(Em homenagem a esse admirador do "corredor" Moreira, ao admirado grande ciclista Fernando Jorge Moreira e ainda a bons tempos de outrora...!)
Chegado o pino do Verão, quando os dias se tornam calorentos na pachorra estival, por norma é tempo de Volta a Portugal, passando o país a ser percorrido pela prova ciclista que se tornou conhecida e apreciada, saindo o povo até às portas das casas para ver passar os corredores, naquela correria que por estes dias tem espaço nos meios de comunicação social.
Nos tempos recentes com menos impacto, devido a ter diminuído a atração desde que os clubes portugueses de maior nomeada deixaram de ter equipas de ciclismo, o desporto das bicicletas de corrida ainda detém alguma atenção; muito menor, porém, que antigamente, quando a época veraneante tinha na Volta o corolário da temporada desportiva, enquanto o futebol estava de férias.
Estando-se então neste coincidente período, pese as distâncias entretanto verificadas, a memória pessoal recua a tempos de esplendor dessas corridas. Qual passarinho batendo asas e levando-nos a tempos de outrora, sem sairmos da frente do teclado em que damos largas a estas memorizações. E, porque num dia destes, estando a digitalizar algumas fotografias para enviar a uma prima amiga, me veio à ideia algumas destas recordações, vendo a cara de um tio que há muito já partiu deste mundo, mas enquanto por cá andou não foi só por ver os outros andarem.
Ora esse meu tio era um apaixonado pelas corridas de ciclismo. Um tio materno com quem sempre mantive uma proximidade interessante, entre os tios que tive, dos quais já não resta nenhum vivo. Sendo ele muito próximo de sua irmã mais nova e minha mãe, vinha muito a nossa casa e, pelo menos, aos sábados era certa a sua presença para duas de conversa e o que mais houvesse, entretanto, para dar que fazer à boca. Numa boa disposição contagiante, como pessoa afável, risonho e muito dado às pessoas de que gostava. Acabando por sempre vir à baila o tema do ciclismo, comigo sobretudo, um dos sobrinhos mais novos, em conversas que andavam para trás e para a frente, sem muito saírem do mesmo, que era ele recordar o Fernando Moreira, o seu grande ídolo de todos os tempos, e puxar pelo que eu sabia, interessado por tudo o que fosse assunto desportivo… do F C Porto. Mesmo sem eu ser desse tempo, de antigamente, como ele dizia e mais lhe interessava, mas por aqui quem recorda estas facetas gostar de andar a par de tudo, para não jurar nada falso.
Fernando Moreira, era o grande ciclista do F C Porto que em finais da década dos anos quarenta encantava o país, havendo em 1948 vencido a Volta a Portugal, com uma perna às costas, no dizer do meu tio. E só não ganhara mais Voltas por azares, nuns casos, e noutros por ausência, devido a ter corrido pelo estrangeiro, no Brasil e Marrocos, especialmente. Mas vencera ainda algumas clássicas e outras provas do calendário do ciclismo português. E, esse meu tio, idolatrava o Fernando Moreira sem nunca o ter visto de perto e julgo que nem de muito longe, ao certo. Ele era um acérrimo admirador desse corredor que apaixonava multidões, nesses tempos de outrora e como tal era figura pública que gerava entusiasmo por todos os lados. Contando meu tio peripécias que ouvira sobre ele e pelo que andava em romances de cordel, duns panfletos que em tempos antigos se vendiam nas feiras. Nutrindo aquele meu tio uma grande simpatia por esse nome sagrado, como entusiasta de suas façanhas. À maneira do que hoje se considera no conceito de fã, aportuguesando o inglesismo fan, admirador do Fernando Moreira como era aquele meu tio.
Pois com ele, era sempre o Fernando Moreira isto e o Fernando Moreira mais aquilo, apesar dele ter deixado de correr há muito, já nesse tempo. Mas, mesmo assim, quando passavam corridas de bicicletas por aqui, à nossa porta ou perto, onde víssemos, ele, que não faltava nunca e postando-se à minha beira, incentivava os corredores gritando pelo Fernando Moreira… Quase como como grito de guerra, seu talismã.
Era Portista, por mor do Fernando Moreira, mas não acompanhava nada de futebol e outros desportos, apenas gostando que o Porto ganhasse. Parecendo-me, talvez, por ter alguém de ganhar, para si, que fosse o Porto. Enquanto nas bicicletas já era outra conversa, andava sempre a perguntar-me quando passava alguma prova pela região, e, por isso, eu mal soubesse de alguma possibilidade e de algo interessante, que fosse, me apressava a dar-lhe quaisquer boas novas que pairassem no horizonte. Gostando muito que eu lhe falasse nas vitórias do Mário Silva, do que esperava do Joaquim Leão, das esperanças no Zé Azevedo (que andou de amarelo vestido numa Volta que passou por aqui, na Longra), em como confiava no Gabriel Azevedo, etc. e tal. Até que, de permeio, começou a aparecer o Joaquim Agostinho, de quem se falava e ouvia muito, e ele passou a gostar também desse, apesar de ser lá de baixo, como dizia. Chegando a esquecer tudo o mais no período áureo do Agostinho. Embora mais tarde, quando aconteceu o primeiro caso de doping e lhe foi retirada consequentemente a vitória da Volta ele, o meu tio, esmoreceu nessa atração. E quando Agostinho perdeu uma segunda Volta, pelo mesmo motivo, anos depois, fiquei com ideia que isso já nem o arrefeceu sequer.
Antes porém, quando Agostinho andava ainda incólume na dianteira classificativa da Volta, o meu tio pôde concretizar o anseio de ver em carne e osso um dos seus ídolos, das corridas de bicicletas tão de sua paixão.
Pois então, numa bela manhã de finais de Julho, em pleno dia da festa paroquial da nossa freguesia, a Volta a Portugal passava na Longra. Depois de muito combinarmos, nas muitas vezes que falamos e repisamos sobre o assunto, acertamos nosso combinanço de vermos a Volta a nosso jeito. Ele, na sua estrutura ainda bem conservada, por volta aí dos seus sessentas e tais anos, ou mais, nem faço ideia já sequer (nesse tempo tudo parecia diferente, visto numa perspetiva juvenil), e eu nos meus 13 ou 14 anos, ou coisa parecida, postamo-nos em sítio onde pudéssemos ver tudo bem visto. Sem arrear pé, estivemos a ver o tempo passar. A missa da festa do S. Tiago, nesse dia, era lá em cima, a meio da encosta de Rande, mas era na Longra, no vale da zona ribeirinha do rio Sousa, que se estava com fé, na ânsia de ver os nossos corredores. Só que nesse ano a etapa vinha no sentido da descida de Felgueiras para a Longra, e os corredores passavam ao baixo, a descer, conforme viemos a ter de dizer mal de nossos pecados.
Nesse ano o Agostinho já andava com a camisola amarela, na ocasião, tendo-lhe eu colocado isso como ponto de referência, a meu tio, visto que por minha conta os olhos iriam procurar outras cores. Passado tempo que pareceu infinito, assistimos enfim, todos lampeiros, à passagem dos carros da caravana, vimos homens da televisão e jornais também a passarem, e de imediato reconhecidos publicamente ( - olha este… ai aquele…), tal qual meios publicitários e outras curiosidades móveis… e por fim, após polícias de motos todos emproados, lá vinham os ciclistas… em fila os primeiros, mas de resto os mais juntos, todos juntos, por junto, em longo grupo compacto.
Em pelotão, assim, num ápice, tudo passou de repente, à nossa frente, diante dos olhos, com tudo a monte, então, nem dando tempo de escolher de que banda e para que lado havíamos de virar a cara. Eu ainda reconheci o Mário Silva, lá no meio, entre os demais. Mas ele, do Agostinho nem sombras, nem sinais, não viu nada. Quer dizer, não foi bem assim… pois ele, meio admirado e incrédulo, posto isso, depois de ficar a olhar a estrada ainda desconsolado, virando-se para mim, de cara franzida, acabou por me interrogar:
- mas então era só um Agostinho ou eram mais? Eu vi mais algumas camisolas amarelas assim de repente… (deixando-me de boca aberta, até logo perceber: Pois, pudera… nesse ano, na Volta, andava lá uma equipa, da Ambar, tal o nome da firma, por acaso, com camisolas que também eram amarelas)!
Contudo, ainda, como vinham alguns ciclistas atrasados, passando uns, depois outros, ali e assim bem lançados na tentativa de recuperação, logo o meu tio esqueceu tudo e tratou de os incentivar… gritando: ei, Fernando Moreira!!! E continuou a bater palmas, como quando, em jovem, o Fernando Moreira papava quilómetros e, como grande vencedor, era cantado por todo o país.
Foi essa cara, do meu tio, bem mais bem disposta, naturalmente, que recordei por estes dias, e aqui homenageio, relembrando sua fisionomia na foto que encima o artigo. Estando na imagem junto a meus pais, reportando-se a instantâneo do dia do casamento do autor destas linhas.
Era o tio Quim de Janarde - assim o conheci e tratávamos, acrescentando o nome do lugar onde vivia – o meu tio Quim, grande fã do Fernando Moreira.
Em sua memória, recordamos, aqui e agora, o célebre Fernando Moreira, através de algumas fotografias correspondentes a alguns dos seus triunfos, cujos clichés distribuímos ao correr do texto; e, por um recorte coevo de imprensa, em especial, por fim, rememoramos a vitória do Moreira do Porto na Volta a Portugal – conforme registo da revista Stadium, em seu nº de 18 de Agosto de 1948.
Armando Pinto
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É Fernando Moreira. Os grandes ciclistas, dos tempos que não havia doping, jamais serão esquecidos. Optimo texto, grande recordação. Literatura e história, como só aqui. Bem hahja.
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