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sábado, 11 de janeiro de 2025

De vez em quando... Uma figura da Memória Coletiva Longrina: o senhor Cardoso da Loja da Ramadinha

No semblante do tempo passam memórias que percorrem o azul celeste das lembranças, como por vezes se deparam ao longe, nos confins dos tempos, resquícios da memória comum. Quão se perfilam nuvens que passam diante dos olhos do pensamento, como figuras a clamar por lembrança, desde lá longe, ao cair dos dias passados, desde lá de longe quando foram conhecidos. Como lembram pessoas que fazem parte das histórias locais, contadas pelos antepassados sobre seus avoengos e coevos personagens de tempos de avós e bisavós. Vindo à frente de todo o meu pensamento a minha avó, mãe do meu pai, a avozinha Júlia (de Jesus Pinto), que fez parte da minha infância e me contava histórias, que eu ouvia junto à sua cama de sofrimento, paralítica que estava desde meus primeiros meses e desde aí me embalou os sentimentos. Seguindo-se outras pessoas que conheci apenas de ouvir falar, como antigamente nos serões à lareira os meus tios Zé Moreira e sua mulher, a minha tia Mília, traziam ao conhecimento vindouro algumas pessoas de seus tempos, algo complementar ao que também eu ouvia de meus pais. E assim pessoas que outrora viveram na terra em que vivemos ainda continuam vivas nas memórias, do que é possível continuar a contar e avivar.

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Vem então, desta vez, a calhar lembrar um senhor que foi conhecido e era muito respeitado na Longra de tempos de meus avós. Que mesmo minha mãe por vezes referia, porque na família dela, de seus tempos de infância e juventude, ele era tratado por tio – o senhor Cardoso da loja da Ramadinha da Longra. O Tio Cardoso, para a família ancestral do lado de minha mãe, pela linha familiar de sua mãe, a minha avó Rosa (Moreira de Magalhães), afilhada de uma sua tia, Rosa, que era irmã do senhor Cardoso.

O senhor Cardoso, Joaquim Cardoso, descendia duma ancestral família provinda de António Cardoso Sampaio e Matilde Moreira d’ Amorim. Derivando, pelos tempos adiante suas descendentes Quitéria Sampaio e Maria Josefa de Amorim, que viveram no “Lugar da Longra”, sendo que a família ali viveu desde o fim do século XVIII, pelo menos. Onde foi estabelecido o negócio familiar da famosa Loja da Ramadinha, estabelecida em tempos seguintes. Remontando essa árvore genealógica à tradição de ter havido umas duas irmãs na Longra, conhecidas por Longras, de cujo cipoal era a maioria da terra da localidade. Como está descrito no conto “Alfa e Ómega Dos Confins da História da Longra”, no pequeno livro de reportagem da “Elevação da Longra a Vila”, publicado em 2003. Enquanto essa família das “Longras”, depois de uma ter casado, derivou numa descendência de diversas filhas, que por sua vez dividiram terrenos na Longra e construíram casas familiares, com seus quintais, etc. e tal…

O senhor Cardoso, Joaquim Cardoso da Longra, que inicialmente aparecia chamado de Joaquim Cardoso d’Amorim”, depois adotou o nome Joaquim Cardoso de Sampaio. Coisas desses tempos de registos feitos pelo pároco (naqueles tempos in Registos Paroquiais) e pelo tempo adiante alterados ou acrescentados (sabendo-se que só com a República, ou seja após a primeira década do século XX, passou a haver Registo Civil oficial). Tinha uma irmã chamada Rosa, que em 1885 foi a primeira pessoa a ser sepultada no cemitério de Rande, conforme registo feito pelo pároco, ao tempo o “Padre de Santiago”, Padre António Dias Peixoto d’ Azevedo (quando até 1884 as pessoas de Rande eram e foram sepultadas ou dentro da igreja paroquial ou fora no seu adro, até ter sido edificado o cemitério, pela obrigação saída da lei da saúde pública… mas isso são histórias paralelas, que por acaso estão referidas no volumoso livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras", publicado em 1997). Gente da linhagem antiga que deu origem aos Moreiras, e por aí adiante. Com a curiosidade de haver pelas gerações sucessivas nomes que se foram sucedendo também como Rosa e Matilde, por exemplo. Mas isso são outras histórias, também.

No que vem ao caso e toca de referir, desta vez, é o facto desse senhor Cardoso haver sido pessoa de realce na Longra, com sua Loja da Ramadinha, típica casa de pasto e tasca regional, com serviço de venda de vinho e produtos alimentares, tendo de um lado a loja das pipas e balcão de assento de comensais de petiscadas, mais mesas e bancos de refeições a jornaleiros e diárias a trabalhadores locais e do outro lado uma mercearia de vendas de produtos diversos. Perdurando na transmissão oral contada algumas histórias de como o senhor Cardoso sabia dar a volta a quem pretendesse ficar a dever… de compradores a fiado, como se dizia.

A loja da Ramadinha, como exemplo de sua importância, era local de convivência da terra. Ao género dos cafés da atualidade. Então era onde se sabiam novidades e discutiam assuntos da terra. Como no livro “Memórias do Capitão”, de João Sarmento Pimentel, está descrito (no capítulo “Guilhermina”) que aquando da morte da Menina de Rande, falecida com aura de santidade em 1912, como faz parte da memória coletiva, soube-se a notícia pelas redondezas… Uns de modos diversos e «outros souberam-no pelo recoveiro do carro da carreira, que apanhou a informação no tasco do Cardoso da Longra, e a foi levando aumentada, a ponto de chegar a Alentém e dizer que “a filha dos fidalgos de Rande morreu há questão duma hora”…» Ora sabendo-se como Alentém é já perto de Caíde, nota-se algo mais do alcance dessa convivência… na Ramadinha do senhor Cardoso da Longra.

= Pose familiar, estando o senhor Cardoso ao cimo e ao centro, com seu filho Avelino ao lado (à esquerda da imagem), mais filhas e netas, além de outras pessoas da família.

Era o sr. Cardoso casado com Maria de Jesus Dias Azevedo, da família da Casa de Santiago, também da mesma freguesia de Rande, entretanto falecida ainda na flor da vida, com 33 anos, e depois ele nunca mais se casou, tendo passado a viver para a sua família de casa. De sua prole teve um filho Avelino, que emigrou para o Brasil no início do século XX (em 1905, mais precisamente, depois que a mãe faleceu em 1902), onde prosperou em São Paulo, em cuja grande cidade tinha um café chamado Portuense. E, o sr. Cardoso, teve mais três filhas, uma das quais a célebre "Se’ Marquinhas", Maria Cardoso, que continuou o negócio do pai, junto com seu marido, o tão simpático senhor Manuel Gonçalves. Pessoas que lembro no livro “Sorrisos de Pensamento”, no conto “Loja da Ramadinha”. Em cuja oportunidade de evocação de tempos idos da Longra, através de contos com fundo realista por histórias ouvidas, ficou descrito algo do senhor Cardoso, opulento personagem da Longra pela transição dos séculos XIX e XX. Um senhor de compleição física robusta e muito respeitado na Longra desses tempos imemoriais.

= Pose fotográfica da família do senhor Cardoso da Longra, em frente à loja da Ramadinha, como se percebe pelas videiras rentes à parede da casa,que formavam a pequena ramada existente durante muitos anos. Estando o senhor Cardoso em primeiro plano, na frente, rodeado por suas netas, filhas da Se' Marquinhas, ou seja de Manoel Gonçalves e Maria Cardoso (Maria Isaura, a D. Isaurinha, à esquerda, e sua irmã Maria Amélia, à direita). Em cima estão, à esquerda, Manoel Gonçalves e Maria Cardoso (senhor Manelzinho e Se’ Marquinhas); no centro acima, Rosa Cardoso (filha mais velha de Joaquim Cardoso); e à  direita Anna Cardoso e Afonso Ribeiro Pereira (da Arcela).


 Armando Pinto
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