Espaço de atividade literária pública e memória cronista

quarta-feira, 26 de março de 2014

Evocação da tradição Teatral na Longra - em vista do Dia Mundial do Teatro


Nesta fase do ano, vivendo-se o período da Quaresma, era antigamente uso e costume haver, por esta altura do calendário, diversas representações populares de autos da Paixão, num misto de religiosidade e divertimento. E, na proximidade, já com a Primavera a ditar leis, comemora-se neste período, a 27 deste mês de Março, o DIA MUNDIAL DO TEATRO - criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro. Uma dotação artística que tem pergaminhos históricos na Longra - como é exemplo a representação ilustrada na imagem cimeira, reportando uma peça de teatro levada à cena no palco da Casa do Povo da Longra em meados dos anos sessentas.

Tal efeméride, da data dedicada mundialmente ao teatro, mais conhecida nos meios cénicos e entre interessados na Arte de Talma, é  assinalada na ideia de não deixar esmorecer o gosto pela representação, além de promover e reforçar essa arte cultural, que desde a antiguidade tem forma de expressão.

Na chegada de mais uma ocasião destas, para assinalar o DIA DO TEATRO e, como homenagem a esta arte que ao longo dos anos tem tido tradição na região que tem a Longra como centro cultural, evocamos algumas recordações alusivas, na senda do que há alguns anos aludimos aquando da escrita do livro publicado sobre a história do Teatro da Casa do Povo da Longra.


Assim, lembrando a obra de muitos e bons personagens  que se entregaram e se têm dedicado a tão nobre causa, eis um breve resumo da memória cénica que ciranda em tablados dos palcos da Longra, entremeado por entre uma resenha histórica do teatro em Felgueiras, conforme texto escrito pelo autor há já alguns anos e que, agora, aqui se reproduz:

Teatro Amador em Felgueiras

Decorrendo desde 1999, no Teatro Municipal de Felgueiras, um anual Encontro Teatral da responsabilidade municipal (na tradicional casa de teatro de Felgueiras, antigo Cine-Teatro Fonseca Moreira, atualmente chamada Casa da Artes), será pertinente associarem-se estas anotações revivalistas a alguma tradição da arte dramática havida nesta região, para mais uma alusão retrospetiva.

Subindo então o pano, em pancadas de Moliére frisa-se que, no caso, se trata apenas de recordar de passagem algo do que temos conhecimento relativo a essa arte recreativa, ao longo dos tempos. Evitando delongas sobre outras “comédias”. Indo ao cerne da questão, propriamente, vem mesmo de longa data a ligação do povo de Felgueiras à representação pública, desde remotos tempos em que se realizavam autos populares ao ar livre, até às récitas de amadores que ainda são recordadas passados muitos e muitos anos.
Efetivamente realizaram-se noutros tempos, em diversas freguesias, autos populares de cariz religioso, sobretudo. Pela falta de outros passatempos, o povo folgava com o que podia e, assim, eram muito frequentados tais antigos espetáculos, em especial nas quadras do ano, como autos da Natividade e da Paixão - de que servem de exemplo pormenores descritos no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”. No mesmo género, e na freguesia de que temos melhor conhecimento, obviamente, depois disso também se fizeram ainda autos tradicionais na Casa do Clube, em Rande. Também no início do século a então vila de Felgueiras desfrutou da existência da Troupe Dramática Felgueirense (registada no Dicionário Histórico de Portugal, de 1907). Mais tarde, ainda na primeira década desse século XX, existiram na zona sul do concelho representações públicas com fins beneficentes, através de denominado Grupo Dramático-musical do Instituto Escolar da Longra (de que há, pelo menos, notícia escrita de um espetáculo realizado em 1918, conforme registamos também no livro referido). Já nos anos vinte, do mesmo século passado, houve um outro grupo organizado, cujos ensaios tinham lugar no barracão da fábrica velha do Largo da Longra, com apresentações em público na mata do Sambeito, chamado Teatro José Xavier. Tempos depois essa “veia” teve sequência no Grupo Cénico da Associação Pró-Longra, com a integração do antigo agrupamento na então novel coletividade criada em 1928. Entretanto surgira um grupo na vila de Felgueiras, liderado por António José da Fonseca Moreira após o seu regresso do Brasil. Aliás a Casa de Teatro de Felgueiras inclusive foi inaugurada, em 1921, com peça teatral “Feitiço contra feiticeiro” da autoria do próprio Fonseca Moreira.
Entre diversas experiências teatrais posteriores, houve também na área sul do concelho um denominado Grupo Dramático Amigos da Longra, em 1933/34, e o Grupo Cénico Amador Amigos da Longra, este desde 1943. Tudo experiências em que se salientou sempre o cunho artístico de José Xavier, quer como ator ou no comando das operações, em que se salientaram entre essas diferentes gerações alguns bons exemplos de representação em palco, como o Dr. Alexandre Abreu e Adriano Castro.

= Aspeto parcial da assistência, com crianças de idade escolar, à época, em sessão de teatro dedicada às crianças das escolas da região da Longra, englobando as freguesias de Rande, Sernande, Pedreira, Varziela, Unhão, Lordelo e Airães, na antiga sala de espetáculos da mesma casa.

Em 1949 houve em Jugueiros um Grupo Cénico integrante da respetiva Casa do Povo, que durou algum tempo. Também por esse tempo, de finais dos anos quarenta a princípios da década de cinquenta, havia na Lixa o Grupo Cénico dos Bombeiros Voluntários da Lixa (como secção pertencente a essa associação, junto com uma filarmónica adstrita à mesma Corporação), grupo esse conterrâneo de um outro grupo cénico, existente também desde finais da década de quarenta a princípios dos anos cinquenta, o Melodramático Lixense Club, que realizou récitas na Lixa, em Felgueiras e na Longra. Bem como, em meados da mesma década dos anos cinquenta, houve uma episódica existência teatral no Unhão, por meio de cenas representadas em palcos montados ao ar livre no terreiro do antigo Hospital da Misericórdia do Unhão. E em finais da mesma década de cinquenta novo movimento se gerou novamente na então Povoação da Longra, por meio de famoso Grupo Cénico da Casa do Povo da Longra, o qual se veio a desfazer sensivelmente em 1964. Contemporâneo de grupo ligado à Comunidade Vicentina de Santa Quitéria, o qual por essa época realizou espetáculos em Felgueiras e na Longra. Ainda na década de cinquenta exibiu-se o Grupo Cénico do Centro de Recreio Popular de Barrosas, numa atividade resistente de alguns anos. Outrotanto, mais para finais da década de sessenta, existiu na sede do concelho o Grupo de Amadores de Felgueiras, a que ficou sobretudo ligado o cunho de Fernando Lira, na linha hereditária de seu pai, já que, anteriormente, esse sempre recordado Constantino Lira fora um “mestre” da Arte de Talma que fez escola na vila de décadas passadas. De tempos menos distantes há que registar existência de curta duração de grupo de teatro em Airães, nos inícios da década de 70; e novo ciclo Longrino com o “Haver” do Centro Cultural e Recreativo da Longra, existente na prática de 1977 a 80, embora ainda não dissolvido oficialmente (mantendo-se em vigor os estatutos escriturados e faltando prestação de contas, para a natural dissolução, ultrapassados tantos anos...). Passada uma década foi a vez do Grupo Infanto-juvenil de Teatro do Futebol Clube da Longra, surgido em sequência de Programa de Apoio ao Associativismo Jovem na Ocupação de Férias, em 1990. Seguiu-se o Grupo Infantil de Teatro da Casa do Povo da Longra, em 1995, depois suspenso e fundido volvido um ano como Grupo de Teatro da Associação da Casa do Povo da Longra, instituído em Junho de 1996, o qual integrando jovens e adultos teve a sua estreia em espetáculo de 14 de Dezembro do mesmo ano, mantendo-se presentemente em atividade regular. Grupo que a partir de 2004 passou a organizar, por norma de dois em dois anos, o Encontro de Teatro da Associação Casa do Povo da Longra (embora em 2008, pelo menos, devido a desentendidos da Direção da Associação nessa época, a realização não contasse com a participação do grupo da casa, sendo presidido pela referida mesa diretiva da Casa do Povo). Entretanto surgira com vínculo municipal o Teatro-Oficina Fonseca Moreira, em 1998, no qual se salientou Fernando Maia. Através do qual a Câmara Municipal, desde 1999, foi realizando o anual Encontro de Teatro de Felgueiras (como se referiu, logo no início desta crónica). E posteriormente, em 2002, com a abertura do Centro Paroquial respetivo, também, o Grupo de Teatro da Pedreira apareceu em cena. Como em 2004 se estreou na ribalta de Felgueiras o Grupo de Teatro Pés na Lua, por via do entusiasmo de Cristiana Rodrigues. Assim como em 2008, graças à iniciativa do P.e Benjamim e ao empenho do escritor Nuno Higino, nas suas vertentes de autor e encenador teatral, foi criado o Teatro Infantil Maçã Vermelha, ligado à Paróquia de Margaride. Até que, no mesmo ano, surgiu o Grupo de Teatro MacPiremo, das paróquias de Macieira da Lixa, Pinheiro, Moure e Refontoura.

= Elementos do Grupo de Teatro da Casa do Povo da Longra em desfile de Halloween pelas ruas da Longra, nos inícios da organização genuína da Noite das Bruxas que se enraizou mais tarde noutros moldes.=

Há assim, com efeito, tradição da arte dramática nesta região felgueirense, podendo até ter eventualmente havido mais casos - de que não chegaram ao nosso conhecimento notícias escritas ou por via oral. Importa contudo vincar a apetência conterrânea por esta diversão artística sempre muito apreciada localmente, entre outros valores culturais dignos de nota. Que, como tal, se procura memorizar neste espaço de evocações, pois tudo o que tenha feito parte e seja da habituação do povo será sempre de recordar. Contando que isto de tradições vai muito para lá de usos e costumes com sabor popular de eras distantes por demais.

Animação Cultural da Longra

Na comédia da vida, em busca da defesa de tradições e afeições, ainda vai havendo movimentos associativos vocacionados a catalisar dedicação a causas públicas, visando uma maior união em torno de valores próprios da identidade de uma região, a propósito de passatempo e enriquecimento cultural da população em geral.
É o que se passa na Longra, antiga povoação e atual centro da vila de seu nome, de tradições culturais individuais e coletivas, onde emerge a Associação da Casa do Povo da Longra – que, através das suas secções de Folclore, Teatro e Cicloturismo, dá mais vida à área de ação em que se revêm as terras circunvizinhas.

= Presépio monumental, construído na Casa do Povo da Longra durante a quadra de Natal de 1999, através de mais uma organização do Grupo de Teatro da instituição-sede. Na imagem vêm-se os autores, também, da respetiva edificação artística. =

Ora, tendo a Longra, centro da região sul do concelho, conhecidas tradições de animação social desde tempos remotos, sentiu de há anos a esta parte tentativas de revitalização desses pergaminhos, após tempos de estagnação coletiva. De que resultou, na esteira de agrupamentos antepassados, após reabertura acontecida em 1994, existirem presentemente na Casa do Povo da Longra, no âmbito da animação cultural, o Rancho Infantil e Juvenil e sua extensão do Grupo de Cavaquinhos, mais o Grupo de Teatro, nessa senda.
O Grupo de Teatro da Casa do Povo da Longra pode até vangloriar-se de ser o agrupamento cénico mais antigo do concelho, pese a sua relativamente curta existência na atual fase organizativa. Com efeito, desde Junho de 1996 que se mantém a atividade do atual agrupamento comediante, na mais recente versão da atividade dramática que deu sequência a anteriores coletividades do mesmo ramo artístico, juntando naipe de jovens e elementos adultos, através de cuja união se formou um conjunto coeso no mesmo denominador comum da arte de Talma.

 
= Uma das actuações do Grupo de Teatro da Associação Casa do Povo da Longra, no momento de representação no âmbito do programa comemorativo dos 60 anos da instituição-sede, em 1999. =

Armando Pinto
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