No semblante do tempo passam memórias que percorrem o azul
celeste das lembranças, como por vezes se deparam ao longe, nos confins dos
tempos, resquícios da memória comum. Quão se perfilam nuvens que passam diante
dos olhos do pensamento, como figuras a clamar por lembrança, desde lá longe,
ao cair dos dias passados, desde lá de longe quando foram conhecidos. Como
lembram pessoas que fazem parte das histórias locais, contadas pelos
antepassados sobre seus avoengos e coevos personagens de tempos de avós e
bisavós. Vindo à frente de todo o meu pensamento a minha avó, mãe do meu pai, a
avozinha Júlia (de Jesus Pinto), que fez parte da minha infância e me contava
histórias, que eu ouvia junto à sua cama de sofrimento, paralítica que estava
desde meus primeiros meses e desde aí me embalou os sentimentos. Seguindo-se
outras pessoas que conheci apenas de ouvir falar, como antigamente nos serões à
lareira os meus tios Zé Moreira e sua mulher, a minha tia Mília, traziam ao
conhecimento vindouro algumas pessoas de seus tempos, algo complementar ao que
também eu ouvia de meus pais. E assim pessoas que outrora viveram na terra em
que vivemos ainda continuam vivas nas memórias, do que é possível continuar a
contar e avivar.
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Vem então, desta vez, a calhar lembrar um senhor que foi
conhecido e era muito respeitado na Longra de tempos de meus avós. Que mesmo
minha mãe por vezes referia, porque na família dela, de seus tempos de infância
e juventude, ele era tratado por tio – o senhor Cardoso da loja da Ramadinha da
Longra. O Tio Cardoso, para a família ancestral do lado de minha mãe, pela
linha familiar de sua mãe, a minha avó Rosa (Moreira de Magalhães), afilhada de
uma sua tia, Rosa, que era irmã do senhor Cardoso.
O senhor Cardoso, Joaquim Cardoso, descendia duma ancestral família
provinda de António Cardoso Sampaio e Matilde Moreira d’ Amorim. Derivando,
pelos tempos adiante suas descendentes Quitéria Sampaio e Maria Josefa de
Amorim, que viveram no “Lugar da Longra”, sendo que a família ali viveu desde o
fim do século XVIII, pelo menos. Onde foi estabelecido o negócio familiar da
famosa Loja da Ramadinha, estabelecida em tempos seguintes. Remontando essa árvore
genealógica à tradição de ter havido umas duas irmãs na Longra, conhecidas por
Longras, de cujo cipoal era a maioria da terra da localidade. Como está descrito
no conto “Alfa e Ómega Dos Confins da História da Longra”, no pequeno livro de
reportagem da “Elevação da Longra a Vila”, publicado em 2003. Enquanto essa
família das “Longras”, depois de uma ter casado, derivou numa descendência de
diversas filhas, que por sua vez dividiram terrenos na Longra e construíram casas
familiares, com seus quintais, etc. e tal…
O senhor Cardoso, Joaquim Cardoso da Longra, que inicialmente
aparecia chamado de Joaquim Cardoso d’Amorim”, depois adotou o nome Joaquim
Cardoso de Sampaio. Coisas desses tempos de registos feitos pelo pároco (naqueles
tempos in Registos Paroquiais) e pelo tempo adiante alterados ou acrescentados
(sabendo-se que só com a República, ou seja após a primeira década do século XX,
passou a haver Registo Civil oficial). Tinha uma irmã chamada Rosa, que em 1885
foi a primeira pessoa a ser sepultada no cemitério de Rande, conforme registo feito
pelo pároco, ao tempo o “Padre de Santiago”, Padre António Dias Peixoto d’ Azevedo (quando até 1884 as pessoas de Rande eram e foram sepultadas ou dentro da igreja
paroquial ou fora no seu adro, até ter sido edificado o cemitério, pela
obrigação saída da lei da saúde pública… mas isso são histórias paralelas, que
por acaso estão referidas no volumoso livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes
de Felgueiras", publicado em 1997). Gente da linhagem antiga que deu origem aos
Moreiras, e por aí adiante. Com a curiosidade de haver pelas gerações sucessivas
nomes que se foram sucedendo também como Rosa e Matilde, por exemplo. Mas isso
são outras histórias, também.
No que vem ao caso e toca de referir, desta vez, é o facto
desse senhor Cardoso haver sido pessoa de realce na Longra, com sua Loja da
Ramadinha, típica casa de pasto e tasca regional, com serviço de venda de vinho
e produtos alimentares, tendo de um lado a loja das pipas e balcão de assento de
comensais de petiscadas, mais mesas e bancos de refeições a jornaleiros e diárias
a trabalhadores locais e do outro lado uma mercearia de vendas de produtos
diversos. Perdurando na transmissão oral contada algumas histórias de como o senhor
Cardoso sabia dar a volta a quem pretendesse ficar a dever… de compradores a
fiado, como se dizia.
A loja da Ramadinha, como exemplo de sua importância, era
local de convivência da terra. Ao género dos cafés da atualidade. Então era onde se sabiam
novidades e discutiam assuntos da terra. Como no livro “Memórias do Capitão”, de
João Sarmento Pimentel, está descrito (no capítulo “Guilhermina”) que aquando
da morte da Menina de Rande, falecida com aura de santidade em 1912, como faz
parte da memória coletiva, soube-se a notícia pelas redondezas… Uns de modos diversos
e «outros souberam-no pelo recoveiro do carro da carreira, que apanhou a
informação no tasco do Cardoso da Longra, e a foi levando aumentada, a ponto de
chegar a Alentém e dizer que “a filha dos fidalgos de Rande morreu há questão
duma hora”…» Ora sabendo-se como Alentém é já perto de Caíde, nota-se algo mais
do alcance dessa convivência… na Ramadinha do senhor Cardoso da Longra.
Era o sr. Cardoso casado com Maria de Jesus Dias Azevedo, da
família da Casa de Santiago, também da mesma freguesia de Rande, entretanto falecida
ainda na flor da vida, com 33 anos, e depois ele nunca mais se casou, tendo passado
a viver para a sua família de casa. De sua prole teve um filho Avelino, que
emigrou para o Brasil no início do século XX (em 1905, mais precisamente, depois
que a mãe faleceu em 1902), onde prosperou em São Paulo, em cuja grande cidade tinha
um café chamado Portuense. E, o sr. Cardoso, teve mais três filhas, uma das quais a célebre "Se’
Marquinhas", Maria Cardoso, que continuou o negócio do pai, junto com seu marido, o tão simpático
senhor Manuel Gonçalves. Pessoas que lembro no livro “Sorrisos de Pensamento”,
no conto “Loja da Ramadinha”. Em cuja oportunidade de evocação de tempos idos
da Longra, através de contos com fundo realista por histórias ouvidas, ficou
descrito algo do senhor Cardoso, opulento personagem da Longra pela transição dos
séculos XIX e XX. Um senhor de compleição física robusta e muito respeitado na
Longra desses tempos imemoriais.
= Pose fotográfica da família do senhor Cardoso da Longra, em frente à loja da Ramadinha, como se percebe pelas videiras rentes à parede da casa,que formavam a pequena ramada existente durante muitos anos. Estando o senhor Cardoso em primeiro plano, na frente, rodeado por suas netas, filhas da Se' Marquinhas, ou seja de Manoel Gonçalves e Maria Cardoso (Maria Isaura, a D. Isaurinha, à esquerda, e sua irmã Maria Amélia, à direita). Em cima estão, à esquerda, Manoel Gonçalves e Maria Cardoso (senhor Manelzinho e Se’ Marquinhas); no centro acima, Rosa Cardoso (filha mais velha de Joaquim Cardoso); e à direita Anna Cardoso e Afonso Ribeiro Pereira (da Arcela).
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