quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Efeméride: (relembrando) Início do grande voo da 1.ª Travessia Aérea Portugal-Índia, em 1930 - por um felgueirense. Viagem aérea reconhecida no estrangeiro e olvidada em Portugal do Estado Novo...

Eram 7 horas e 30 minutos do dia 1 de Novembro de 1930, quando um pequeno monomotor prateado,“Havilland Puss-Moth” com a palavra “Marão”, pintada no lado direito da fuselagem, e com a Cruz de Cristo estampada, descolou do campo de aviação da Amadora. O piloto, Tenente Francisco Sarmento Pimentel, e o navegador, Capitão Moreira Cardoso, não estavam em missão de rotina. Tinham um objetivo ambicioso, levar o pequeno avião até à Índia Portuguesa. Se a viagem tivesse êxito seria a primeira vez que asas portuguesas chegariam à distante Colónia.

Pelo meio muitas peripécias e dificuldades, com paragem forçada de oito dias por avaria mecânica, devido a uma peça que se partiu e teve de ser substituída, após dias de espera pelo seu envio.

No dia 18 de Novembro o “Marão” aterrou suavemente no aeródromo de Diu. No dia seguinte, foi a chegada triunfal a Goa. O objectivo fora cumprido. Pela primeira vez um avião português aterrava na antiga colónia portuguesa da Índia. 


Foi então a 1 de novembro, naquele distante ano de 1930, o início dessa longa travessia pioneira, de Francisco Sarmento Pimentel. Sendo normalmente nas publicações alusivas referido em primeiro lugar o seu acommpanhante, Capitão Manuel Moreira Cardoso, devido à patente muilitar da época, comparativamente com a do então Tenente Piloto-Aviador Francisco Sarmento Pimentel. 

O célebre felgueirense piloto-aviador pioneiro Francisco Sarmento Pimentel, ilustre Filho do concelho de Felgueiras, nascido em S. Tiago de Rande no ano de 1895 e falecido no Brasil em 1988.

Um acontecimento histórico, esse, da 1.ª Travessia Aérea de Portugal à Índia!

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Agora não é novidade nenhuma andar de avião, alcançando longas distâncias em escasso tempo. Mas noutros tempos, muito depois da barcarola do Padre Gusmão, de Da Vinci fazer projetos, Júlio Verne imaginar como seria e mesmo dos primeiros saltos dos irmãos Wright, até Santos Dumont ter planado significativos metros no ar, era uma aventura fazer andar aparelhos a imitar os pássaros, mais para ligações aéreas de um ponto ao outro da terra, como paulatinamente foi sendo alcançado.

Ora, nesse especto, as primeiras viagens aéreas e posteriores voos de longas travessias pioneiras ganharam significativo apreço, como tal, marcando época. Por assim dizer como certos acontecimentos imprimiram cunho próprio em cada um dos seus momentos, ao que lembram exemplos referenciais de modernidade evolutiva no automóvel pequeno, o carro mini surgido em 1959, sem esquecer a mini-saia a partir de 1967 e o micro-chip informático desde 1973.

Como na epopeia dos Descobrimentos marítimos de Quinhentos em que frágeis caravelas transportaram notícias até então desconhecidas do outro lado dos oceanos, pese as distâncias do tempo e espaço, também o ar foi conquistado heroicamente, muito depois naturalmente. O americano Read salientou-se desde logo, ainda não tinha terminado a segunda década do século XX. Poucos anos volvidos, os Portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922, atravessaram pelo ar a distância de Portugal ao Brasil, através de etapas em que empregaram três aparelhos. Seguiram-se algumas outras experiências no decurso de alguns anos mais, com destaque para o “Raid” a Paris do também americano Lindbergh, em 1927, cobrindo rota de 5.800 quilómetros. Alguns portugueses, como Brito Pais, Sarmento de Beires, etc. tiveram também coragem para arriscados rumos, na mesma linha. Até que um Felgueirense, num só avião, realizou uma grande ligação – Francisco Sarmento Pimentel que, em 1930, efetuou a primeira travessia aérea de Portugal à Índia então Portuguesa, distância recordista de mais de 11.800 quilómetros que lhe valeu reconhecimento com trofeu da Liga Internacional dos Aviadores.

= Francisco Sarmento Pimentel =

Passaram todos estes anos desde que isso aconteceu, tendo a mesma travessia aérea sido iniciada a 1 de Novembro e durado dez dias úteis até alcançar espaço aéreo do Estado Português da Índia, com onze de tempo real à última etapa (fora alguns de espera até ter sido possível substituição de peça que se partira), havendo chegado à Índia Portuguesa, fazendo escala em Diu, no dia 18 do mesmo mês; embora a conclusão do itinerário tenha sido, depois, com aterragem em Goa no seguinte dia 19. Escusamos de refazer descrição do roteiro de viagem, com suas curiosidades, aflições como da tempestade surgida quase logo no início, muitas outras peripécias, dos sulcos rasgados no ar pelas asas à força de hélice forrada a tela, contratempo de avaria mecânica surgida, a penosa duração das horas levadas a sobrevoar o deserto da Síria, enfim, até ao campo de aviação de Murmugão onde pousou por fim o “Marão” pilotado pelo então Tenente Sarmento Pimentel, acompanhado na navegação pelo seu amigo Capitão Moreira Cardoso, naquele pequeno avião que Francisco Sarmento Pimentel adquirira a expensas próprias. Acontecimento, que na época mereceu as atenções concelhias, segundo os relatos de imprensa desse tempo, então denominado Raid Aéreo Lisboa-Diu-Goa, mas concretizado mais precisamente desde a Base Aérea Militar da Amadora até ao Indostão Lusitano. Viagem pioneira cuja autoria recebeu efusivas comemorações conterrâneas e inclusive homenagens municipais, incluindo colocação de uma lápide alusiva na casa onde nasceu, além naturalmente do reconhecimento a nível nacional e internacional, com atribuição da Placa Internacional dos Aviadores.

Tudo isso e muito mais, incluindo referências da imprensa nacional e estrangeira, já registamos inserido entre o material dedicado ao “Raid” da Amadora a Goa e seu autor no “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”. Mas, pela importância que tem para o orgulho Felgueirense, não se pode deixar passar despercebido o evento, nesta oportunidade mais.

São do conhecimento público os motivos políticos que fizeram com que a façanha daquele Felgueirense fosse menosprezada na época e propositadamente olvidada anos a fio. Apesar da repercussão havida, ao ponto de, entre sintomáticas manifestações, o então Ministro português titular da Pasta dGguerra ter recebido do seu congénere de França um telegrama de felicitações, em nome pessoal e no da aviação francesa, pelo bom êxito da viagem aérea até à Índia... e a Liga Internacional dos Aviadores se ter apressado a distinguir o autor da travessia com alusivo galardão. Agora, o que não se entende é como, passados tantos anos e mudada a situação política há muito, reconhecido de permeio o então Coronel Piloto-Aviador Pimentel (ainda em vida) mesmo com a Ordem da Liberdade, ainda não haja sido feita a devida reabilitação e, sobretudo, reconhecida como deve ser, a nível nacional, tal façanha, cuja autoria, inclusive, naqueles alvores da década de trinta, apesar de tudo valeu condecorações, entre as quais as insígnias da Ordem de Avis e da Ordem Militar da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito!

Devido à ideologia política, Francisco Sarmento Pimentel, viu-se posteriormente forçado a ausentar-se do país por via de exílio político. Tendo o seu feito ficado quase que ignorado pelo regime do Estado Novo, apesar das manifestações de apreço recebidas de governos estrangeiros. Em vista da censura vigente, tal façanha esteve simplesmente riscada durante longo tempo dos compêndios ditos historiadores e volumes enciclopédicos. Mesmo ao nível de Felgueiras o facto pairou quase olvidado e manteve em sua aura uma penumbra ditada por espécie de amnésia oficial de conveniência, cujos efeitos se prolongaram muito para lá da ausência da democracia.

Felizmente que em tempos recentes começou a ser reparada a memória desse vulto de audaz patriota, como se nota, por exemplo, em seu nome já fazer parte de importante colecção como a “História de Portugal-Dicionário de Personalidades”, volume XVIII, da Quidnovi, ed. 2004. E em Rande-Felgueiras foi comemorado o seu 1º centenário natalício, em 1995, através de programa conseguido por uma comissão que o autor destas linhas pôde congregar, iniciado com uma missa na igreja paroquial, deposição de um ramo de flores junto à lápide colocada em sua casa, mais um voo simbólico de uma avioneta sobre a região, mais um cortejo de recreação revivalista dos tempos da mala-posta (desde o Largo da Longra até à Casa do Povo) e abertura de uma Mostra Filatélica e Exposição Museológico-postal que, durante uma semana cultural, decorreu na Casa do Povo da Longra. Bem como, anos volvidos, teve sobre ele uma exposição patente na Biblioteca Municipal de Felgueiras, em Maio de 2021, no mês do 126.º aniversário de seu nasciemnto. 

Francisco Ferreira Sarmento de Morais Pimentel, que viveu de 1895 a 1988, teve um percurso intensamente marcante, desde o berço natal no concelho de Felgueiras, onde nasceu na Casa da Torre, da freguesia de Rande, passando pelas diversas etapas distribuídas por variados pontos nevrálgicos da História da Grei. Até ter sido obrigado a sair do país e se radicar em São Paulo, no Brasil, onde construiu uma situação respeitável a prestigiar seu currículo. Consta da sua Folha de Serviço à Pátria a sua importante participação no movimento que derrotou a Monarquia do Norte, restaurando a República, em 1919, além da iniciativa e materialização da pioneira Travessia Aérea de 1930 que ligou Portugal à então Índia Portuguesa, o que por junto lhe valeu, entre outras distinções, haver sido agraciado com a Ordem Militar da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito, colar do grau de oficial com insígnia; Medalha de Comportamento Exemplar, grau fita-prata; Medalha de Bons Serviços, grau fita-prata com palma; Ordem Militar de Avis, com fita; e a Ordem da Liberdade, com insígnia-grau de grande oficial. De Felgueiras recebeu honra de figurar, ainda em vida, na toponímia da então vila e hoje cidade de Felgueiras, a par com colocação pela Câmara Municipal de uma lápide na casa onde nasceu, tendo muito mais tarde recebido, por solicitação vincada num órgão de imprensa concelhia, a oferta de uma medalha de Felgueiras numa das suas visitas de romagem à terra-mãe, antes de falecer. Para a posteridade, seu espólio memorial integra o acervo do Museu do Ar, em Alverca, na Ala dos Pioneiros.

= Vislumbre alusivo, em visita do Museu do Ar, com o autor deste trabalho junto à vitrine do seu heróico conterrâneo Aviador Francisco Sarmento Pimentel =

Longo voo o seu, a que tem correspondido curto reconhecimento, estranhamente quase nada celebrado para o destaque atingido, merecedor contudo do justo alcance. E se de mais não servir esta honra, para Portugal e Felgueiras, ao menos fica a consolação de que é sempre bom ter-se recordações...

Em extensão temporal, a justificar a valorização perene, Felgueiras decidiu-se finalmente a homenagear o seu famoso aviador. Então, mediante ideia de construção de um aeródromo, houve seguimento de antiga aspiração do mesmo piloto aviador, embora na época ele tivesse tentado isso para o alto de Santana (conforme se pode notar na biografia que se dedicou a Francisco Pimentel no livro “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras). Assim, em 2006, por decisão tomada pela Câmara Municipal em reunião de 8 de Agosto, foi aprovado por unanimidade o projeto “Visão Estratégica do Aeródromo”, no âmbito da revisão do Plano Diretor Municipal de Felgueiras – sendo decidido atribuir o nome do pioneiro Felgueirense da aviação a essa estrutura a construir futuramente, o Aeródromo Francisco Sarmento Pimentel, planeado para ser situado no planalto dos Maragoutos, em Revinhade (num extremo do concelho de Felgueiras, de fronteira com Lousada).

Por ora, isto paira numa intenção ainda no papel… mas que, como outros projetos, quem sabe se terá alguma viabilidade… Tal como o regresso do comboio, falado nos últimos anos, já nos anos vintes do século XXI.

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A façanha aérea de Francisco Sarmento Pimentel, para se ver a sua importância social nesse tempo, constou entre as reportagens da Ilustração Portuguesa, famosa publicação que foi das mais importantes revistas portuguesas - publicada em Lisboa, semanalmente, e existente desde 1903 (em título recuperado pelo jornal O Seculo, de antiga publicação de cariz literário, apresentou fotografias de personalidades de vulto da cultura portuguesa e crónicas da vida nacional, constitui assim, sem dúvida, um dos mais relevantes acervos do quotidiano do primeiro quartel do século XX.

Pode comprovar-se o facto através de dois exemplos, extraídos de tão importante edição publicista:

= Ilustração Portuguesa, nº 118, de 16 de Novembro de 1930 

= Ilustração Portuguesa (“Christmas”), nº 120, 16 de Dezembro de 1930:

Em edição dedicada ao Natal, e com anúncio vitorioso do sucesso do Raide aéreo à Índia: "Os aviadores Cardoso e Pimentel voam no 'Marão' de Lisboa à Índia portuguesa empregando exclusivamente óleo Golden e gasolina Shell"… =


ARMANDO PINTO