Espaço de atividade literária pública e memória cronista

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Lembranças da "Codizo/Sozé" e relance memorial sobre história da indústria de calçado felgueirense


Encerrou por estes dias uma importante fábrica da Longra, a antiga Codizo, atualmente com nome do grupo Sozé. Desaparecendo assim uma histórica firma com papel deveras assinalável na ambiência da Longra e zonas envolventes, dentro do concelho de Felgueiras. Tal como sucedera no início da década dos anos oitentas com a algo gigantesca Metalúrgica da Longra, e mesmo a Prelmo, como posteriormente algumas fábricas de menores dimensões, quer serrelharias, como algumas pequenas indústrias de calçado (embora destas, nalguns casos, sem tanto impacto, derivado a reduzida produção e número de trabalhadores empregados, até quase sem os respetivos nomes terem chegado a ser do conhecimento público generalizado).

Assim sendo, a segunda semana de abril desenrolou-se de modo algo aziago para o setor do fabrico de calçado em Felgueiras, pois também no mesmo dia em que os trabalhadores da Codizo/Sozé recebiam os impressos para o Fundo de Desemprego, era conhecida publicamente em notícias jornalísticas a liquidação da fábrica Abreu e Abreu, de Barrosas-Idães, outra importante empresa do calçado de Felgueiras.  


A Codizo/Sozé começara na Longra como “Codizo”, em 1985, no edifício da extinta Prelmo, antiga fábrica de  metalurgia junto ao rio (e como tal em tempos popularmente referida por Mit Rio, cujas instalações se vêm à distância na foto, acima). Embora então a Codizo estivesse com ligação à fábrica Sozé, iniciada ao correr de 1976 em Cimalhas-Sernande e depois transferida para Lagares e por fim S. Jorge de Várzea, onde esteve durante muitos anos. Até que em 2016 se fundiram as duas no Grupo Sozé, na fábrica da Longra, entretanto detentora da Dkode, marca de calçado que calcorreou os maiores e mais prestigiados certames mundiais do setor. Até que neste mês de abril de 2018 deixa de laborar, por dificuldades de manutenção.


Independentemente de tudo (que não cabe aflorar por quem não está por dentro do assunto, obviamente), além que na parte social a situação vai sendo remediada – visto a maioria dos trabalhadores já terem seu futuro solucionado, segundo voz corrente – o que vem ao caso, neste espaço de memorização, é a fixação do que representou para as sucessivas gerações de pessoas que trabalharam nessa empresa, entre quem ali conheceu primeiros tempos de convívio e posterior conhecimento da envolvência para o meio local. E fica a perdurar, na memória coletiva.


Como lembrança, recorda-se aqui alguns “flashes” históricos de tempos passados, através de fotografias de excursões e confraternizações entre colegas de trabalho e família. Juntando páginas do livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, como testemunho de como até 1997 estava.



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Na pertinência do caso, diante do desaparecimento de fábricas de sapatos no concelho de Felgueiras e particularmente nas áreas da Longra e de Barrosas, é oportuno relembrar algo de história relacionada com o setor, deitando mão a um texto também do autor destas linhas, em tempos publicado no jornal Semanário de Felgueiras, que agora se atualiza: 


Um pouco de história correspondente: Cabouqueiros da Industria Felgueirense do Calçado

Remonta aos tempos dos mestres sapateiros a manufatura felgueirense de calçado, cuja história merecerá aqui ser recordada, ainda que numa abordagem sintética. A propósito de justa alusão a alguns dos mais conhecidos pioneiros e continuadores deste ramo produtivo da economia local, com relevante papel no crescimento estrutural concelhio.

Nestes moldes, sem contar eras muito recuadas, quais correias do calçado das botas, sandálias, soco e coturno dos guerreiros de antanho que também por estas terras andaram, depois os sapatos e botins fidalgos de velhas burguesias, mais ancestrais botas grossas de guerra, socos de campo, botas rurais, chinelas e outras modas por demais antigas, a memória da feitura de calçado em Felgueiras recua a época sensivelmente aproximada do começo do século XX, ao fabrico artesanal doméstico, saído de mãos dos obreiros dessa arte.


Eram então acotiadas lojas de sapateiro onde se fabricava manualmente todo o tipo de calçado por trabalhadores abancados, ou seja sentados em bancas, a cozer com sovelas as linhas ensebadas, cuja ferramenta se dispunha à sua frente ou no meio de todos em “ofícios”, pequenas mesas compartimentadas, para as tachas, turquesa, martelo, pé de ferro, moldes de cartão, formas de pau e demais apetrechos; além de oficinas de tamanqueiros, em cuja produção se salientavam tamancos de mulher, socos de lavrador e chancas de rapaz. Casas de mestres-sapateiros espalhadas pelas freguesias, nas quais se fazia de tudo o que aparecesse de encomendas particulares, do que dependiam diversas famílias, porque abundavam operários a trabalhar por conta do mestre, o dono da loja, quantas vezes em continuidade hereditária. Extensivamente alguns dos antigos empregados que aprenderam o ofício nessas condições, em casa dos patrões, foram-se, entretanto, estabelecendo por conta própria nas suas terras ou localidades vizinhas, onde viviam ou fixaram residência.

Nessa altura, predominando o fabrico de botas de pneu e chancas em regime de tarefa, não havia horários de trabalho propriamente e os artesãos eram mal pagos, pouco dando para o natural sustento. O próprio meio ambiente era maioritariamente típico em pobreza material. Havia então pequenos industriais com dois ou três empregados, dos quais apesar de muito esforço, condicionado à maneira artesanal, resultava escassa produção diária de pouco mais que um par por dia laboral de cada trabalhador. Entretanto com a guerra (como o povo chamava simplesmente à sequência da Guerra Civil Espanhola e à 2ª Grande Guerra Mundial) sobrevieram piores dificuldades com a falta de peles verificada, sendo então atribuído a cada negociante senhas para levantamento de matérias-primas, provocando luta de sobrevivência e consequente mercado negro. A procura local do produto acabado não era muita, pois que, excetuando os fidalgos ricos e comerciantes remediados, o povo comum andava descalço por norma, usando calçado apenas em dias e momentos especiais. Ajudou ao necessário desenvolvimento a lei da proibição do pé descalço, saída em meados da década de cinquenta, embora sem plenos resultados até finais desses anos nas zonas rurais. Porém no decurso do tempo vingou a obrigatoriedade de todos andarem calçados e apesar de na região a maioria andar usualmente de socos ou alpercatas, a nova situação permitiu que os industriais desta região pudessem começar a vender calçado para fora de portas, passando a deslocar-se até outras terras e, sobretudo, feiras, escoando assim o produto e por inerência podendo aplicar lucros e efetuar pagamentos. Além de que se iniciou também na época algum envio de artigo fabricado para as colónias ultramarinas, de permeio com aquisição no estrangeiro de primeira maquinaria e componentes para laboração modernizada. Foi então que começaram a ser fabricados na região sapatos por meio de máquinas, inicialmente em processos algo imberbes e paulatinamente alastrando a produção, de calçado grosseiro e fino, entrando pela década de sessenta com algumas oficinas avantajadas, em nítido desenvolvimento.


Eram tempos de homens embrenhados na laboração e mercado desde crianças, que cresceram a aprender à sua custa esse modo de vida, industriais pioneiros que ficaram na retina da memória como representantes do arranque da produção industrializada, entre os quais será de lembrar uns Joaquim Ribeiro, António Gonçalves, João Cunha, Alexandre Sampaio (Osório), Adolfo Martins, Amadeu Gonçalves, António Freitas Guimarães, António e Carlos Castro, António Carvalho Dias, Joaquim Clemente Freitas, Teófilo Faria, Granjo, Alberto Cunha, Avelino Pereira, Martins Coelho, etc. embora de per si distribuídos por gerações diferentes.


Até que, chegada a década de setenta, perante viabilidade de novos mercados e melhores condições organizativas, se expandiu a produção em série, com saliência de mão-de-obra feminina a equiparar-se e até a superar a masculina, numa conjetura fortalecida por inerência de surgimento da exportação como ovo de Colombo. Apareceu desde aí gente dinâmica numa nova vaga patronal, de que se poderá referir, por exemplo, uns Cunha Melo, Mário Cunha, José Guimarães Sampaio, Artur Guimarães Sampaio, Carlos Martins Fonseca, Álvaro Costa, Eduardo Coelho, Teixeira Pinto, Benjamim Rodrigues, António Manuel e Alberto Abreu, Jorge Pinto, Joaquim Ferreira Pinto, Jorge Moreira, Adriano Marinho, etc. etc., entre tantos outros empresários de sucesso que travaram percurso ascendente gerador de desenvolvimento para o modo de vida de Felgueiras, como é do conhecimento público de experiência feito. Até à nova vaga, ainda em ação.

= Instalações da antiga SIC-Fábrica de Calçado dos Carvalhinhos, ao tempo da remodelação que deu a sua fisionomia mais conhecida. E anúncio numa publicação dos anos setentas =

Houve entretanto alguns casos de sucesso, no auge da produção de calçado no concelho de Felgueiras e exportação, que mais tarde não tiveram longevidade. Como aconteceu com a fábrica de calçado SIC, Sociedade Industrial dos Carvalhinhos, de Margaride, uma das pioneiras empresas industrializadas do fabrico em série no concelho, de iniciativa do empreendedor felgueirense dos anos cinquentas e sessentas sr. Teófilo Leal de Faria. Fábrica que, segundo se diz ainda hoje, foi uma escola e manancial de laços de convivência e amizades frutuosas, depois passada ao sr. Avelino Pereira e que no decurso dos anos não resistiu, tendo desaparecido sensivelmente na transição da passagem para o século XXI. Entre outras firmas de antanho, entretanto extintas e que deram lugar a novas empresas ou simplesmente morreram. Bem como a Abreu e Abreu, de Idães, por exemplo, das mais recentes. E ainda a Codizo-Empresa de Calçado da Longra, L.da, implantada em Rande ao início de 1985, na Longra, mas integrante do Grupo Sozé sediado em Várzea (depois tudo agregado nas mesmas instalações da vila da Longra em 2016). Que veio a terminar com o encerramento verificado em 2018. Tal qual, na mesma semana veio a público caso anterior da fábrica Abreu e Abreu, cuja liquidação foi conhecida aquando do encerramento da Sozé. Como antes se verificara já com outras empresas, e às tantas haverá outras mais em ocorrências similares, perante o estado da nação desde há anos, como se tem notado.

= Aspeto da fábrica Codizo-Empresa de Calçado da Longra, nos seus tempos iniciais, antes da ampliação depois edificada. =

Contudo, mantém-se para já o ambiente do potencial resistente, derivado de todo o percurso empresarial advindo de épocas áureas.  

Tem créditos existentes ainda, enfim, o panorama do fabrico do calçado felgueirense, através do labor empresarial, qual força a arrastar o progresso, propriedade de fama e proveito, tendo sido e ficado a indústria respetiva  a liderar o sector da economia transformadora concelhia, com direito de Felgueiras ao título de capital do calçado ora considerada.

ARMANDO PINTO 
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sexta-feira, 6 de abril de 2018

Felgueiras n’ “O Minho Pittoresco” em 1886 – Narrativa da época (aqui numa parte) …


A grandiosa obra “O Minho Pittoresco”, publicada em 1886, deixou à posteridade curioso, interessante e precioso relato sobre as terras da antiga província do Minho, a que Felgueiras pertencia, por essas eras em que até ainda se escrevia com duas letras seguidas nalgumas palavras – como no caso dos dois tt em pitoresco.


Desse volume, narrando o que o autor José Augusto Vieira presenciou e estudou em viagem pelas terras da área minhota, ao tempo, deitamos olhos ao capítulo sobre Felgueiras, por motivos naturais. Do qual, detendo atenção na parte sul e arredores, se coloca aqui as correspondentes primeiras páginas.


Armando Pinto
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quarta-feira, 4 de abril de 2018

Algo sobre a Imprensa felgueirense


Ao jeito de homenagem a mais um jornal desaparecido do meio informativo e cultural do concelho de Felgueiras, bem como de aplauso aos que ainda se vão mantendo, dá-se vez neste espaço de memorização à partilha de alguns dados relacionados com a existência de jornais por terras de Felgueiras.


Tendo deixado de ser publicado recentemente O Jornal da Lixa – que se despediu dos leitores por ocasião do passado Natal, em 2017 – fica agora apenas o Semanário de Felgueiras e o Expresso de Felgueiras a dar novidades escritas e a pugnar pela informação e ação cultural, atinentes à memória coletiva. O Semanário de Felgueiras a chegar às caixas de correio dos assinantes e às mãos de restantes leitores três vezes por mês, ou seja em três semanas de cada mês, com uma semana de interregno e descanso; enquanto o Expresso de Felgueiras vai publicando na Internet notícias de vez em quando e em edição de papel chega aos leitores mensalmente (pelo menos, segundo os respetivos números que têm sido vistos pelo autor destas linhas). Quais andorinhas a levar a primavera da atualização noticiosa e narrativa aos interessados em saber sempre mais.


Em vista disso, recordamos agora um artigo com que em 2003 ficou descrita a história da imprensa jornalística felgueirense (na revista comemorativa do 13º aniversário do Semanário de Felgueiras) …


Assim sendo, passados anos, agora que o SF vai nos seus 27 anos de vida, recorde-se como era o panorama dos jornais em Felgueiras aquando da comemoração dos 13 Anos do Semanário.


Posto isto, dá ainda para recuar à visualização dum catálogo elaborado aquando de recente exposição apresentada na Biblioteca Municipal de Felgueiras, agora com algumas anotações pessoais de atualização e complemento, mais outras imagens de acrescento – em nome do interesse coletivo.


Armando Pinto

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terça-feira, 3 de abril de 2018

(Algumas) Fotos Históricas da Longra


Como Abril é tempo de águas mil… também foi mês de acontecimentos relevantes na vida local. Como no exemplo da criação oficial da Casa do Povo da Longra, em 1939. 

A propósito, relembram-se aqui e agora factos de eras antepassadas, através de fotos antigas que dão imagens duma sessão de cinema para as crianças das escolas da região, na sala de espetáculos do edifício inicial, depois entrado em obras, entre 1964 a 1966; cuja remodelação, por fim, teve solene inauguração em 1969 – como a sequência de imagens deixa recordar a quem é desse tempo e dá a (re)conhecer às seguintes e novas gerações.


Armando Pinto
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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Compasso Pascal de Rande / 2018



Mais um dia de Pascoa passou, na linha tradicional, em mais uma página da vivência comunitária. Passando a ser mais um decorrido dia de festividade anual, entre bons costumes que continuam a fazer parte das sucessivas gerações. Pois, tal como nem só de pão vive o homem, também a vida deve ter razões naturais, de complemento ao sentido espiritual.


Então, este domingo de Páscoa passa assim a ser algo mais de recordação, já. Tendo, felizmente, havido mais uma Visita Pascal, na realização do costumado Compasso. Cuja realização na paróquia do autor destas linhas, em S. Tiago de Rande, desta vez foi levada a efeito através de um grupo de jovens, primos, em satisfação de vontade de seu avô, falecido entretanto, por os netos saberem que era gosto do avô "andar com o Compasso” – como por algumas vezes aconteceu, antes. Numa louvável iniciativa, esta ação, que garantiu a manutenção de tão antiga tradição.  


Também na linha que aqui tem sido uso desde há alguns anos, assinala-se neste espaço de memorização a apreciada ocorrência, registando visualmente, através de cliques fotográficos, alguns instantâneos da ocasião da chegada do Compasso a casa do autor – como de costume, na tarde do domingo de Aleluia, este ano também primeiro dia e domingo de abril. Em que mais uma vez a cruz paroquial, devidamente ornamentada, chegou às casas a saudar a ligação da representatividade paroquial.

Armando Pinto
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sábado, 31 de março de 2018

Feliz Páscoa !!!


Num aspeto ambiental de transição, chega a época Pascal sob ambiente meteorológico chuvoso, contudo com esperanças de melhores dias. Porque a vida tem sempre mais interesse havendo esperança e outro valor com fé. É pois nesse espírito que se deseja a toda a gente amiga, entre leitores e apreciadores deste blogue, uma boa jornada pascal, formulando votos de Feliz Páscoa.

Sendo esta temporada de esperança, na vitória da vida sobre a morte como a Páscoa da Ressurreição representa, na amplitude do sortilégio primaveril, qual renovação da natureza a florir, há que ter confiança no porvir. Sem olvido ao passado, na valorização do caminho entretanto efetuado. Quão se recorda, a propósito, um instantâneo captado há séculos já, da passagem do Compasso de Rande em época remota, pelos idos dos primeiros tempos do passado século, através de pormenor visual do tempo do então pároco Padre Augusto, por volta de 1916 sensivelmente (foto constante no livro "Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras", publicado em 1997).


Em sinal de esperança, com o imaginário da quadra florido de tonalidades vivas, com plantas de florescência própria da época e que na antiga tradição atapetavam as entradas das casas para receção ao Compasso, tal qual a decoração natural da cruz de modo típico, damos nossa saudação de Aleluia – perante cimeira imagem de associação Pascal, através de adereço caseiro, no âmbito da particular decoração de lavra pessoal.

Santa e Feliz Páscoa!

ARMANDO PINTO
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sexta-feira, 23 de março de 2018

Centenário de Lucas Teixeira: célebre iluminurista honrado na Toponímia da cidade de Felgueiras


Lucas Teixeira – Iluminado Artista e Poeta

Chegada a Primavera em Portugal, com o equinócio respetivo a incidir na parte do globo em que está Portugal perante o sistema solar, neste tempo do calendário perfaz cem anos que, em 1918, nasceu no concelho de Felgueiras, no Norte de Portugal, o cidadão Armando Teixeira, mais tarde celebrizado como Frei Lucas Teixeira e por fim admirado como artista iluminurista e poeta radicado no Brasil.

Sobre o mesmo, esse senhor das artes e pessoa de carácter, foi pelo autor destas linhas publicado nos inícios já deste século XXI algo sobre ele, através de alguns artigos evocativos no jornal Semanário de Felgueiras; enquanto estava destinado um trabalho biográfico para incluir num livro que esteve em vista, mas por falta de apoios, para a necessária viabilidade publicista, tem estado guardado à espera de melhor sorte. Do qual, enquanto isso, por agora se completar a soma do seu centenário de nascimento, para aqui se transpõe o texto alusivo e algumas imagens, em sua homenagem.

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Armando (Lucas) Teixeira
(23 / 3 / 1918 - 28 / 4 / 2013)

Numa espécie de pesquisa de preservação divulgativa, a escabichar sobre temas que jazem algo esquecidos ou mesmo desconhecidos da generalidade conterrânea, qual roteiro por factos e personagens dignos de nota do interesse Felgueirense, damos ensejo a um nome que bem merece admiração por seu valor, pelo prestígio alcançado aquém e além fronteiras, como pelos seus dotes artísticos e engenho de conseguir transmitir sentimentos, em suma por quanto honrou e glorifica a terra Felgariana – o antigo monge beneditino, depois unicamente cidadão e sempre artista e poeta, Lucas Teixeira.

Natural de Varziela, onde viu a luz do dia a 23 de Março de 1918, recebeu o nome de Armando no batismo. Tendo ficado apenas com um sobrenome, atendendo à coincidência de ambos os progenitores serem do mesmo único apelido, sendo filho de Américo Teixeira e de Margarida Teixeira, casal honrado que soube legar bons princípios ao filho.

Muito pequeno ficou sozinho com a mãe e uma irmã também pequena, pois seu pai rumou ao Brasil quando o filho ainda tinha apenas 3 anos. O pai era então “chofer” do antigo senhor da Casa do Sindicato, de Varziela (agora conhecida por Bom Repouso), o qual levou consigo o empregado, como seu motorista, para o Rio de Janeiro. Nos primeiros anos ele ainda escrevia regularmente à mãe de seus filhos, enviando-lhe um dinheirito para o sustento dela e do casal de filhinhos que muito amava. Mas, como diz o ditado “longe da vista…”, acabou por se deixar seduzir por uma criada do patrão, a qual, julgando-o viúvo, se casou com ele e lhe deu uma outra filha… perdendo-se os laços físicos e familiares com a prole em Portugal. Enquanto a legítima esposa, mãe de Armando, se desdobrava em canseiras, dando horas em casas ricas de Rande (onde antes fora criada de servir, em solteira), como também fazia em sua casa lavores domésticos e ainda vendia ovos caseiros de galinhas que criava, fazendo pela vida para manter os filhos…

Assim, Armando Teixeira, de sangue Felgueirense fecundo, oriundo de uma família de parentela numerosa (visto uma sua avó, nascida na Pedreira, ter sido mãe de 18 filhos), teve apenas de pai e mãe uma sua irmã, Elvira, que faleceu na flor da idade, aos 20 anos, ficando sepultada no cemitério de Pedra Maria (a Virinha, a quem o irmão depõe uma açucena em verso, aquela flor de pureza, “cecém” colocada num soneto que merece honras, de apoteose, mais adiante desta junção apreciativa).

Para melhoria de vida e poder estudar, como era costume no tempo, Armando Teixeira entrou num seminário conventual, onde acabou por se adaptar e seduzir pela vida religiosa. Professou na Ordem Beneditina em Singeverga, tendo ingressado em 1929 nesse convento, onde depois concluiu o curso de Humanidades e mais tarde, em 1934, ao receber o hábito preto de S. Bento adotou o nome Lucas, tal como em 1937 fez votos solenes e em 1941 foi ordenado presbítero, ficando então a chamar-se Frei D. Lucas Teixeira.

Dedicou-se ao estudo e execução de iluminuras, tendo sido bolseiro em 1946 pelo Instituto da Cultura. De suas mãos saíram excelentes trabalhos da arte iluminista para arquivos, museus e bibliotecas, merecendo realce uma ilustração em livro de Polifonia realizada para oferta ao Marquês de Rio Maior, bem como um outro trabalho que, servindo de prova do aproveitamento da referida bolsa de estudo, ofereceu ao antigo diretor do museu de Arte Antiga, Dr. João Couto. Segundo o que ficou registado, nas enciclopédias mais completas, executou diversas obras nesse «difícil género», algumas das quais enriqueceram o arquivo do mosteiro de Singeverga.

Das suas exposições de iluminuras, constam catálogos na Biblioteca Nacional, de Lisboa, referentes a exposições no Porto, em Lisboa e São Paulo-Brasil, de 1950 a 1952 e 1954.

= No tempo de clausura, o artista, então D. Lucas Teixeira, concentrado no seu apaixonado mister, com a cógula de monge bento.

Ilustrativo da sua obra, foi publicado em 1952 um estudo intitulado “A arte da iluminura / Dom Lucas Teixeira”, inserto como separata no Boletim Cultural de Santo Tirso. Como em 1954, no Porto, teve luz outro estudo, intitulado ”Iluminuras de Dom Lucas Teixeira”, com apreciações sobre exposições antes realizadas em 1949 em Lisboa, em Santo Tirso no ano de 1951, em Braga em 1952, no Porto em 1952 também, e servindo de catálogo a Exposição em São Paulo-Brasil, nesse ano de 1954.


Referente à primeira Exposição de 1949, no Palácio Foz em Lisboa, difundiu o jornal Diário de Lisboa: «Em pleno século XX, cheio de descrença artística, confuso de ideais estéticos, num verdadeiro milagre de inspiração, surge em Portugal, um grande iluminador. Tudo à sua volta se congregou para que o seu trabalho de excelsa beleza, ungido da graça religiosa, suave na sua policromia vitralesca, delicado de infinitos e quase microscópicos lavores, florescesse numa plenitude admirável de dons e de virtudes graciosas e puras. Quem é este artista, fora do seu século, que vem renovar a tradição dos nossos pergaminhos, numa pintura delicada e fina, em que o céu fala com a terra, através de uma alma em êxtase?...»

Como que em resposta, em “Vita Plena”-1950-1951/ ”À volta dos Iluministas portugueses”, apareceu escrito: «O amor pelo desenho vem-lhe da infância. Depois, (como escreveu Hipólito Raposo), rezando, começara a pintar, e, pintando continuaria a rezar... Até que, em 1949, é à força que se mostra numa Exposição do Palácio Foz. S.ª Eminência, o sr. Cardeal Patriarca digna-se inaugurá-la. E a cidade de Lisboa acotovelou-se ali durante semanas na ânsia de admirar aquela maravilha. Até o rei de Itália por lá passa e não se desonra de pedir o autógrafo ao monge simples. A imprensa entusiasma-se. Os melhores críticos de arte, os mais exigentes, todos concordam num brado de surpresa... Muito e muito diríamos agora dos triunfos de D. Lucas Teixeira; preferimos, porém, resumi-los, citando um jornal inglês que o considera dos melhores iluministas do nosso tempo... É de ver a perfeição arrojada com que borda as tarjas. Sobre um colorido forte e gostoso, eis que voam os passarinhos e os insetos, caminham os caracóis, as florzitas estão assim ali vindas do canteiro, as joaninhas e as lagartas são coisa viva, e os frutos apetecem. E tudo num tom de côr tão equilibrada, tão de molde, tão escolhida! A circundar, em fios de luz e a salpicar os vazios, deslumbra o ouro brunido de cuja aplicação D. Lucas tem o segredo...» E o Jornal de Notícias, aquando da Exposição de 1952 no Museu Soares dos Reis, referiu: «...Nunca é demasiada a referência laudatória às possibilidades criadoras mais que sobejamente demonstradas... D. Lucas Teixeira, monge beneditino e mestre de iluminuras rejuvenescendo com a sua arte rara, um género de decoração e pintura que tudo fazia crer não mais se levantasse do pó dos arquivos, bem merece, pelo devotado culto ao seu ofício de artista, pelo enriquecimento com que vem dotando o património nacional, toda a sincera admiração dos que sabem colocar bem alto os maiores valores do Espírito.»

De sua vasta obra, enquanto Religioso Beneditino, tiveram relevância trabalhos com que iluminou documentos, tais como a Mensagem das Mulheres Portuguesas ao Santo Padre; Mensagem do Distrito do Porto a Carmona e Salazar; a Regra de S. Bento; Mensagem da Câmara de Sintra a Sª Exª o Presidente da República Portuguesa (1954-Craveiro Lopes); o Diploma de Batismo pertencente à igreja de Fátima de Lisboa; a Mensagem do Congresso Internacional dos Médicos Católicos, reunido em Dublin no ano de 1954, ao Santo Padre Pio XII; assim como o texto da consagração de Portugal a N.ª Sª de Vila Viçosa foi iluminado por si para a Casa de Bragança. Entre outras obras suas, depositadas em mãos de personalidades nacionais, Salazar teve o “Painel dos Pescadores, do Políptico Veneração de S. Vicente, de Nuno Gonçalves”, pergaminho iluminado de 1948, incluindo um soneto do mesmo autor do desenho, Frei Lucas Teixeira. E ainda os seus “Auto da Cidadania” e “Senhor dos Passos”, também de 1948, ficaram pertences do Cardeal Cerejeira.


Entretanto, participou em muitas mais exposições, entre as quais a (referida no catálogo antes registado) do IV Centenário da Cidade de São Paulo, no Brasil, que teve repercussão no seu futuro.

Foi monge sensivelmente até entre os 37 aos 38 anos de idade. Após isso, depois de percurso passado por Singeverga-Santo Tirso, pelo Porto, Coimbra e Lisboa, entre outros pontos de passagem e residência conventual, havendo verificado que sua vocação não estava no encerramento monástico, regressou à condição de cidadão normal. Enveredou então definitivamente pela carreira da arte de iluminuras, em que passou a assinar os seus trabalhos por Lucas Teixeira, nome que mais tarde encerrou também composições poéticas de encher a alma.

Para se afirmar, contudo, precisou rumar ao Brasil, e aí, «recebeu tantas encomendas e convites para dar aulas que acabou ficando».

Por isso, diversos artistas brasileiros se orgulham e vangloriaram de nomearem o facto de terem tido o «português Lucas Teixeira» por professor de iluminuras, como acontece em constar honrosamente, por exemplo, no currículo de Maria Amélia Arruda Botelho, natural de São Paulo e figura cultural do Brasil inteiro, saliente pintora, escultora, memorialista, pesquisadora folclorista e ficcionista.

Entretanto, ficara fixado Armando Teixeira na grande nação irmã a partir de 1954, onde estabilizou sua vida, «bem casado com uma portuguesa transmontana», com a qual constituiu prole bem sucedida, pai de dois filhos brasileiros, que lhe deram quatro netos «e a alegria de os ver bem situados na vida» e onde foi sendo «feliz, muitíssimo feliz».

= Instantâneo visual de seu paciente e minucioso labor iluminarista

Antes, quando chegou ao Brasil, apressara-se Armando a procurar o pai no Rio de Janeiro, sabendo então que ele tinha falecido e o que de permeio acontecera… Como também, soube que ele, já no leito da morte, deu à filha do seu pecado, para ser entregue ao filho, caso ela um dia viesse a encontrar no Brasil seu irmão de Portugal, o relógio que sempre o acompanhara desde a pátria… e inspirou ao filho, depois, um lindo poema da lavra de Lucas Teixeira:

Relógio que se usava no passado,
No bolso do colete masculino.
Agora, está comigo, pendurado
Num preguinho, sem corda, sem destino.

Um “Omega” de lei. Bem regulado,
Só não batia as horas como o sino
Da igreja onde eu fora batizado,
Porém no acerto delas era fino.

Agora está parado. Eu vou indo,
Vendo as horas do tempo feio ou lindo
Passar na minha vida que se esvai.

Ainda que pareça, não é de ouro,
Mas no meu coração vale um tesouro,
Por ter sido o relógio do meu Pai.

Conseguiu, depois, ter também junto de si a sua mãe, que puxou ao seu encontro à terra acolhedora, onde ela veio a falecer mais tarde e ele lhe dedicou um lindo livro de poemas ilustrados.


Sem jamais se reencontrarem os progenitores, falecidos e sepultados no Brasil, tendo o pai ficado tumulado no Rio de Janeiro e sua mãe em São Paulo («onde espero juntar os meus restos mortais aos de minha Mãe», como transmitiu numa missiva ao autor destas notas).

Residiu Armando Teixeira primeiro na grande cidade cosmopolita de São Paulo e depois na mais calma e acolhedora cidade de Piracicaba, do mesmo Estado de São Paulo, em situação estável e boa posição social. Havendo-se dedicado a traduzir do Latim importantes autores clássicos, enquanto continuou a produzir «suas belíssimas iluminuras» que, inclusive, muitas vezes foram expostas em salas Paulistas. Tendo, entre muitas distinções, uma sua iluminura, com aquele soneto de Camões do «Amor é fogo que arde sem se ver...», exposta no 45º Salão Paulista de Belas Artes, obtido medalha de ouro.


De uma das suas Exposições, no caso realizada em Piracicaba, na Casa do Médico, à Avenida Centenário, o Caderno Cultural do Jornal de Piracicaba de 18 de Junho de 1999 referiu-se-lhe como «Um pouco da arte milenar que ajudou a preservar manuscritos e ensinamentos antigos, pode ser vista... (em) exposição, que reúne 20 trabalhos, de iluminuras de Lucas Teixeira. Iluminuras são ilustrações de um texto ou poema feitas em pergaminho, com letras góticas ou desenhadas, em cores e ouro, arte que remonta os tempos anteriores à imprensa, quando os livros precisavam ser feitos à mão... Arte minuciosa, que exige paciência beneditina e até meses para concluir um único trabalho. Entre as muitas obras feitas por encomenda figuram iluminuras para o ex-presidente Juscelino Kubitscheck e para presentear o Papa João Paulo II em sua primeira visita ao Brasil.»

= In “Jornal de Piracicaba” de 18 - 6 – 1999

Entre as experiências que pôde experimentar no Brasil, conta-se um saudoso encontro com o seu amigo e historiador Matoso, em reencontro acontecido com aquele antigo confrade, o distinto historiador nacional José Mattoso. Esse professor catedrático, fora anteriormente também monge beneditino, na abadia de Singeverga, tendo depois regressado à vida laica, após que passou a desenvolver ações académicas e, além de aturado e valioso trabalho no âmbito das ciências históricas, também ficou a exercer funções na direção do Instituto dos Arquivos Nacionais, em Lisboa. Conforme recordou o sr. Armando Teixeira: «Eu conheci o José Matoso em Singeverga. Já então deixava antever o futuro brilhante que o esperava. Quando ele veio a São Paulo, em missão cultural, tivemos a oportunidade de nos ver e abraçar».

Entretanto, sob temperatura escaldante do país do samba, Armando (Lucas) Teixeira obteve alta saliência nas artes e nas letras, sobressaindo também como poeta nas horas livres de tradutor e da arte iluminurista. Esse nome, Lucas Teixeira, tirando o título de sua profissão religiosa, de que abdicara, acabou por ficar como nome artístico deste Português de Felgueiras, proeminente quer como autor de iluminuras ou como poeta, capaz de ilustrar obras literárias através de «milagres de pergaminho, ouro e tintas da sua arte paciente e piedosa» quais «verdadeiros poemas as suas iluminuras» eram; tal qual em dom poético foram considerados «verdadeiras iluminuras os seus poemas»! De sua lavra saíram lindos versos enfeixados em livros, cujas capas foram ilustradas por si na veia do artista de mãos e pensamento que foi Lucas Teixeira, tendo escrito em verso obras intituladas “Na Mão de Deus”, cuja publicação ocorreu no Brasil em 1958 («onde deixo transparecer o sofrimento moral durante a minha vida de monge, para a qual não tinha vocação», como confessou em missiva pessoal ao autor destas anotações, num contacto de 2006, já em veneranda caminhada com 88 anos...), como também “O Teu Retrato, Mãe”, edição de 1960 (contendo igualmente ilustração própria das páginas), “Portugal Que Não Se Esquece”, com duas edições em 1965, e “Portugal Pecado e Graça”, saído em São Paulo no ano de 1984.


Com genuíno cunho artístico, de complemento do que tanto fez na ilustração como em verso, nos seus livros foi cantando e ilustrando o que lhe ia na alma, em soneto «desenhando o todo e vero Portugal: a preclara língua, a vindima, a procissão, os santos, as cidades, os monumentos...». Ao mesmo tempo em que deixava laivos de saudade quando relembrava, sob mote dos rios de sua afinidade telúrica,
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«O outeiro do meu sol tinha na falda
O Sousa com peixinhos franciscanos.
O Vizela aspergiu-me os negros panos
Da cogula de monge... e, curva a espalda...».

Tanto quanto o próprio torrão natal, como que sempre presente:

«Ouço o tocar dos sinos na capela,
Onde, a sorrir, na festa tão singela,
Eu fazia a Primeira Comunhão.
– Pedra Maria, meu jardim de infância,
Envolta nas neblinas da distância,
Tu me inundas de Sonho o coração!».

Enquanto ia remetendo missivas como

«Ó minhas cartas, asas de alma, ide
Levar minhas saudades céus além.
Fique a primeira ao pé de Margaride,
Em Varziela, minha terra. Amém.»

Este insigne Felgueirense, constante das melhores enciclopédias e da base nacional de dados bibliográficos, está honrado na toponímia da sede concelhia, havendo na cidade de Felgueiras, desde 1993, muito depois de ele ter abandonado a vida religiosa, portanto, uma artéria denominada Rua Frei Lucas Teixeira – facto que ele desconhecia ao tempo da sua última visita presencial à “terrinha”, que teve oportunidade de satisfazer em 1995.

(Foi o autor destas linhas que lhe deu conhecimento do facto, em contacto obtido, muito depois. Tendo, através de conhecimento surgido de crónica que se lhe dedicou em 2002, no Semanário de Felgueiras, havido possibilidade de enriquecer mais a admiração por tão fascinante personagem.)

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Passados anos, pujante de encanto artístico e sentimento português, já passada conta de mais que dois carros (na linguagem antiga das terras de Felgueiras, no termo popular, quanto à idade), em princípios de 2007 o sr. Armando (Lucas) Teixeira ofertou ao autor uma composição em pergaminho, cujos versos falam por si. Algo que, apesar do desenho não ter ficado iluminado a ouro e cores, como se entende por já estar então na casa dos 89 anos (mas, para ele, apenas, «porque a minha vista não está em condições de o fazer, devido a uma recente operação de catarata»), é coisa que só vista e sentida... Afinal, de que melhor que quaisquer palavras, fala a reprodução que se junta. E de cuja caligrafia gótica se respiga o lindo e tocante conteúdo:

«Ao meu ilustre patrício
Armando Pinto ofereço
amostras do belo ofício
que Deus me deu. Agradeço
as referências honrosas
a este iluminurista,
como pétalas de rosas
no meu caminho de artista.
Há uma rua com meu nome,
na cidade de Felgueiras?!
Essa honra não me tome
as alturas verdadeiras
da monacal humildade
com que faço iluminuras,
por vocação e vontade,
com flores, ouro e figuras.
Entre centenas que fiz,
no mosteiro, como frei,
uma me fez infeliz,
por isso, triste, a rasguei...
Livre dos votos de monge,
– obediência, pobreza
e castidade – fui longe
com Deus por minha defesa.
Do Brasil, onde estou bem,
saudoso, irei à «Terrinha»
colocar uma cecém
sobre a campa da Virinha.
Na de minha Mãe que veio
p’ra São Paulo, no meu trilho,
margaridas são o enleio
do meu coração de filho.
Oh! que lembranças saudosas
da Longra, de Varziela,
da Lixa, Unhão e Barrosas,
numa paisagem tão bela!
A pombinha da saudade,
quando a solto, vai e pousa
num choupo da minha idade,
na margem do rio Sousa.
Casas fidalgas de Rande
e da Torre! Delas são
as senhoras de alma grande,
que me davam mel e pão.
Minha Mãe, quando solteira,
teve-as por suas patroas,
caridosas, de mão cheia
para os pobres. Almas boas!
Na cidade de Felgueiras,
onde fica a tal artéria
com meu nome? Nas ladeiras
do monte de Santa Quitéria?
Faz setenta e poucos anos
que lá soltei um balão
que dois meninos ciganos
trocaram por meu pião.
Terras da minha saudade,
será que vos torno a ver?
Com tão avançada idade,
só me resta bem morrer.
Enquanto for vivo, espero
continuar, como artista,
distante da nota “zero”.
Deus fez-me iluminurista.»

Lucas Teixeira
                               Piracicaba SP – Brasil
                               Janeiro de 2007

= Postais dentre a correspondência trocada ao longo dos seus últimos anos, além do que ia sendo transmitido em cartas. Servindo de ilustração algumas iluminuras de sua autoria nos rostos dos postais (editados pelas Edições ORA & LABORA, do Mosteiro de S. Bento de Singeverga, Portugal). Repare-se na referência feita a ter oferecido os seus livros de poemas à Biblioteca Municipal de Felgueiras.

= Algumas imagens das suas obras, cujas gravuras ainda fazem parte de postais natalícios vendidos no mosteiro de Singeverga =

Na felicidade do contacto possível, com grande honra o autor teve dedicatória ainda de dois sonetos, em género de missivas poéticas (ambas datadas de Piracicaba SP Brasil – Fevereiro de 2007):

               Felgueiras
I
Vila, no meu bom tempo de criança,
És agora cidade. Eu te saúdo.
Em mim e em ti, Felgueiras, que mudança!
Nos anos do vintém e do escudo,

Em tua vida simples, quieta e mansa,
Havia procissões e, pelo Entrudo,
Música no coreto e muita dança;
No Natal, rabanadas, “porto”, tudo.

No Brasil, saboreio a doce história
Do pão de ló de Margaride, glória
Dos velhos tempos e sabor dos novos.

Sendo eu menino, à Casa que o fazia,
A minha Mãe, p’ra termos pão, vendia
O que juntava das galinhas: - ovos!

II
A Vila progrediu em cada artéria,
No comércio das ruas e das feiras.
Não entrou nela a bruxa da miséria
Escorraçada pelas bordadeiras.

A paz do Monte de Santa Quitéria
Alto pendão do povo de Felgueiras,
Conduz a sua gente, gente séria,
Ao cume das alturas verdadeiras.

Hoje é Cidade. Para ser mais bela,
Juntou-se, num abraço, a Varziela
Onde eu nasci, saudável, sem parteira.

Uma das ruas, (não sei qual)
Por eu ser de Felgueiras – Portugal,
Tem o meu nome que é: Lucas Teixeira.


Depois disso, Felgueiras continuou, ainda, a honrar este eminente Felgueirense, como aconteceu com o nome dado a um estabelecimento de educação infantil, ao que sucedeu com a criação, em 2007, na cidade de Felgueiras, dum “jardim infantil” (pré-escolar) que, por ficar situado na rua com seu nome, ficou denominado “Jardim de Infância Frei Lucas”, de Margaride, onde funciona também o Centro Escolar da zona estudantil da cidade, ao lado da Escola Preparatória Manuel de Faria e Sousa (e aí também rua com o mesmo nome, do patrono desse estabeleciemnto do antigo Ciclo Preparatório, como ainda é conhecido).


Armando “Lucas Teixeira” faleceu no dia 28 de Abril de 2013, pelas 22 e 30 horas da noite, aos 95 anos… «sem sofrimento, levado pelos anos» – como nos referiu sua filha, depois. Já com uma bonita idade e vida preenchida, diremos nós. Deixemos então seguir a descrição da mesma, sua filha (Drª Maria Margarida), pela minúcia e ternura que demonstra e se revela interessante:

«…Minha mãe, meu irmão Augusto e eu estivemos ao lado dele durante todo o seu último sono. Nos últimos tempos era assim que passava, dormindo. Meu pai deve ter tido um pequeno derrame que lhe tirou o movimento de andar e o deixou desgostoso com a vida, mas estava lúcido.

Logo pela manhã desse domingo de abril se passou algo muito curioso, principalmente pela adoração que meu pai tinha pelos pássaros e os animais pela casa dele. Sempre apareciam, de uma forma ou de outra. No lado de fora da porta de entrada há pregado um São Francisco em madeira com os braços abertos a recebê-los, se assim posso dizer.

O enfermeiro após ter feito os cuidados da manhã trouxe meu pai para a sala da casa e o colocou na cadeira em que sempre ficava desde que não pode mais andar. A porta da rua estava aberta e por ela entrou um passarinho que sobrevoou sua cabeça, pousou ao lado dele e logo em seguida foi pousar em uma das iluminuras feitas por meu querido pai e que estava pendurada na parede do lado oposto da janela da sala. O enfermeiro preocupado com o passarinho foi abrir a janela para ele sair e, então, a ave saiu pela mesma porta por onde entrou. Quando minha mãe chegou e soube do acontecido ficou certa que devia chamar os filhos para a despedida.

Não sou historiadora como o amigo, mas penso que valorizar a história é reconhecer a nossa própria existência. Dessa forma, meus sinceros agradecimentos pelo reconhecimento ao meu pai. Parafraseando o autor israelense Amós Oz onde em um trecho de seu livro diz: “a gente vive até o dia em que morre a última pessoa que se lembra de nós".»

Que melhor final, que aquela narrativa e, por fim, esta citação sintomática?! Pela nossa parte fazemos o possível e nisto, aqui também, fizemos o que a inspiração investigadora nos proclama.

Obs (conf, Internet).: «Nota de falecimento em abril de 2013, no Obituário, d’ A Província, de Piracicaba - ARMANDO TEIXEIRA, faleceu anteontem  (dia 28) na cidade de Piracicaba aos 95 anos de idade e era casado com a Sra. Maria Amélia Teixeira. Filho do Sr. Américo Teixeira e da Sra. Margarida Teixeira, ambos falecidos. Deixa os filhos: Augusto Teixeira casado com Nilza Akemi Tsutiya e Maria Margarida Teixeira Moreira Lima casada com Jofelo Moreira Lima. Deixa ainda netos. O seu corpo foi transladado em auto fúnebre para a cidade de São Paulo e o seu sepultamento deu-se ontem as 15:00 hs no Cemitério Gethsemani naquela localidade, onde foi inumado em jazigo da família.»


ARMANDO PINTO
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