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sábado, 6 de setembro de 2025

De quando em vez… Entre gente da nossa terra… Homenagem aos sacristãos da paróquia de S. Tiago de Rande na pessoa de um carismático – Luís Peixoto, o popular “Luís Papa” e meu amigo Luís do Paço!

 

Nem só de pão vive o homem, como é muito referido, estando essa frase numa das passagens do Evangelho, em citação bíblica de dois dos Evangelistas, pelo menos, a lembrar essa máxima que Jesus usou. Sendo que, nesse sentido, também são essenciais para a vida humana outros valores necessários, que não apenas a alimentação. E como tal, transpondo à vivência normal, também muitos outros valores existenciais fazem parte da vida. Como por exemplo os serviços comunitários, em que se insere um aspeto que queremos aqui puxar à valorização, quão foi e é o mister dos ajudantes dos párocos nas paróquias, os normalmente chamados sacristãos. E na percussão respetiva, qual tinir da campainha que se ouvia na missa a ecoar no som sagrado, homenagear os sacristãos de tão relevante serviço em Rande, entre os quais um mais carismático, por assim dizer. Do qual, para melhor o referir e até considerar, tem de se indicar pelo nome com que normalmente é mais conhecido, o Luís “Papa”. Referência com que carinhosamente o elevamos aqui, como se eleva o incenso que ele tanto ajudou a fazer subir perto do altar. Mesmo porque não é qualquer um que é Papa… Tal o caso do meu amigo Luís, e primo ainda em terceiro grau, que também era conhecido por Luís do Paço, por em criança e jovem ter vivido no lugar do Paço, junto à Casa da Torre, como depois passou a viver no Paço de cima, onde contruiu sua casa.

Ora, em Rande, como por outras paróquias – mas aqui e agora vem ao caso o que conheço melhor, expondo na primeira pessoa – antigamente os sacristãos eram rapazes que viviam na casa do Padre, habitando também na Residência Paroquial, junto com o pároco e a governanta da casa, como era a Dosindinha (de Adosinda), tão simpática senhora, criada do Padre João. Estando assim o sacristão sempre pronto para os serviços da igreja. Lembrando-me ainda de diversos antigos criados do padre, como se dizia, porque normalmente a partir que faziam (acabavam) a escola e a catequese, ou seja desde que ficavam livres do antigo ensino obrigatório e podiam trabalhar, iam para casa do pároco como seus ajudantes. Claro que um só, enquanto jovem sem outro trabalho, e depois quando esse ia trabalhar numa qualquer profissão e saía dali, havia outro rapaz a dar continuidade, conforme acordo com os pais. E assim sucessivamente, uns após outros, ajudando à missa e prestando serviços caseiros, tal como faziam recados, etc. Mas dos que conheci e de outros anteriores sobre os quais ouvi falar, ganhou contornos simpáticos o caso do amigo Luís. Desde logo porque no primeiro dia de missa dominical ao ir tocar o sino – que era tocado à mão, com ambas as mãos, após subir as escadas do campanário sineiro e junto aos dois arcos com os sinos, do lado de fora, sendo tocado o sino grande, do lado esquerdo, com a mão esquerda, e à direita o pequeno com a mão direita, portanto – ele causou engraçada sensação ao passar-se para o outro lado, ficando sobre o telhado, para tocar como mandava a tradição, visto ser esquerdino… e usava obviamente as mãos ao contrário do normal. Enquanto depois continuou nas boas graças populares, como figura pública que era, pela sua simpatia, ao longo do tempo, visto ser rapaz engraçado com quem todos simpatizavam.

Antes, em tempo da escola, enquanto ele e os de nosso tempo andamos na escola velha da Longra (embora em classes diferentes, tendo o Luís coisa duns dois anos mais que eu, mas andando juntos porque todas as classes tinham a mesma ampla sala e o recreio era o mesmo pequeno espaço de jogar à bola com as balizas em ângulos diferentes, por o terreno ser irregular e para as bolas rematadas não caírem tanto ao quintal vizinho…), já era aí o Luís Moreira Peixoto algo saliente, então por sua grande mira, sendo artista a atirar aos pássaros, com pequenas pedras, ao cóio como dizíamos. Raramente errava e pássaros e ninhos que calhassem na sua mira caíam de certeza. Talvez por isso, por raramente falhar, ou fosse lá o motivo que fosse e não sei porquê, ele era conhecido nesse tempo por Luís Zero. Mas depressa, logo que foi para casa do padre João e passou a ser sacristão, começou a ser conhecido por Papa. Quer dizer, em pouco tempo subiu na hierarquia da igreja, também, passando acima do padre e até de bispos e cardeais, no conhecimento popular.

Então, um dos afazeres do Luís era vir buscar o correio à Longra aos domingos, no fim da missa. Pois a estação do correio da Longra nesse tempo estava aberta até ao meio dia dos domingos, para quem quisesse ir lá buscar correio, que naturalmente não era levado a casa como nos outros dias. Andando à semana os carteiros na respetiva distribuição de porta em porta, mas aos domingos havia esse serviço de exceção. E por isso o Luís vinha à Longra, pelo final da manhã (depois da tradicional missa das dez horas) e aproveitava, como gostava, de conviver com os amigos e mais amiúde comigo e com os que comigo andavam. Sendo assim por esse tempo que tantas vezes li os jornais semanais de Felgueiras, que saíam aos sábados e chegavam aos domingos pelo correio, normalmente, e também os diários do Porto, dos quais com cuidado tirávamos a fita de papel de fecho que tinha o endereço e depois de visto o que mais nos chamasse a atenção das páginas, um pouco à pressa, voltávamos a colocar como estava antes. Bem como depois, de tarde, quando o Luís folgava, vinha também até à Longra, antes da reza do terço, antes de voltar para ajudar na cerimónia. Sendo de uma dessas vezes que, convivendo connosco, no fim do almoço, fomos fotografados juntos, eu, o Luís, o meu irmão Fernando e o Rosário, aproveitando a passagem de um amigo que levava uma máquina fotográfica, indo para casa da namorada, e nós então estreamos esse rolo fotográfico antes da namorada (do amigo Fernando Carvalho, de Barrosas, que ia para Varziela…). Ficando daí essa pose fotográfica de amigos, em conjunto, para a posteridade. Que, depois da fotografia revelada, dias depois (como acontecia, ao tempo), eu guardei e tenho no meu primeiro álbum. E aqui dá jeito para ilustrar estas recordações.


Essa foto, captada quando os postes de iluminação pública da Longra eram ainda de barras de ferro (como se vê parcialmente um, ao lado, dos postes transformados dos antigos railes da linha do comboio que passou na Longra), mostra ainda, dentro da visualização possível, alguns aspetos antigos do Largo da Longra, como a casa da antiga oficina de bicicletas, acima da loja da Ramadinha (encoberta pelo muro da casa do talho), por exemplo.

Seguidamente, quando o Luís cresceu e com maior idade foi trabalhar para a Metalúrgica da Longra, deixando assim de ser sacristão, passou ele então a incluir o Grupo Coral da Liga Eucarística dos Homens de Rande, dos cantores que animavam as missas na igreja de Rande. Então substituiu-o seu irmão Adão como sacristão, a viver por conseguinte em casa do padre; ao qual acabou por suceder depois o Monteiro, um dos mais novos da família ao tempo residente na quintazinha do Rabelo de Rande, no lugar da Laje, numa época em que, ainda no tempo do Padre João, começou também a ajudar à missa como sacristão-acólito voluntário o senhor Joaquim Sampaio, do alto de Cimalhas da Longra. Enquanto em Sernande, paróquia vizinha e anexa a Rande desde 1911, havia normalmente um sacristão que era habitante vizinho da igreja. Situação que vigorava quando o Padre João Ferreira da Silva morreu, em 1973. Até que depois de entrado como administrador o Padre Joaquim Oliveira, pároco de Varziela e interino de Rande e Sernande, deixando de estar habitada a Residência Paroquial de Rande, a paróquia de Rande deixou de ter sacristão propriamente, ficando com essa função exclusiva de acólito o sr. Sampaio em Rande e Sernande. Mais tarde, a partir dos párocos sucessores nomeados, começando a haver os diversos grupos paroquiais saídos dos escalões da catequese, começou e passou a haver o agora habitual Grupo de Acólitos, de rapazes e raparigas, como na atualidade ainda. Mas, mesmo assim, durante algum tempo, enquanto lhe foi possível, com o Luís Peixoto a ser cara dos ajudantes, quanto a tomar conta de tudo o que se relacionasse com as celebrações e até das existências paroquiais, como elemento da Comissão Fabriqueira, depois Conselho Económico da Paróquia, tendo feito parte de equipas de mérito, entre as diversas valências do Conselho Paroquial da Pastoral de Rande.

Entretanto, ainda enquanto jovem, o Luís ficara ainda famoso também localmente como guarda-redes da equipa de futebol do Futebol Clube da Longra. Como consta no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, em diversas páginas e sobretudo na parte narrativa desse histórico clube desportivo. Assim como seu nome consta nas listas de diversos órgãos autárquicos, na sua ligação político-social à administração pública da freguesia de Rande, também descrita no mesmo livro historiador. Mas foi e é sobretudo a sua dedicação à paróquia que mais o faz homem da imagem coletiva da terra que nos une.

“Nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que vem da boca de Deus.” Quão tudo o que seja a louvar quem se dedica à comunidade merece palavras de apreço, embora humanas mas sinceras.

Armando Pinto

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