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quinta-feira, 18 de abril de 2019

Crónica Pascal no Semanário de Felgueiras


Em plena semana santa da Páscoa, naturalmente versa sobre a temática pascal o artigo desta vez escrito pelo autor signatário, no âmbito da tradicional colaboração publicista no jornal Semanário de Felgueiras. Em crónica publicada na edição datada do feriado de sexta-feira santa, dia 19. Embora o jornal possa chegar às mãos dos assinantes e leitores antes ou depois, conforme a distribuição dos correios (sem contar a falta de gasolina ou gasóleo pela greve que por estes dias assola o país, com maior impacto que alguma da área da saúde, por exemplo).

Sendo próprio da época, o Pão de Ló merece honras de primazia, como doce tradicional da época de Aleluia, fabricado artesanalmente em Felgueiras e reconhecido como produto da região, através da marca certificada Pão de Ló de Margaride.


Então, em período de sensibilidade entre usos e costumes tradicionais reportados ao período pascal, o artigo desta semana reflete aspetos relacionados com essa vertente dentro da original Felgaridade:


Páscoa da Ressurreição da Vida

Estamos na Páscoa, ao findar da chamada semana maior, a tradicional Semana Santa Pascal. No aspeto da religiosidade popular e institucional, não se podendo dissociar porque, afinal, a Páscoa tem laços fortes ao vínculo religioso. Pese derivar de antigas festividades relacionadas na antiguidade histórica com o equinócio da Primavera, mas sobretudo pela vitória da vida sobre a morte que encarna a mensagem da Ressurreição.

Provinda então desde eras praticamente imemoriais, a Páscoa está associada também a este período de renovação da natureza, a partir da marca do início da Primavera no hemisfério norte do globo terrestre, no crescimento dos dias de luz solar de reforço à vitalidade natural. Extensiva à fecundidade e fertilidade. Relacionando-se o imaginário pascal com ovos, os também chamados ovos de Páscoa, precisamente pela ideia de nascimento e ressurgimento, mais coelhinhos ilustrativos na iconografia relativa, por ser espécie de boa reprodução.

Acresce, no panorama local felgueirense, que a Páscoa é época em que o pão de ló é rei da festa. Algo que calha a preceito, sendo a tradicional rosca de pão leve em formato redondo, como um ninho bem aconchegado e atraente. Resultando que desde longos tempos o pão de ló marca território pascal, sendo doce acotiado na mesa familiar do dia de Aleluia, além de ser presente na receção ao Compasso, compondo a mesa posta para os elementos da Visita Pascal. Acrescendo antigamente haver também o chamado folar de Páscoa, de massa de regueifa a envolver um ovo, enquanto os padrinhos no dia de Páscoa davam aos afilhados uma regueifa, rosca de pão de trigo que fazia o encanto da pequenada em tempos que lá vão.

Então, perante ambiente doce misturado com odores da floração das plantas na imagem ambiental, associando-se ainda às glicínias que costumam surgir por esta altura do ano, a Páscoa diz muito aos costumes comuns. Sendo este um tempo de revigoramento, mas também de apaziguamento ambiental. Calhando muito de se recordar outros tempos de maior relevância de afetos, como da reunião familiar nas casas tradicionais em torno da espera ao Compasso. Quando no íntimo se vai até ao céu buscar ente queridos entretanto desaparecidos, bem presentes no infinito das memórias e vivos na saudade, transportando lembranças avivadas na sonoridade da campainha do Compasso e sinos de sinalização da visita paroquial. Estando na retina de boa parte das pessoas toda a envolvência à andança da florida cruz pelas casas, a pontos das opas do juiz da cruz e seus acompanhantes parecerem tecidas de afetos nos hábitos mais arreigados.

Assim sendo, como quem corta à mão um pedaço de pão de ló, apanha-se um punhado de amêndoas açucaradas para enfeitar um ninho de ovos de Páscoa. Numa mescla em que também fazem bom acompanhamento as cavacas tradicionais de Margaride, que Camilo Castelo Branco saboreou em suas visitas a Felgueiras, das vezes que veio a casa da Alegria de seu amigo Padre Casimiro Vieira. E, como narrou no livro de suas Viagens o grande escritor brasileiro Afrânio Peixoto, o pão de ló e as cavacas de Felgueiras estão entre as melhores iguarias da doçaria, como ele mesmo conta(va) a quem tem apetite… pela leitura e conhecimento cultural. Tanto que esse também célebre literato, após referir que Portugal o extasia(va) «na delícia da sobremesa»  acrescentava: «Sempre tive a ideia que é falta de gosto não começar as refeições pelos doces...» Enquanto explicava quão «os doces portugueses, como tanta coisa aqui, são os melhores ou mais gostosos do mundo. Umas cavacas de Felgueiras…. E o pão-de-ló? Felgueiras... não me deixeis em pecado de ingratidão!»

Ora, como o que é doce nunca amargou, mais saborosa é assim a ambiência própria da quadra, nesta nossa zona do genuíno pão de ló típico da Páscoa.

ARMANDO PINTO


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quarta-feira, 10 de abril de 2019

Recreação histórico-jornalística de tempos iniciais do Pão de Ló de Margaride, em alusão ao felgueirense Festival da 10ª Mostra Internacional de Doces Tradicionais


Com a aproximação das festas de ano há muitas recordações a virem acima das lembranças, como calha a todos, por certo. Quantas vezes, como suor que vem à flor da pele, fazendo surgir algo a turvar a vista, quando nos lembramos de nossos ente queridos que em alturas destas nos lembram mais.

Assim, estando-se na época da Páscoa, em que pela região nortenha o pão de ló ocupa lugar de destaque nos sentidos apaladados e na nossa terra felgueirense é mesmo cartaz de afetos, vem então à tona das recordações pessoais certos temas de antanho, relacionados com o Pão de Ló de Margaride. Fazendo parte das memórias do autor destas linhas um caso que dá para outro tema… Como me lembro da vez em que pela primeira vez o meu pai foi comprar uma rosca de pão de ló a Felgueiras no dia de Páscoa. Sabendo-se que antigamente o pão de ló não entrava muito em casas de pessoas comuns, sendo mais de pessoas de posses, por assim dizer. A vida era diferente de hoje, em tudo praticamente, para não dizer mais e estar para a qui a desenrolar o novelo das memórias com temas paralelos, sem virem ao caso.

Pois então, num belo dia de Páscoa, estava-se a meio dos anos sessentas, em que nesse ano tínhamos em nossa casa uma prima de longe e, por isso, a minha mãe disse a meu pai que era melhor ele ir à vila buscar um pão de ló, em honra da visita dessa sobrinha. Parecendo que ainda estou a ver o meu pai a chegar na sua motazinha com a rosca… 

(Convém explicar à saciedade e sociedade que a sede do concelho era ainda vila. Só muito mais tarde passaria a cidade, oficialmente.)

Então nesse ano o assado de forno teve por fim sobremesa mais doce, pois no final das batatas assadas com galo e coelho a barriga ainda aguentou mais uma fatia daquele pão de ló. A ponto que no fim ainda se rapou com a faca o que ficara no papel da forma!

Ora, essa lembrança traz então à flor da pele sentimental a recordação também dessa mota, como lhe chamávamos. Tratando-se duma motorizada Sachs Mini de mudanças automáticas que meu pai teve muitos anos e era uma das suas imagens de marca. Conhecendo-se de passagem pelo trabalhar do pequeno motor, assim como era familiar sua imagem quando ia ou vinha em cima dela. Era o senhor Joaquim Pinto a passar, nessa motazinha azul, com resguardo de guarda-vento à frente (como até temos registado em fotografia desses tempos, dos anos sessentas) que guardamos na memória… e ainda rapamos do que temos na cabeça.

Armando Pinto
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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Considerações a propósito do Pão de Ló de Margaride – em mais um artigo no Semanário de Felgueiras


O felgueirense Pão de Ló de Margaride é feito essencialmente com massa levedada duma crescente mistura de farinha e ovos caseiros, sem corantes, mais toque dum segredo vindo de gerações antepassadas, como massa do cunho felgariano. Qual doce tradicional mesmo genuíno desta região, através de roscas fofas, como se nota em manual corte na aveludada secura da própria massa, cuja textura se mantém fresca (em bom estado) durante dias. Algo que finalmente vai ser garantido em autenticidade, através de certificação oficial.

Ora, aqui entre nós, estando na massa do sangue o apreço ao que é verdadeiramente felgueirense, quanto à defesa e salvaguarda da memória coletiva concelhia, sobre o caso tratamos por meio de alguns aspetos desse tema, em mais um artigo das crónicas de quando em vez lavradas por escrito, dentro do possível.

Assim da crónica escrita para o Semanário de Felgueiras dá-se aqui e agora nota, enquanto do mesmo artigo se junta o texto da respetiva coluna publicada na correspondente edição do SF de sexta-feira dia 8.

Está na Massa…

Segundo uma frase feita de contornos publicitários, o segredo está na massa, como se exprime em termos de força, qual lema provindo duma tradição culinária que ganhou impacto. Assim como quem diz da diferença estar na qualidade e maneira de produzir dum produto.

Vem a propósito uma recente notícia chegada por via da comunicação social, aparecendo em títulos difundidos por diversos quadrantes estar em curso um processo de certificação do pão de ló felgueirense, entretanto aprovado, através de iniciativa visando tornar oficial no papel, como se diz também, o Pão de Ló de Margaride como produto regional certificado.


Ora, assim sendo, com tal concretização, o genuíno pão de ló de Margaride, enxuto e leve, conforme o próprio transporta da leveza do nome, vai ser finalmente honrado na sua autenticidade, numa feliz ideia de verdadeiro interesse felgueirense, sem dependências de associações a outras zonas. Sendo que o processo de certificação, no âmbito dum projeto apoiado por fundos comunitários, terá de respeitar várias exigências ao nível do receituário regional, fabrico, embalagem e definição de ingredientes, entre outras características. Esperando-se que seja respeitada oficialmente a mesma propriedade dum concelho como Felgueiras, que tem preservado esta tradição centenária através de antigos saberes e manutenção dos ancestrais sabores. Com objetivo, subjacente no caso, da criação duma denominação de origem enquanto produto tradicional, que reconheça ao pão-de-ló de Margaride o seu caráter tradicional e genuíno, para atribuição pela Associação Empresarial de Felgueiras de um selo que garantirá ao produto a sua pureza. Atendendo ao fabrico artesanal provindo de séculos e à atividade empresarial há mais de um século, incluindo reconhecimento real em tempos recuados e apreciação global no amassar dos tempos até à atualidade.

Havendo no território felgueirense várias empresas do setor, a maioria de dimensão familiar, que se dedicam ao fabrico daquele doce regional e de outros como as cavacas de Margaride, seria ainda de aproveitar a ocasião para vincar também as características das cavacas de Felgueiras, de feição redonda coberta por circulares riscas açucaradas, visto haver noutras áreas alguns doces diferentes com o mesmo nome, ao passo que as cavacas como as conhecemos já eram referidas em narrativas de eras antigas, desde pelo menos tempos de Camilo Castelo Branco, por exemplo, ele que conheceu bem Felgueiras nas suas visitas ao Padre Casimiro Vieira, radicado em Margaride, na encosta do Monte de Santa Quitéria, depois da revolta do movimento popular Maria da Fonte.

Então, vem a talhe extensivo, ainda, como num encher da forma, porque há mais no ADN concelhio, igualmente ser de identificar características com alguma representatividade, sendo já tempo da sede de Felgueiras ter entretanto algo simbólico de alusão à tradicional rosca do pão de ló felgueirense, bem como noutros sítios haver outros relacionamentos, lembrando a metalurgia na Longra, bordados na Lixa e Airães, calçado em Torrados, Lagares e Barrosas, tal como nem ficava nada mal na cidade de Felgueiras qualquer coisa monumental alusiva ao mister de sapateiro, numa das rotundas por exemplo, sem necessidade de seguir linhas de sapato alto duma Joana Vasconcelos, nem sequer qualquer projeto dum Siza, mas descalçando uma bota, ao menos, de afinidade concelhia. Ao jeito como por cá há também quem alinhave umas coisas em parâmetros diversos da criação artística, cultura histórica e mais.

Diz o rifão que o segredo está na massa, quanto no aspeto da diferença conta a qualidade. Importará então assinalar e sobretudo defender a marca do que é de cá, do ser felgueirense. Ou como escreveu Shakespeare, ser ou não ser - eis a questão. 

ARMANDO PINTO

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