Espaço de atividade literária pública e memória cronista

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Casas antigas de brasileiros da cidade de Felgueiras em artigo no SF


Ao correr do teclado da memória, mais um artigo escrito do autor destas linhas preencheu algum espaço do jornal Semanário de Felgueiras, publicado esta sexta-feira dia 26. Procurando narrar algo mais da história coletiva felgueirense. De cuja crónica para aqui transpomos imagem da respetiva coluna e extensivamente, a facilitar leitura, também o texto em modo datilografado (acrescido de algumas imagens para ilustração).


Mansões de “Brasileiros” em Felgueiras

Donde trinava o pássaro sabiá, ao som gemido da popular música sertaneja, pelo sertão brasileiro e vizinhas paisagens baianas ou outras distanciadas, mais o assobio do lendário passarinho uirapuru, regressaram à pátria portuguesa, pelos idos de oitocentos e princípios de novecentos, muitos dos chamados brasileiros de torna viagem. Que mais não eram que portugueses com fortuna feita em sítios de ligação caipira e que, em vez de ficarem ao lado duma bela cabocla por ali a crestar, entre belezas das cores de terras prenhes de palmeiras e envoltas em mitologias índias, retornaram à terra de origem para ficarem de bem com a própria vida, dando largas à constituição do futuro que os fizera ir ao outro lado do mar. Tendo então construído vivendas à medida do sonho consumado, onde podiam finalmente se estender à sombra de frondosa cerca da mansão edificada no torrão pátrio.

Era e foi assim na volta dos portugueses abrasileirados pela diáspora migratória oitocentista, cuja torna à terra amada constituiu impacto na história local, à imagem do que sucedeu em diversas regiões do país. Sendo homens que regressaram do Brasil com fortuna amealhada, na vinda conhecidos por aquela denominação, e então já elevados em estatuto social. Porque os que foram mas não tiveram êxito por lá ficaram, voltando quem podia fazer boa figura.

= Uma panorâmica da antiga vila de Felgueiras em começos do século XX. Com visão a partir do antigo Largo D. Luís (mais tarde Largo da Republica e atualmente Praceta Aniceto Ferreira), em tempo que ainda não existia o Grémio da Lavoura, nem aparecia o Campo da Feira existente depois (porque à época a feira se realizava no Largo da Corredoura, onde hoje é o jardim central, de frente ao edifício da Câmara atual). Vendo-se nessa era ainda diversas casas apalaçadas de brasileiros, entre o casario da época. =

Assim foi no surgimento de casas apalaçadas construídas por portugueses enriquecidos pelo seu trabalho no filão brasileiro, ao tempo, num fenómeno de reprodução por muitos sítios e em Felgueiras também. Tendo havido dessas belas casas em todo o concelho, algumas das quais ainda se vêm altaneiras por entre a paisagem felgueirense. Enquanto na própria sede concelhia restam já poucos dos diversos exemplares de seu antigo toque ambiental, na fisionomia arquitetónica urbana da vila de outrora e atual cidade. Com destaque para a chamada Casa das Torres, mais a que na frente da mesma foi edificada depois, além da mais antiga Casa Vila Baía. Detendo estas as atenções, no caso, como mansões de arquitetura brasileira de antanho na urbe citadina de Felgueiras.

= Capa e contra-capa do livro da história da Casa das Torres e seu arquiteto, popularmente na região tido por engenheiro - como foi usual tal denominação dos desenhadores de projetos das casas =

Dessas referidas, que mais se salientam, empertiga-se à vista pública a Casa das Torres, da lavra projetista de Luís Gonçalves, arquiteto de tal construção brasileira em estilo arte-nova, mandada edificar em inícios da segunda década do século XX, pelo proprietário José Joaquim de Oliveira da Fonseca, sendo contemporânea da chegada da rede elétrica à vila de Felgueiras. Casa cujo passado já foi desenvolvido no livro “Luís Gonçalves: Amanuense-Engenheiro da Casa das Torres”, escrito e publicado em 2014 pelo autor destas linhas. Bem como existe a casa do mesmo estilo em frente, do outro lado do cruzamento das ruas, essa construída depois por Henrique Oliveira da Fonseca, irmão do dono das Torres e bairrista que em 1912 custeou o coreto da música que, desde então, dá inspiração romântica na harmonia da cabeça do concelho. Tal como mais abaixo, dentro do centro urbano, há a Casa Vila Baía, mais antiga e com trajeto residencial interessante, num passado que albergou algumas valências culturais de monta. Mandada construir em finais do século XIX por Domingos Pereira Borges, capitalista endinheirado também por seu labor na terra brasileira, em São Paulo, onde habitava quando não estava na sua casa de Felgueiras, que à morte legou a seu amigo Agostinho Ribeiro. Havendo Domingos Borges deixado à Santa Casa da Misericórdia de Felgueiras alguns bens, e a casa ao seu amigo. Casa essa a que Agostinho Cândido de Sousa Ribeiro deu o nome de Vila Baía, em homenagem à região brasileira onde ele mesmo prosperou sua vida, também. E mansão que o próprio Agostinho Ribeiro depois passou em testamento igualmente à Misericórdia felgueirense. Tendo entretanto ali funcionado a sede do Sindicato Agrícola de Felgueiras, como posteriormente serviu para ensino público do Ciclo Preparatório, tal qual mais tarde acolheu temporariamente função de Biblioteca Municipal.

= Aspeto atual da Casa Vila Baía =
                
Quanto à evolução das funções do edifício, há a registar que, em termos muitos gerais, é de assinalar que em 1920 a Casa Vila Baía, que pertencia à Misericórdia de Felgueiras, foi adquirida em hasta pública por Artur Augusto dos Santos, felgueirense nascido na Refontoura, combatente nas campanhas de África (que conduziram à prisão de Gungunhana em 1895). Cuja Carta de Venda, assinada pelo então Presidente da República António José de Almeida e pelo Ministro das Finanças Carmona Rodrigues, está ainda em posse da família Carneiro Pinto, a quem pertenceu entretanto. Tendo, em 1954, sido adquirida por Carlos Luís Carneiro Pinto, industrial, proprietário da empresa “A Têxtil da Cegonheira”, na então vila de Felgueiras. Em 1976 foi celebrado um contrato de arrendamento com o Ministério da Educação e Ciência para a instalação provisória do antigo Ciclo Preparatório, até à construção duma nova escola (como aconteceu com a edificação da Escola Preparatória de Felgueiras). Esse contrato cessou quando foi inaugurada a nova escola, ao tempo. Mais tarde foi a casa arrendada à Câmara Municipal de Felgueiras para instalação também provisória da Biblioteca Municipal. Esta relação contratual terminou com a construção da nova Biblioteca. Em 1992 a casa foi vendida ao Banco Comercial Português, passando aí a funcionar a sua agência, com os desenvolvimentos ainda do conhecimento público.

Sob olhar do tempo, tais casas permitem assim observar algo da história e relacionam pecúlio de personagens felgueirenses memoráveis. 

ARMANDO PINTO
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