Passada a quadra de Natal, ao chegar-se aos Reis, pelo dia seis de Janeiro, é tempo de alagar o presépio, como se diz popularmente. Com o desfazer daquela construção caseira a servir de final da época do encanto natalício. Mas o início de ano, no calendário festivo anual, alonga-se pelo primeiro mês adiante, com os tradicionais cantares das Janeiras, canto que a partir do dia seis passa a ser chamado dos Reis.
Assim sendo, ultrapassados os
festejos natalícios, comido o bacalhau e as batatas da consoada, com a árvore
decorativa a representar como que uma réstia do antigo cepo que ardia nos adros
das igrejas em noite de missa do galo, e com a passagem de ano, tempo de beijar
comunitariamente ainda os pés do Menino no fim das missas, chega a vez das
Janeiras e complementares cantares dos Reis. Costume de influência importante
noutras eras, teve formas variadas conforme as terras, por esse país fora, e
também no nosso ambiente concelhio. Maneira essa de convívio que mais não é que
um velho uso, deveras misturado num apego religioso revestido com sabor
popular, vulgo pagão.
Segundo estudiosos eminentes da
matéria, do que fomos lendo algures e anotando há longo tempo, essas reuniões
de grupos de amigos, familiares e vizinhos, que iam às portas uns dos outros
entoar as “boas entradas”, é uma usança derivada das “Saturnais”, festas
clássicas celebradas pelo povo romano e romanizado em honra de Saturno,
festividade relacionada com os segredos da crença popular comum à agricultura.
Folganças aquelas realizadas por alturas das calendas de Janeiro e com a
particularidade de que durante tal período desapareciam as distinções sociais.
Na antiguidade, conforme ainda
algo que chegou transmitido através de alguns estudos historiadores, reuniam-se
ranchos de gente, formando grupos de cada lugar ou famílias, os quais a partir
da noite de ano novo percorriam as casas das pessoas mais gradas a desejar-lhes
as boas festas, juntando-se por fim todos os da mesma freguesia num local
tradicional, normalmente no adro ou proximidade da igreja paroquial, acabando
ao calor do que restara do tronco da fogueira de natal a cantarem, ora ao
desafio ou todos juntos.
A respectiva campanha, conforme a
definição mais conhecida, é efectivamente uma tradicional manifestação de
cultura popular de origem pagã, consistindo em reunião de grupos de pessoas
que, no início de Janeiro, percorrem uma região, à noite, cantando pelas casas,
ao som de instrumentos tradicionais de música, e desejando às pessoas
conhecidas e amigas um feliz novo ano, por via de quadras de sabor popular. Tal
como as Janeiras são “cantigas de boas-festas por ocasião do Ano Novo”. A
propósito de Janeiro ser o primeiro mês do ano, sendo assim chamado em honra do
deus Jano (de janua = porta, entrada). Uma outra ideia relacionada, pois Jano
era como que um porteiro celestial, e, consequentemente, qual deus das portas,
que as abria e fechava, esperando-se a sua protecção na partida e no regresso.
Tido assim por um deus dos começos, Jano era invocado para afastar das casas os
espíritos funestos. Fundamentando-se, por isso, que esta manifestação tem
origem em cultos pagãos, que o cristianismo não conseguiu apagar e se foram
transmitindo de geração em geração. Por extensão, a versão religiosa
cristianizada das Janeiras é o cantar dos Reis, desde 6 de Janeiro.
Com o decurso dos tempos surgiram
transformações desse hábito, das Janeiras e Reis, por via de que resultaram
particularidades diversas. Passou a associar-se cambiante de convívio mais
restrito, com esse canto nocturno de porta em porta, dando vivas às pessoas das
casas visitadas, a ser recompensado por meio de qualquer espécie alimentar,
sendo depois essa angariação repartida por todos os participantes em folguedo
final conjunto.
A partir da noite de Reis, depois
da ceia tradicional, que nalgumas freguesias do concelho de Felgueiras, pelo
menos, metia arroz de feijão branco acompanhado de rodelas de paio, começavam
então as Reizadas, seguindo o mesmo ritual, apenas com adaptação da letra
entoada ao som dos instrumentos musicais mais acotiados.
Sendo estes cantos efectuados por
grupos de mulheres e homens adultos, acompanhados por rapazes e raparigas
jovens e por vezes também por crianças, em anos não muito distantes passaram a
ser levados a efeito mais por jovens e crianças, com o fito de receberem
donativos, conhecidos por “esmola”.
Tal tradição tem sido preservada
nos tempos mais recentes, sobretudo, pelos Ranchos Folclóricos e outros grupos
institucionais, com o propósito de angariação de receitas para a sua
sobrevivência, em vista à manutenção anual associativa, ou por comissões e
agrupamentos organizados como recolha de fundos para qualquer iniciativa de
interesse público.
ARMANDO PINTO
(Texto publicado em crónica no Semanário de Felgueiras há alguns anos e, com algumas adaptações, reservado para um possível livro futuro)