Estamos em tempo do tradicional canto popular das Janeiras,
na entoação visitante às casas de gente conhecida e entre amigos, através de
grupos formados de diversas maneiras e feitios. Incluindo desde há anos as
andanças de agrupamentos organizados, como Ranchos e formações tendentes à
angariação de verbas. Com acrescento de recriação folclórica, embora nem sempre
condizente à realidade, visto antigamente ser gente do povo que costumava andar
a cantar nesse fito das visitas de casa e casa, não se entendendo por isso como
aparecem trajes domingueiros e de
pessoas ricas em tal coreografia revivalista, atualmente.
Olhando a toda a envolvência relacionada, na pertinência da
época, recordamos aqui um dos textos em tempos já publicados num artigo pessoal
no Semanário de Felgueiras e de permeio também vindo a público noutra
publicação:
Cantares de Janeiras e Reis
Começando pelo princípio do ano, debruçamo-nos de início,
ainda que levemente, sobre os tão antigos cantares de Janeiras e Reis.
Passados os festejos natalícios, comido o bacalhau e as
batatas da consoada, com a árvore decorativa a representar como que uma réstia
do antigo cepo que ardia nos adros das igrejas em noite de missa do galo, e com
a passagem de ano, tempo de beijar comunitariamente ainda os pés do Menino no
fim das missas, chega a vez das Janeiras e complementares cantares dos Reis.
Costume de influência importante noutras eras, teve formas variadas conforme as
terras, por esse país fora, e também no nosso ambiente concelhio. Maneira essa
de convívio que mais não é que um velho uso, deveras misturado num apego
religioso revestido com sabor popular, vulgo pagão.
Segundo estudiosos eminentes da matéria, do que fomos lendo
algures e anotando há longo tempo, essas reuniões de grupos de amigos,
familiares e vizinhos, que iam às portas uns dos outros entoar as “boas
entradas”, é uma usança derivada das “Saturnais”, festas clássicas celebradas
pelo povo romano e romanizado em honra de Saturno, festividade relacionada com
os segredos da crença popular comum à agricultura. Folganças aquelas realizadas
por alturas das calendas de Janeiro e com a particularidade de que durante tal
período desapareciam as distinções sociais.
Na antiguidade, conforme ainda algo que chegou transmitido
através de alguns estudos historiadores, reuniam-se ranchos de gente, formando
grupos de cada lugar ou famílias, os quais a partir da noite de ano novo
percorriam as casas das pessoas mais gradas a desejar-lhes as boas festas,
juntando-se por fim todos os da mesma freguesia num local tradicional,
normalmente no adro ou proximidade da igreja paroquial, acabando ao calor do
que restara do tronco da fogueira de natal a cantarem, ora ao desafio ou todos
juntos.
A respetiva campanha, conforme a definição mais conhecida, é
efetivamente uma tradicional manifestação de cultura popular de origem pagã,
consistindo em reunião de grupos de pessoas que, no início de Janeiro,
percorrem uma região, à noite, cantando pelas casas, ao som de instrumentos
tradicionais de música, e desejando às pessoas conhecidas e amigas um feliz
novo ano, por via de quadras de sabor popular. Tal como as Janeiras são
“cantigas de boas-festas por ocasião do Ano Novo”. A propósito de Janeiro ser o
primeiro mês do ano, sendo assim chamado em honra do deus Jano (de janua =
porta, entrada). Uma outra ideia relacionada, pois Jano era como que um
porteiro celestial, e, consequentemente, qual deus das portas, que as abria e
fechava, esperando-se a sua proteção na partida e no regresso. Tido assim por
um deus dos começos, Jano era invocado para afastar das casas os espíritos
funestos. Fundamentando-se, por isso, que esta manifestação tem origem em
cultos pagãos, que o cristianismo não conseguiu apagar e se foram transmitindo
de geração em geração. Por extensão, a versão religiosa cristianizada das
Janeiras é o cantar dos Reis, desde 6 de Janeiro.
Com o decurso dos tempos surgiram transformações desse
hábito, das Janeiras e Reis, por via de que resultaram particularidades
diversas. Passou a associar-se cambiante de convívio mais restrito, com esse
canto noturno de porta em porta, dando vivas às pessoas das casas visitadas, a
ser recompensado por meio de qualquer espécie alimentar, sendo depois essa
angariação repartida por todos os participantes em folguedo final conjunto.
A partir da noite de Reis, depois da ceia tradicional, que
nalgumas freguesias do concelho de Felgueiras, pelo menos, metia arroz de
feijão branco acompanhado de rodelas de paio, começavam então as "Reizadas",
seguindo o mesmo ritual, apenas com adaptação da letra entoada ao som dos
instrumentos musicais mais acotiados.
Sendo estes cantos efetuados por grupos de mulheres e homens
adultos, acompanhados por rapazes e raparigas jovens e por vezes também por
crianças, em anos não muito distantes passaram a ser levados a efeito mais por
jovens e crianças, com o fito de receberem donativos, conhecidos por “esmola”.
Tal tradição tem sido preservada nos tempos mais recentes,
sobretudo, pelos Ranchos Folclóricos e outros grupos institucionais, com o
propósito de angariação de receitas para a sua sobrevivência, em vista à
manutenção anual associativa, ou por comissões e agrupamentos organizados como
recolha de fundos para qualquer iniciativa de interesse público.
ARMANDO PINTO
~~ * ~~
Ora, à chegada do final da quadra natalícia, qual expirar da
época festiva do Natal já passado e entrada no Ano Novo entretanto iniciado,
depara-se no calendário anual a terminação dos Reis, na atualidade do dia
dedicado ao tema dos Reis Magos – que, como visitantes últimos ao Menino Jesus,
no seguimento da estrela de Belém, dão azo à ocasião tradicional do desfazer do
presépio.
Assim, em plena época do canto das Janeiras, ancestral
costume que a partir deste período dos Reis dão lugar às "Reisadas",
estando-se já no fim de semana de guardar as decorações natalícias, passamos à
normal vivência anual. Vislumbrando-se no horizonte uma linha de anseios
natural. Como tal desejamos que se realizem os mais lindos e justos desejos
comuns, entre nós, os que nos revemos nos mesmos anelos íntegros!
A. P.
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