espaço concelhio de Felgueiras apenas havia algumas tabernas a beirar a estrada, bem como lojas de mercearia com serviço também de tasquinhas, as populares “vendas” de vinhos e petiscos. Havendo na Longra, já na estrada para Caíde mas logo a seguir ao Largo, a Casa do Povo desde 1939 com seu bar (mais sala de espetáculos e cinema, além do Posto Médico), funcionando ali de noite e em horas de espetáculos um centro de convívio ao jeito de café, que até ao final dos anos da década de 60 era único sítio do género nas redondezas. 

= Imagens duma loja de venda diversificada na Longra, que em tempos também serviu de taberna, mas por fim, com o último “vendeiro”, o sr. Fernando Machado, se dedicou à especialidade de mercearia (Fotos do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997).

Deparando-se então em inícios de 1970 a mudança com a abertura do café da Longra (inicialmente aberto em finais de 1969, e definitivamente ao início de 1970).

= Imagem de tempo inicial do Café Longra, com aspeto clássico de seu interior à época da fundação, em 1969/1970. (Foto do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997).

Pois também em 1970 abriu o Sataminé em Felgueiras. De nome oficial Staminé Relax-Bar, era então uma espécie de salão de chá, com serviço de restaurante “snack-bar”, funcionando também como discoteca. Uma casa que orgulhava Felgueiras, ao tempo uma pacata vila quase desconhecida do Norte, na fronteira do Distrito do Porto com as províncias vizinhas, que com aquela porta aberta passou a ser visitada por pessoas de vilas e cidades das redondezas, à vista da iniciativa do Dr. Hermínio Martins (farmacêutico e também professor do Ciclo Preparatório em Felgueiras, bem como tido por pessoa muito culta, como alguém avançado para a época no ambiente felgueirense).

= Imagem com o “Spot” publicitário da casa, constante das bases de copos (colocadas nas mesas para proteção e embelezamento), à época.

Entretanto pelo concelho depressa foram alastrando novos cafés, que entretanto ganharam estatuto e ainda fazem parte da memória de muitas localidades e suas gentes.

 = Panorâmica do Largo da Longra nos últimos tempos da “Loja da Ramadinha” (Foto do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997).

Claro que continuava e bem o Café Albano, nome popular do Café Jardim, mais a Pensão Albano com serviço de restaurante e cave com tradicionais petiscos, a marcar sua presença na sede concelhia. Sendo aliás o Café Jardim o mais emblemático da cabeça do concelho, desde que foi criado em 1948 pelo famoso senhor Albano, Albano Costa e Sousa (ao qual o autor destas linhas dedicou um artigo no Semanário de Felgueiras, há alguns anos já, cuja narrativa também foi partilhada neste blogue). Tudo em ambiente social de permeio reforçado com os restantes cafés. Como depois foi aumentando a chamada concorrência, na expansão que ao longo dos anos foi ampliando os locais de convívio.

= Sequência de imagens com o Café Longra em tempos diferentes (Fotos do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997).

Passado já meio século (quando se escreve isto) são muitas as diferenças daqueles tempos de transição social e ambiental. Algo a merecer atenção, nas marcas do tempo.

Armando Pinto
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