Espaço de atividade literária pública e memória cronista

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Júlio Dinis: Clássico da literatura portuguesa com afinidades felgueirenses...


Antigamente, como quem diz pelos finais dos anos sessentas e princípios da década de setenta, no século XX naturalmente, os estudantes de ensino liceal, sobretudo, andavam com uma capa, pequena capa de couro, a envolver os livros de estudo que levavam e traziam das aulas. Normalmente com a figura dum dos escritores clássicos da literatura portuguesa. Coisa anterior às mochilas de agora, e que naquele tempo eram moda leve, pois não convinha andar com muito peso. Sendo que a capa do autor destas linhas de recordação tinha a figura de Júlio Dinis em relevo.


Ora, Júlio Dinis, a par com Camilo Castelo Branco e também Eça de Queirós, era um dos favoritos de nossa apreciação literária. E como se sabe que ficou ligado memorialmente a Felgueiras, mais atenção merece sempre, de facto. Como há anos registamos em crónicas no Semanário de Felgueiras.

Pois então, o Dr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho, que em sua escrita literária usou o pseudónimo de Júlio Dinis, nascido no Porto, na antiga Rua do Reguinho, a 14 de novembro de 1839, faleceu na mesma cidade portucalense, à Rua Costa Cabral, numa casa que já não existe, a 12 de setembro de 1871 (faz anos agora, quando se evoca sua memória, neste caso). E, embora sem que tenha aludido diretamente o nome da terra, Felgueiras, há constatações de haver certa relação, pois que se sabendo ao certo que passou algumas temporadas na então vila de Felgueiras (na Casa do Curral, do seu amigo Dr. Magalhães Lemos), como tal deve ter sido influenciado por esse caso nalgumas passagens da sua obra literária.

Ressoa na tradição, transmitida pelos tempos fora, voz popular a dizer que aquele vulto da escrita foi inspirado no ambiente Felgueirense que apreciou, assim como possa haver escrito páginas neste remanso que lhe serviu de descanso retemperador de maleitas. Sem que isto possa confirmar a possibilidade de o escritor ter efetuado em Felgueiras qualquer parte da sua escrita em fase ordenada, mas que deve ter tomado anotações para posterior compilação entre o que memorizou de facetas que mais tarde discorreu. Nota-se na verdade o facto pelo que descreve nalguns romances, mormente em cenas campesinas mesmo coincidentes com esta região. Apesar de ser natural e residente do Porto, além de ter vivido algum tempo em Ovar, assim como noutras terras onde parou temporariamente, deixa transparecer forte ligação a esta zona interior nalgumas das suas novelas. Fazendo com que caiam pela base ideias de alguns seus biógrafos, atribuindo os aspetos rurais ao Minho, uns (talvez pela familiaridade de Entre Douro e Minho e ligação antiga), e outros à Beira Litoral, quando, por exemplo, casos há cujas escassas alusões das histórias descritas se passam no Douro Litoral, como se percebe nas páginas da “Morgadinha dos Canaviais”, espécime sublime de crónica de aldeia, sobretudo. Acontece até que nesse tempo a divisão administrativa era diferente, sendo então Felgueiras do Minho, pois só na década de trinta, do século XX, a partir de 1936, houve a separação do antigo Entre Douro e Minho, a nível civil (já que no âmbito religioso foi em 1881 que Felgueiras passou para a diocese do Porto). E quanto à escrita da “Morgadinha”, essa obra-prima da natural realidade rústica do seu tempo (corria 1868 quando foi publicada a 1ª edição, após ter vivido em Felgueiras em 1865, conforme registos em seus manuscritos), se pode dar a achega de que, por exemplo, numa passagem do episódio de abertura duma estrada na localidade que serviu de cenário, novidade da chegada de progresso com que os habitantes locais se viam confrontados, é indicado entre os inerentes benefícios da respetiva construção que ia passar a ser mais acessível o caminho para a feira de Penafiel – concorrida quer pelo S. Bartolomeu (“Bertolameu”, como se dizia) e pelo S. Martinho, como ainda a própria feira semanal bem apreciada na região - ao mesmo tempo em que ficou aludida a Corredoura, nome de lugar comum a várias freguesias do concelho de Felgueiras e simultaneamente um conhecido local desse tempo que fez parte da fisionomia do então rossio de Margaride... Assim como em freguesias do concelho de Felgueiras há algumas casas antigas chamadas de Mosteiro, como a que é referida na convivência fidalga em torno da Morgadinha. Aliás o mesmo médico-escritor estava em Felgueiras quando, segundo carta dirigida a seu pai em 24 de Julho de 1865 (incluída no seu espólio reunido em "Inéditos e Esparsos"), soube de sua nomeação para fazer parte do quadro profissional da Escola Médica do Porto. E, por outra missiva, enviada a Custódio Passos, faz alusão a umas eleições acontecidas em Felgueiras de tal forma que mais parece as que descreve no romance da “Morgadinha dos Canaviais”, depreendendo-se facilmente que nessa cena local por certo se baseou ou inspirou para o concludente relato transmitido do ambiente eleitoral da época (num tempo de curiosos hábitos, como pormenorizamos noutro artigo no SF, em texto sobre eleições)…

Armando Pinto

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domingo, 11 de setembro de 2016

A minha avó


Vem agora esta ideia de dedicar uma lembrança escrita, esta lembrança, a propósito de um texto que anda em diversas páginas da internet e tem sido partilhado no facebook. Por acaso um interessante naco de prosa que, contrariamente à maior parte do que costuma circular no espaço global, desperta atenção e transporta sentimentos de ternura.


Como tal, ao ler aquela mensagem, lembrei-me como algumas dessas passagens me diziam muito, fazendo lembrar-me de minha avó. A minha avozinha que recordei nas notas do texto de epílogo do livro da história da nossa região, no Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras; e especialmente num dos contos do livro Sorrisos de Pensamento. A minha avó paterna, com quem convivi meus primeiros anos e faleceu ainda durante a minha adolescência, da qual tenho uma imagem fotográfica, além do sorriso que retenho. Mais um documento da certidão de seu nascimento, ela que nasceu dentro dos muros do terreiro da Casa da Fonte, junto à casa onde também nasceu o famoso Padre Luís Rodrigues, como ela recordava, em Rande.

Assim sendo, eis o texto – que não é meu, mas de autor desconhecido, que o divulgou anonimamente pela Internet:

«Os avós nunca morrem, apenas ficam invisíveis…
Os avós que participam na infância dos seus netos deixam vestígios da sua alma, legados que irão acompanhá-los durante a vida como sementes de amor eterno para esses dias em que eles se tornam invisíveis.
Os avós nunca morrem, tornam-se invisíveis e dormem para sempre nas profundezas do nosso coração. Ainda hoje sentimos a falta deles e daríamos qualquer coisa para voltar a ouvir as suas histórias, sentir as suas carícias e aqueles olhares cheios de ternura infinita.
Sabemos que é a lei da vida, enquanto os avós têm o privilégio de nos ver nascer e crescer, nós temos que testemunhar o envelhecimento deles e o adeus deles ao mundo. A perda deles é quase sempre a nossa primeira despedida, e normalmente durante a nossa infância.
Hoje em dia é muito comum ver os avôs e as avós envolvidos nas tarefas de criança com os seus netos. Eles são uma rede de apoio inestimável nas famílias atuais. Não obstante, o seu papel não é o mesmo que o de um pai ou de uma mãe, e isso é algo que as crianças percebem desde bem cedo.
O vínculo dos avós com os netos é criado a partir de uma cumplicidade muito mais íntima e profunda, por isso, a sua perda pode ser algo muito delicado na mente de uma criança ou adolescente. 
Muitas pessoas têm o privilégio de ter ao seu lado algum dos seus avós até ter chegado à idade adulta. Outros, pelo contrário, tiveram que enfrentar a morte deles ainda na primeira infância, naquela idade em que ainda não se entende a perda de uma forma verdadeiramente real, e onde os adultos, em certas situações, a explicam mal na tentativa de suavizar a morte ou fazer de conta que é algo que não faz sofrer.
A maioria dos psicopedagogos diz de forma bem clara: devemos dizer sempre a verdade a uma criança. É preciso adaptar a mensagem à sua idade, sobre isso não há dúvidas, mas um erro que muitos pais cometem é evitar, por exemplo, uma última despedida entre a criança e o avô enquanto este está no hospital ou quando fazem uso de metáforas como “o avô está numa estrela ou a avó está dormindo no céu“. É preciso explicar a morte às crianças de forma simples e sem metáforas para que elas não criem ideias erradas. Se dissermos a elas que o avô foi embora, o mais provável é a criança perguntar quando é que ele vai voltar. É também importante ter em conta que a morte não é um tabu e que as lágrimas dos adultos não têm que ficar ocultas perante o olhar das crianças. Todos sofremos com a perda de um ente querido e é necessário falar sobre isso e desabafar. As crianças vão fazer isso no seu tempo e no momento certo, por isso, temos que facilitar este processo. As crianças irão nos fazer muitas perguntas que precisam das melhores e mais pacientes respostas. A perda dos avós na infância ou na adolescência é sempre algo complexo, por isso é necessário atravessar essa luta em família sendo bastante intuitivos perante qualquer necessidade dos nossos filhos.



Os avós, embora já não estejam entre nós, continuam muito presentes nas nossas vidas, nesses cenários comuns que partilhamos com a nossa família e também nesse legado verbal que oferecemos às novas gerações e aos novos netos e bisnetos que não tiveram a oportunidade de conhecer o avô ou a avó.
Os avós seguraram as nossas mãos durante um tempo, enquanto isso nos ensinaram a andar, mas depois, o que seguraram para sempre foram os nossos corações, onde eles descansam eternamente nos oferecendo a sua luz, a sua memória. A presença deles ainda mora nessas fotografias amareladas que são guardadas nos porta-retratos e não na memória de um celular. O avô está naquela árvore que plantou com as suas próprias mãos, e a avó no vestido que nos costurou e que ainda hoje temos. Estão no cheiro daqueles doces que habitam a nossa memória emocional. A sua lembrança está também em cada um dos conselhos que nos deram, nas histórias que nos contaram, na forma como amarramos os sapatos e até na covinha do nosso queixo que herdamos deles.
Os avós não morrem porque ficam gravados nas nossas emoções de um modo mais delicado e profundo do que a simples genética. Eles nos ensinaram a ir um pouco mais devagar e ao ritmo deles, a saborear uma tarde no campo, a descobrir que os bons livros têm um cheiro especial e que existe uma linguagem que vai muito mais além das palavras.
É a linguagem de um abraço, de uma carícia, de um sorriso cúmplice e de um passeio no meio da tarde compartilhando silêncios enquanto vemos o pôr do sol. Tudo isso perdurará para sempre, e é aí onde acontece a verdadeira eternidade das pessoas. No legado afetivo de quem nos ama de verdade e que nos honra ao recordar-nos a cada dia.»

Ora, recordando a minha avozinha, que está sempre presente em mim, lembro o tempo em que desapareceu de meus olhos, no ano em que foi captada a foto que aqui fica. Estando eu de gravata preta, como era uso ao tempo, precisamente de luto pelo falecimento de minha avó. Tinha 14 anos de idade e olhar distante. O cabelo revolto, na ocasião, foi por causa do vento, mas o semblante era da aragem desse tempo, então.

Armando Pinto


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terça-feira, 6 de setembro de 2016

Retalhos jornalísticos versando a figura do “Capitão-General sem medo" João Sarmento Pimentel


Dando sequência a alguns recortes vindos a propósito da evocação que será dirigida proximamente no Porto à memória de João Sarmento Pimentel (conforme se pode rever aqui num dos anteriores artigos deste blogue), recordamos desta feita mais dois artigos publicados no antigo jornal “Notícias de Felgueiras”, como se pode rever através de respigos que transcrevemos aqui e agora:

In NF de 11/12/1986:


e
NF de 22/10/1987


Relembre-se que João Sarmento Pimentel deixou na Gulbenkian, em Lisboa, um volume de atualização de suas Memórias, à guarda de seus amigos Jacinto Batista e do então presidente da Fundação Azeredo Perdigão, para publicaçãso após alguns anos de sua morte (como o próprio irmão, o Coronel Piloto-aviador Francisco referiu ao autor destas linhas em correspondência particular). Algo que tem tardado a ser dado à estampa, atendendo ao tempo entretanto já passado.

Armando Pinto

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domingo, 4 de setembro de 2016

Máquinas duma Vida em Fotos


Costuma-se dizer que recordar é viver. Mesmo sem ser mesmo assim, pois nem todos vivem da mesma forma e feitio, é certo que as fotos ajudam a fazer recordar, pelo menos. Em cujo universo de recordações constam as próprias máquinas que captaram essas imagens – como no caso das que, como tal, também se podem guardar, como recordação. Conforme as que usamos ao longo da vida, máquinas fotográficas analógicas (de modelos mecânicos, as antigas), agora já substituídas por uma pequena digital.

Pode pois, naturalmente, esta pequena coleção particular ser enfim uma forma de como se guardou uma vida em fotos…

Armando Pinto

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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Recordação Histórica sobre Votos Oficiais de Pesar por João Sarmento Pimentel


Na sequência do anterior artigo –  neste blogue "Longra Histórico-Literária"  sobre o nosso amigo (e correspondente do autor) ”Senhor Capitão da Torre”, como ao tempo era conhecido nesta região felgueirense e entre amigos como “João da Torre”, acrescentamos algo mais, em relevo à sua importância a nível nacional. Quanto a João Maria Ferreira Sarmento Pimentel, que participou como Cadete na implantação da República em 1910 e já como Capitão restaurou a República em 1919, ao comandar o golpe que derrotou a Monarquia do Norte, no Porto, onde depois também fez parte da tentativa de Fevereiro de 1927, até que teve de se radicar no Brasil, como exilado político. Mais tarde, já após o 25 de Abril de 1974, reabilitado como General.

Para o efeito, intercalado com ilustrações de recortes de notícia (do Jornal de Notícias de 15-10-1987). transcreve-se aqui, qual honrosa memória, o que foi publicado no Diário da República em 1987, a 17 de Outubro seguinte:

I Série - Número 11 Sábado, 17 de Outubro de 1987
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE OUTUBRO DE 1987
Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs.
Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Cláudio José dos Santos Percheiro
SUMÁRIO
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Foi aprovado um voto de pesar, apresentado pelo PS, pelo falecimento do general Sarmento Pimentel, após o que usaram da palavra os Srs. Deputados Sottomayor Cárdia (PS), Pedro Campilho (PSD), Maia Nunes de Almeida (PCP) e Vasco da Gama Fernandes (PRD).

« Srs. Deputados, vai ser lido um voto de pesar pelo falecimento do general Sarmento Pimentel, apresentado ontem na Mesa pelo Grupo Parlamentar do PS.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar
Faleceu o general Sarmento Pimentel, figura insigne de cidadão e de lutador indómito na defesa dos valores da liberdade e da democracia em Portugal. Com ele desaparece um dos últimos revolucionários da Rotunda, um homem que, através do seu exemplo de amor à Pátria e à liberdade, marcaria gerações de resistentes à ditadura.
Sarmento Pimentel bater-se-ia na Flandres, integrado no corpo expedicionário português, e enfrentaria com brio e coragem todas as tentativas restauracionistas, defendendo a República de armas na mão.
Depois da instauração da ditadura, participaria ainda na revolução do 3 de Fevereiro, conhecendo depois a amargura de um longo exílio no Brasil, sem nunca ter demonstrado uma hesitação, um desfalecimento, na defesa dos seus ideais de justiça e liberdade. Seria o 25 de Abril libertador que o faria rever a sua pátria e que lhe faria público testemunho do agradecimento dos Portugueses pelo estoicismo e pelo mérito da sua luta de tantos anos.
Sarmento Pimentel seria então promovido a general e, posteriormente, agraciado com a Ordem da Liberdade. Mas Sarmento Pimentel não foi apenas um grande lutador antifascista, foi igualmente o homem de cultura, fundador da Seara Nova e escritor de talento.
Faleceu um grande português cujo exemplo de cidadania e de coragem a Assembleia da República, uma vez mais, sublinha, manifestando aqui o seu sentido pesar à família e prestando o seu preito de homenagem à sua memória.

Srs. Deputados, vamos votar este voto.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Extinguir-se longe da Pátria, ao cabo de quase ininterrupta ausência de seis décadas, aos 98 anos de idade e em perfeita lucidez, e ser orgulhosamente recordado e comovidamente enaltecido por várias gerações de amigos e de amigos de amigos - não é verdadeiramente morrer. Admitamos, todavia, que é. Quando um amigo morre, é nossa obrigação ressuscitá-lo - gritou José Gomes Ferreira. Ressuscitar João Sarmento Pimentel constitui dever que muitos de nós pode cumprir com aliciante facilidade. Mais do que dizer-lhe um adeus, que talvez se moldasse mal à sua personalidade, o que ora fazemos é iniciar a comemoração do centenário do nascimento do combatente e intelectual ou, com maior precisão, do herói e do escritor.
A vida de Sarmento Pimentel pertence à história da República e da liberdade em Portugal. Interveniente no 5 de Outubro de 1910, comportou-se como um jovem generoso, que, à semelhança de todos os companheiros, nada pediu e nada obteve em troca senão os abraços dos amigos. Oficial ao serviço de uma política de autonominação das colónias africanas e combatente no Sul de Angola e nos campos da Flandres, na guerra de 1914-1918, foi um profissional corajoso e um português de bem com a sua consciência. Comandante das tropas que restauraram a República no Porto em 13 de Fevereiro de 1919, afirmou-se como um protagonista da história capaz de se bater de armas na mão pelas convicções políticas que apaixonadamente viveu. Militar destacado, revolucionário vitorioso e republicano muito conhecido, passou, aos trinta e poucos anos, à situação de licença ilimitada, no posto de capitão, por se considerar mais útil na actividade empresarial do que na profissão que escolhera e em que triunfara. Eis certamente alguém com autoridade para propor que se aliviasse o Orçamento do Estado desse «cancro roedor», «pagando bem aos que podem servir a causa da Pátria na força armada e pondo noutros serviços públicos ou particulares os que nela são bocas inúteis» (Seara Nova, n.º 29), e para se insurgir contra a politização das Forças Armadas. Eis alguém comprovadamente qualificado para reclamar que o Exército fosse colocado ao serviço do ensino elementar dos sargentos e praças e para preconizar que não fosse licenciado do serviço militar quem não soubesse ou não tivesse aprendido a ler, escrever e manejar a aritmética (Seara Nova, n.º 36). Efemeramente passou pelos corredores do Poder, na qualidade de chefe de gabinete do ministro Ezequiel de Campos, que, em 1924, tentou lançar os alicerces de uma reforma agrária.
Afastado da carreira militar, Sarmento Pimentel regressou à vida das armas para acompanhar Jaime Cortesão, Jaime de Morais e José Domingues dos Santos na responsabilidade pela proclamação revolucionária de 3 de Fevereiro de 1927. Por puro espírito de solidariedade com os correlegionários e quase sem esperança no êxito da tentativa.
A sua acção no Brasil como figura tutelar dos democratas portugueses exilados e como conspirador activo tem sido unanimemente reconhecida e enaltecida por quem a viveu e disso se encontra prova bastante, por exemplo, na correspondência trocada nesses anos com outro grande conspirador, o filósofo António Sérgio, exilado em Paris. Foi na cabeça, no coração e na vontade de homens destes que, quase meio século antes, nasceu o 25 de Abril de 1974.
No exílio brasileiro Pimentel confirmou os seus ideais de justiça e solidariedade, aderindo mais tarde à ASP e subsequentemente ao PS. Nunca esmoreceu na denúncia do «fradalhão de Santa Comba», como se habituou a chamar-lhe. Esse que «ensanguentou as colónias gastando», como disse Sarmento Pimentel, «milhões e mandou prender, deportar e assassinar os que contestavam a vigarice da sua sabedoria política, do seu génio financeiro e da sua hipócrita humildade» (Portugal Socialista, de 24 de Outubro de 1984).
As palavras transcritas poderão hoje ferir um certo entendimento da elegância política. Mas a dureza metafórica do epíteto exprime um temperamento literário que é outra face de uma íntegra personalidade moral, de uma persistente força da natureza, de uma indomável individualidade cívica. É do falar claro de gente assim que podemos colher alguma credível lição prática de salutar individualismo. Homem de cultura, membro de um dos primeiros elencos directivos da Seara Nova, em 1924, Sarmento Pimentel tornou-se, com o rodar dos anos, uma singularíssima figura literária, como se comprova nas Memórias do Capitão (1963) e no longo diálogo com Norberto Lopes publicado em 1976 sob a epígrafe Sarmento Pimentel ou Uma Geração Traída. Quem sou eu para falar do escritor Sarmento Pimentel! Permiti-me por isso que vos recorde Vitorino Nemésio. Depois de classificar as Memórias como «obra-prima do género em Portugal e no Brasil», Nemésio sublinha o «apego de Sarmento Pimentel à terra e à grei nortenhas» e escreve textualmente: «O mundo dos seus antepassados transmontanos ata-se maravilhosamente ao de Camilo. Não é vivido com menos força evocativa.» E Jorge de Sena afirma que: «Eu tenho para mim que estas Memórias hão-de ser tidas -quando apenas ficar delas a beleza estética e moral das suas páginas - por uma das obras raras da literatura portuguesa; e que se houver no futuro um gosto da viril franqueza que não exclua sensibilidade fina e discreta, e se voltar a haver, por sobre as divergências de opinião e de crença, qualquer coisa que se pareça com educação cívica, trechos delas serão lidos nas escolas, como exemplos de integridade, destemor e apaixonada dedicação pela Pátria e pela Vida.»
Anos volvidos, Jorge de Sena completou a sua avaliação da figura de Sarmento Pimentel: «É das mais nobres e íntegras personalidades que na vida me tem sido dado conhecer» (Diário Popular, de 1 de Agosto de 1974).
Não tive a felicidade de privar com Sarmento Pimentel, mas nunca esquecerei a terrível juventude do homem que conheci aos 86 anos nem as horas que uma tarde passámos num restaurante médio da Avenida de Roma e a variedade de coisas de que me falou nesses tempos tão próximos e tão distantes do imediato pós-Abril.
Alguém, por brincadeira, perguntou um dia a Sarmento Pimentel como era possível um aristocrata, de tal modo cioso da estirpe dos avoengos, ter-se convertido em tão estrénuo republicano. «Ora essa», terá respondido, «já havia Pimentéis antes de haver reis de Portugal. A nossa terra já era, na verdade, habitada por um povo valente e frontal antes de a república portucalense e lusitana se haver organizado como monarquia independente.»
Terá acaso sido também um dos sentidos da diversidade de homenagens que o Estado Português lhe prestou após Abril, a derradeira das quais foi a visita que em sua casa de São Paulo lhe fez o Presidente Mário Soares quando há poucos meses visitou oficialmente o Brasil.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Campilho.

O Sr. Pedro Campilho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD não podia deixar de expressar o seu mais profundo pesar pela morte do comandante João Sarmento Pimentel (como gostava de ser tratado).
Trata-se de uma grande figura da nossa história; a sua morte é uma irremediável perda para o País.
Como oficial do Exército, pela sua actuação, sempre brilhante e dedicada, desde as campanhas de África, onde ganhou a sua Torre e Espada, à cidade do Porto, onde, em 1919, defendia a República da mesma denominada forma como, em 1910, por ela tinha lutado na Rotunda.
Como político defendeu empenhadamente os ideais democráticos que o levaram ao exílio.
Logo em 1927 participou na conspiração contra o regime implantado em 1926.
Em 1931 instalou-se na Galiza, para entrar na conspiração republicana para o derrube da ditadura.
Em toda a sua determinação em prol da restauração da democracia em Portugal voltou com enorme alegria ao País em 1974, sendo disso testemunho todas as suas intervenções.
Quis, porém, o destino que voltasse ao que chamava o seu «exílio voluntário». Quais as razões que a isso o moveram? Talvez um dia as venhamos a conhecer.
Mas de um seu sentimento profundo não tenhamos dúvidas: o comandante Sarmento Pimentel foi um feroz defensor da democracia, tanto como implacável inimigo de qualquer ditadura.
O seu valor como escritor dizem-no os seus escritos na Seara Nova; revelam-no as suas magníficas Memórias.
Jorge de Sena, entre outras afirmações, fez aquela que já aqui foi referida pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, mas que entendo não ser de mais repetir: «Eu tenho para mim que estas Memórias hão-de ser tidas - quando apenas ficar delas a beleza estética e moral das suas páginas - por uma das obras raras da literatura portuguesa; e que se houver no futuro um gosto da viril franqueza que não exclua sensibilidade fina e discreta, e se voltar a haver, por sobre as divergências de opinião e de crença, qualquer coisa que se pareça com educação cívica, trechos delas serão lidos nas escolas, como exemplos de integridade, destemor e apaixonada dedicação pela Pátria e pela Vida.»
Como homem de família, «o nosso clã», como gostava de repetidamente referir, lega exemplo inesquecível, pela verticalidade constantemente assumida e pelas atitudes tomadas e repetidas, dignas do grande homem que foi em toda a profunda dimensão da sua rica personalidade.
Tudo isto digo-o com enorme respeito, fruto de uma prolongada amizade, vivida quase dia a dia, como testemunhos que considero inesquecíveis e em muito ultrapassavam os laços familiares que nos uniam.
Não podemos, no entanto, terminar sem apresentar ao Partido Socialista, partido de que se considerava militante, os nossos mais sentidos votos de pesar.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP associa-se sentidamente ao voto de pesar apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS pelo falecimento do general Sarmento Pimentel, figura ilustre da primeira República e destacado militante pela liberdade.
O voto hoje aprovado assume um significado muito particular: a Assembleia da República decidiu assim prestar justa homenagem a esta grande figura de republicano e democrata.
Herói republicano da Rotunda, exilou-se no final dos anos 20, escapando à perseguição contra ele movida pelo regime ditatorial implantado em 28 de Maio de 1926.
Em 1919, durante o movimento militar que proclamou a monarquia no Porto, Sarmento Pimentel, na altura capitão, está à frente das forças que restauraram a República naquela cidade. Em 1927, e inconformado com a ditadura militar, participa num golpe de Estado que facassa, sendo demitido das Forças Armadas e obrigado a exilar-se com a família no Brasil. Homem de cultura, foi director e colaborador da revista Seara Nova.
Depois do 25 de Abril, devido ao papel que desempenhou em diferentes combates contra o regime fascista que oprimia o povo português, Sarmento Pimentel foi integrado no exército pelo Conselho da Revolução, tendo sido promovido sucessivamente a coronel e a general e condecorado com a Ordem da Liberdade.
O general Sarmento Pimentel deixa o seu nome ligado à luta pela liberdade, pela democracia, enfim, ao 25 de Abril.
Com o voto aprovado fica marcada na história da Assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses a figura insigne deste grande homem que foi o general Sarmento Pimentel.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Presidente, como é a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, dirijo a V. Ex.ª os meus cumprimentos afectuosos e a toda a Câmara os protestos da minha alta consideração.
Talvez seja o único aqui dos presentes - e digo «talvez», porque não tenho a certeza - que conviveu com Sarmento Pimentel.
Conheci-o em 1958, no seu exílio no Brasil; mais tarde tive vários contactos com ele em Portugal, quando ele vinha em romagem de homenagem à República nos célebres jantares de Alenquer, e tive um ou outro encontro com ele, verdadeiramente acidental, durante o meu exílio em Espanha.
Não conheci até hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, alguém a quem se pudesse aplicar esta expressão: «Sarmento Pimentel era dos homens que tinha a República no coração e a inteligência na própria pele.»
Era um republicano jovem que foi para a Rotunda e já mais tarde, em 7 de Fevereiro, bateu-se bravamente no Porto, acabando por emigrar. Porém, antes disso, tomou parte na reimplantação da República no Porto, após a incursão monárquica de Paiva Couceiro, até que acabou, em virtude das circunstâncias, por ter de procurar o exílio, primeiro em França e depois no Brasil.
Do Brasil sei eu da sua vigília constante. Dava-me notícias dela sempre que podia, através das formas clandestinas com que estas coisas chegavam a Portugal durante o tempo de Salazar. Sabia, perfeitamente, da sua vigília constante a favor das liberdades públicas, no protesto veemente, viril e constante - repito - contra os malefícios da ditadura. Foi solidário, fraternalmente solidário, com os seus camaradas exilados; ajudou-os em todas as vicissitudes.
Sarmento Pimentel foi um autêntico homem na extensão que se pode dar à palavra «homem». Suponho que nenhum dos senhores aqui presentes estará mais comovido do que eu ao curvar-se muito sentidamente ante a memória desse grande português.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca e a Sr.ª Deputada Maria Santos informaram a Mesa de que apresentarão uma declaração de voto por escrito.»


ARMANDO PINTO
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sexta-feira, 19 de agosto de 2016

“João da Torre”, o Comandante Sarmento Pimentel – Um dos Cadetes da Rotunda do 5 de Outubro de 1910, principal herói da derrota da Monarquia do Norte em 1919 e popularmente conhecido como “Capitão sem medo"


No dia 17 de setembro, à noite, vai ter lugar um encontro no Ateneu Comercial do Porto para falar sobre João Sarmento Pimentel, famoso Capitão que foi considerado sem medo por ter conseguido derrotar a Monarquia do Norte, motivo porque foi agraciado com a Espada de Honra da cidade do Porto e condecorado com a comenda da Torre e Espada da nação. Até que mais tarde foi figura de proa na luta contra o regime do Estado Novo. Tendo sido injustiçado pela propaganda do mesmo antigo regime político, nomeadamente com a propagação popular inventada contra a sua figura, só após o 25 de Abril foi um pouco reabilitado com promoção ao posto de General e reconhecimento público através de condecoração com a Ordem da Liberdade.  

O referido encontro versará em torno da figura do mesmo autor das “Memórias do Capitão”, em género de tertúlia de conferencistas interessados no tema, além de estudiosos e admiradores desse quase lendário personagem da história pátria. Estando em marcha inerente reunião de trabalhos para futura publicação num chamado Projeto «Sarmento Pimentel».

Na linha dessa louvável memorização, recordamos o famoso Capitão João Sarmento Pimentel com colocação de imagens digitalizadas das páginas que lhe dedicamos também no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, publicado em 1997. Sendo o Capitão-General João Sarmento Pimentel um dos nomes toponímicos da região felgueirense, como entretanto está homenageado com nome de ruas, quer na cidade de Felgueiras como na freguesia de Rande, no concelho de Felgueiras. Na afetividade à sua proveniência familiar e residência, sendo tratado por João da Torre, como o próprio referiu nas suas Memórias, pelo conhecimento popular relacionado à sua casa-mãe  onde vivia nesta região.

Além do que foi descrito sobre o mesmo João Pimentel nos capítulos em que ficou historiada a ligação da família da Torre com a própria freguesia e região, mais na história da Casa da Torre, bem como na crónica sentimental sobre a "Menina de Rande" Guilhermina Mendonça e na biografia do irmão Francisco, o aviador que efetuou a primeira travessia aérea de Portugal à Índia, ficou então sobre o simpático João Sarmento Pimentel algo assim conforme se deixou fluir em cinco páginas a ele dedicadas no "Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras":


Armando Pinto

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sábado, 13 de agosto de 2016

Extrato duma crónica sintomática…


Em tempo de crise de valores, corrupção política e monetária, com olhares interesseiros e vis conseqências de tais caráterísticas atuais e recentes… 

Eis uma crónica que se respiga do Semanário de Felgueiras, edição de 12 de Agosto de 2016, em sua parte mais chamativa à realidade…

- Moral da história? Algo terá de ter consequências…!!! Seja olhando aos culpados desses tempos, José Sócrates, Passos Coelho, Paulo Portas e Miguel Relvas, como aos atuais da geringonça António Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Mortágua, etc. a nível nacional, até aos QUE A NÍVEL CONCELHIO E LOCAL FICARÃO PARA SEMPRE ASSOCIADOS A ESTA FANTOCHADA… SE CONTINUAR ASSIM.

a)

Armando Pinto

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