terça-feira, 22 de setembro de 2020

Lembrança ao sr. Teófilo Faria, um dos esquecidos felgueirenses… E algo mais!

A memória, na capacidade de armazenar e recuperar, quão saudável dom de saber guardar algo digno de preservação, é algo que nem todos sabem apreciar, nem tem lugar em todos os lugares. 

Como no reforço duma edificação antiga é mister resgatar a pedra de fecho, pedra angular que fortalece uma estrutura nas construções clássicas, também na história tem de se fortificar o que resiste na memória, salvaguardando verdades. Tal como quando há conhecimento de alguém de mérito a quem não está a ser dado devido valor, andando a ser posto de fora da memorização coletiva, urge resgatar sua vida e obra, a bem dos valores e bons costumes, por mais que não convenha a algo ou alguém, olhando ao merecimento publico.

Com essa ideia, foi escrito mais um artigo destinado à até aqui colaboração pessoal e gratuita no jornal Semanário de Felgueiras (desde 1996, até agora). Texto esse enviado em finais de julho mas que incompreensivelmente não tem sido publicado, estando-se já em começos do outono. Sem se saber porquê, mas podendo colocar-se diversas hipóteses, se haverá censura por algum dos motivos porque o mesmo bairrista felgueirense tem sido esquecido…

Assim sendo, o mesmo é agora aqui dado à estampa, esse que seria um “Artigo para o Semanário de Felgueiras”:  

Teófilo Leal de Faria (1911-1977)

Felgueiras é terra de muitas histórias, umas de conhecimento geral, outras nem tanto. Algo que vai refletindo essência memorial de sua mística, apesar de por vezes haver certo esquecimento misturado. Sendo contudo terra de coisas boas feitas pela comunidade. Na linha que há terras à imagem de sua gente e são as pessoas que fazem as terras, afinal.

Ora, em tempos a sede do concelho era uma vila deveras reduzida em tamanho urbano, quase até à chegada do 25 de Abril, como se costuma balizar às épocas de antanho. Tanto que pelos idos anos sessenta, por exemplo, a chamada estrada para Guimarães era praticamente rural, beirada por campos ainda de cultivo, à saída do centro da então vila. E foi a partir que nasceu o posto de abastecimento, vulgo bombas de gasolina, que a sede do concelho começou a crescer para esse lado, por assim dizer. De forma que ao tempo a rua era conhecida por reta da Sacor. Tendo sido esse um dos meios com que um felgueirense de visão pensou e concretizou dotar a sua terra. Esse senhor dava pelo nome de Teófilo Leal Faria, um felgueirense dos bons, que muito fez por Felgueiras, mas que estranhamente tem estado algo olvidado na memória coletiva.

Oriundo de família de pergaminhos, era contudo modesto por feitio e passava discreto. Mesmo desempenhando papel relevante na sociedade, pois, quando havia ainda pouca indústria, ele fundou fábricas e negócios que depois tiveram continuação através de seus colaboradores. Além de ter sido, como foi durante quase uma década, comandante dos Bombeiros de Felgueiras. Porém, assim como no livro das Pedras de Armas de Felgueiras não consta seu nome entre os membros da sua família, também no volume comemorativo dos Bombeiros não aparece foto sua, a identificá-lo à posteridade para lá de referência de ter sido «dos mais dinâmicos e empreendedores obreiros da construção do novo quartel» (inaugurado em 1970).

Alfredo Teófilo de Castro Leal de Faria, de seu nome completo, era o segundo filho do Dr. José Leal de Faria, nome da história felgueirense como presidente da Câmara Municipal durante muitos anos. Sendo mais conhecido também por seu segundo nome (talvez para diferenciação com seu tio padrinho, com mesmo primeiro nome). Nascido no Porto, a 8/4/1911, por mero acaso de estada episódica de seus pais na Invicta (como consta no registo de batismo), Teófilo foi batizado na igreja de Margaride e viveu sempre em Felgueiras. Descendia do Conde da Graceira (Viscondado da casa desse nome, de Avintes, em vida do titular e após renovação extinto). Tendo seu pai vindo para Felgueiras por casamento, embora antes e durante algum tempo residisse no Porto, motivo do filho mais velho ser nado e criado da capital do Norte, mas ele, segundo filho, apenas não nasceu em Felgueiras acidentalmente, como o pároco local fez questão de registar, visto à época já a família residir em Felgueiras. E cá acabou por ficar para sempre. Bem conhecido por seu carro, um Fiat 1500 cinzento, de tal modelo produzido pelos anos 50, que rolou muitos e bons anos mais. Enquanto, com sua mãe, era rosto familiar da vetusta Casa de Santa Ovaia, ligada ao antigo Conde de Felgueiras e outros ramos fidalgos. Segundo uma notícia inserta n’ O Jornal de Felgueiras, chegou a cursar Direito, conforme certifica esse periódico em 1933, anunciando ter então concluído o 1º ano jurídico. Porém, em vez de ficar académico, como ali era referenciado, dedicou-se ao setor industrial e comercial, em prol de Felgueiras e com sucesso empresarial. Sendo o fundador da fábrica de calçado SIC original, além de ter colaborado nos inícios da Marfel, bem como criou o posto de abastecimento SACOR (atual GALP). Algo que naquele tempo mereceu ampla reportagem também n’ O Jornal de Felgueiras, em março de 1966, narrando cerimonial devido e presenças honrosas nesse importante momento da vida local. Tal qual continuou o nome SIC com o estabelecimento de material elétrico, mais tarde passado a colaboradores (casa depois conhecida por Sic do sr. Nelson). De permeio foi Comandante dos Bombeiros Voluntários, missão desempenhada entre 1960 a 1969, em cujo mandato foi erguido o quartel novo. Enquanto socialmente era muito amigo dos pobres, inclusive dando guarida e comida a necessitados em sua própria casa – como foi lembrado à sua morte, num elogio fúnebre no Notícias de Felgueiras, louvando as qualidades do senhor “Teófinho”, como popularmente era conhecido e ali ficou recordado.

Falecido a 16 de dezembro de 1977, na sua residência, com 66 anos, teve no dia seguinte funeral com grande acompanhamento e presença de todo o corpo ativo dos Bombeiros Voluntários de Felgueiras. E no coração do povo ficou como um homem bom, amigo de ajudar e grande empreendedor. Merecedor de estima histórica também, para lá de seu nome constar num arruamento. Como por este modo singelo se procura perpetuar, por quanto o passado se entrelaça com o presente no desfiar de histórias e memórias chegadas de outros tempos.

ARMANDO PINTO