terça-feira, 25 de setembro de 2018

Tradição de Alminhas em Terras de Felgueiras


No território concelhio, pese não existirem atualmente castelos roqueiros, que está levemente historiado até terem existido, mas infelizmente desapareceram na erosão dos tempos, ainda há algumas construções que como testemunhos de eras antepassadas se podem considerar património coletivo. Além das igrejas românicas e solares, templos setecentistas e ermidas, pontes e calçadas seculares, como ainda igrejas de eras oitocentistas, também perduram pequenos monumentos, entre os quais, sóbrios ou simples que sejam, merecem particular atenção os que marcam épocas, mesmo que não distantes por demais.

Em ideia de fixação extensiva sobre tais afinidades e vínculos memoriais, mete-se assim em rol de sabor ancestral a tradição da existência das Alminhas, dos Cruzeiros e dos Nichos - dotações religiosas com elos de ligação entre si e que, dentro do campo das edificações comunitárias, por assim dizer, desempenham papel especial no lugar que ocupam.

Deambulando por qualquer parte do nosso país, com maior incidência no norte e particularmente, no caso, pelo concelho de Felgueiras, num qualquer recanto, mais propriamente junto a confluências e nas bermas de caminhos e estradas, encontram-se numa profusão assinalável motivos escultóricos de tradição religiosa como são as Alminhas, os Cruzeiros e os Nichos de tipo capela.
(…)

As Alminhas são antes um marco de religiosidade, construídas em votos de “promessa” ou erigidas para fazerem lembrar o culto dos mortos.

No concelho de Felgueiras, parcela nacional que nos é mais familiar naturalmente, deparam-se nesse género muitos pequenos e singelos monumentos ou capelinhas votivas, sendo autênticos padrões sacros. Podem considerar-se típicas formas de escultura popular, existentes em estradas nacionais e municipais, vielas urbanas, caminhos e atalhos rurais, como ancestrais exemplos de arte iconograficamente expressiva, além de enternecedores temas de fé piedosa.

Primitivamente continham no seu interior “frescos” impressos na cal ou retábulo de madeira a formar painel pictórico de belas pinturas de arte popular em lugar de destaque, representando cenas religiosas. Retábulos votivos algo ingénuos e modestos por vezes, ou mais clássicos noutros casos, mas que de qualquer forma induziam incitamento à devoção do passante em vista à oração pelos falecidos.

Supõe-se haver alguma relação com antiquíssima existência de painéis havidos no tempo do império romano, numa espécie de altares em honra dos chamados lares viales e capitales, génios protetores de caminhos de encruzilhadas e dos campos, aos quais eram dedicados tais oratórios fundidos na crença do povo, quais intuitivas formas de expressão pitoresca do sentir religioso de então. E como a romanização se estendeu também a estes sítios portucalenses do velho condado, pode enquadrar-se extensiva, sem rigores cronológicos, esta necessidade que se expressou publicamente em imagens personificadas de veneração, convidando à devoção e à prece por meio de imagens e legendas capazes de tocar a piedade espiritual.

Contudo, embora tivessem acontecido adaptações dos ritos pagãos com o novo credo, aquando da chegada do Cristianismo, a interligação será apenas de alguma continuidade que não de motivo, sem raiz direta portanto. Aliás essa sua origem confunde-se no tempo, fazendo parte da fisionomia local desde eras mais ou menos recuadas, enquanto a possível ligação sofreu longo desaparecimento pois, dos que existem, os mais antigos, conforme as Memórias Paroquiais de 1758 (in Torre do Tombo), foram erigidos por Confrarias das Almas, instaladas antigamente em algumas das paróquias-freguesias, como foi o caso de Rande com as Alminhas da Renda de Santiago.


É propositadamente que se juntam aquelas duas denominações de paróquias/freguesias, com que são referenciadas as terras conforme a indicação religiosa ou civil, pela explicação necessária: os termos Paróquia e Freguesia são ambos de origem religiosa, embora o vocábulo paróquia nunca se tenha tornado popular (profano), um tanto ao invés de freguesia, mais usado e que terminou por ser oficializado sensivelmente na segunda década do século XX, no período transformador da sociedade verificado após a implantação da República.

Mas retornando ao assunto, pode notar-se que com o decorrer dos tempos, os retábulos aludidos foram sendo alterados por painéis de azulejos, mas sempre com o mesmo sentido bondoso, convidando ao recolhimento em oração pelas almas do Purgatório.

Estes lindos e rústicos pequenos monumentos tradicionais têm por tema central, nos mais antigos, Nossa Senhora do Carmo estendendo o escapulário às almas suplicantes; havendo-os também com motivos da Paixão, ou S. Miguel Arcanjo a suspender a balança da justiça alusiva ao juízo; bem como, em alguns casos, com os santos invocados na região. Os mais recentes foram construídos por meio de promessas de fiéis, cujo incremento resultou de campanhas que atingiram cariz nacional, embora de lavra de sacerdotes da diocese do Porto, primeiro em nova iniciativa do Padre-Monsenhor Francisco Moreira das Neves (a juntar à sua faceta de incansável apóstolo da Cruzada Eucarística das Crianças); e por fim incentivada depois pelo Padre Francisco Babo (natural de Amarante, tendo sido confrade de curso de D. António Ferreira Gomes). Houve então, nessa renovada fase um fomento de restauro aos mais antigos e edificação de novos oratórios. E entre esses, feitos desde as décadas de cinquenta e sessenta, sobretudo, sobressaem alguns com dedicação a Nossa Senhora de Fátima, com e sem os pastorinhos videntes da Cova da Iria. Todos eles, os temas referidos, têm de comum ostentarem legendas alusivas a encimar as chamas e as almas em penas purificadoras.

No carácter puramente estilístico estes motivos escultóricos representam, por assim dizer, expressão sincera de natureza especialmente elevada, sem ligar muito a escolas, como quem diz processos de arte, antes singelidade exalada na fé consubstanciada nas cenas traduzidas e introduzidas nos conjuntos trabalhados em cantaria granítica, na arte nata do povo antepassado. Em construções menos antigas aparecem, porém, alguns edificados em materiais recentes, em especial de cimento.


Na obra literária de índole monográfica, “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”, fazemos outra abordagem geral e debruçamo-nos mais distintamente aos dois exemplares de Rande, as Alminhas da Renda de Santiago, de edificação do século XVIII (pois vem referenciada nas Memórias Paroquiais de 1758), e as Alminhas das Quatro Barrocas da Longra, de construção existente desde 1961 – entre os diversos espalhados no território concelhio onde, praticamente, não há freguesia que não tenha pelo menos um desses monumentozinhos de arte da religiosidade local, integrantes da paisagem Felgueirense e Sousã.

Muito ou pouco cuidados, os modelos de Alminhas que perduram pela região, autênticas belezas conterrâneas, erguem-se formosos, em relevo da tradição. A merecerem catalogação e sobretudo conservação. Porque, como se cantava nestes sítios em anos recuados: “O Cruzeiro e as Alminhas, / desde há muito na nação / foram da alma lusitana / a mais terna devoção”.
(…)

( Texto que, com certas adaptações, conforme o tempo de publicação, teve já lugar no livro “Encontr’Artes 99 – VII Encontro de Autores do Vale do Sousa-V Colectânea de Textos de Autores do Vale do Sousa”, editado em 1999 pela Câmara Municipal de Paredes; bem como no “Monumento do Nicho nas Mais-Valias de Rande”, edição de autor de 2003; quer sob tema e título de Tradição de Alminhas no Vale do Sousa e Felgueiras; quer como Tradição de Alminhas, Cruzeiros e Nichos em Terras de Felgueiras. Para aqui transposto apenas na parte das Alminhas, a propósito de por estes dias de finais de setembro de 2018 ser comemorado em Felgueiras no âmbito das jornadas Europeias do Património o tema das Alminhas. )

Armando Pinto


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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Mural de homenagem memorial à história humana do antigo Colégio de Santa Quitéria


No âmbito do programa comemorativo das diversas valências que passam por datas jubilares no mítico Monte de Santa Quitéria, emblemático local sobranceiro à cidade de Felgueiras e ex-libris felgueirense, como ponto geo-afetivo da mística do concelho de Felgueiras, foi inaugurado no passado fim-de-semana, durante as cerimónias decorridas no terceiro domingo de setembro, um mural com os nomes dos alunos, mestres e responsáveis do antigo Colégio de Santa Quitéria. Fazendo assim memória pública dessa realidade de tempos antepassados. Em cujo memorial fica patente a identidade dos antigos discípulos do ensino ali ministrado.


Num primeiro olhar, com a curiosidade própria do interesse coletivo, depara-se, logo no primeiro ano da existência desse famoso estabelecimento de ensino e formação, o nome de António Barbosa Mendonça, mais tarde Conselheiro Dr. António Barbosa Mendonça, o popular Conselheiro de Rande, que foi Presidente da Câmara Municipal de Felgueiras, Administrador do Concelho, fundador do Sindicato Agrícola e proprietário e diretor do antigo jornal Semana de Felgueiras; assim como seu irmão João Barbosa Mendonça, o depois Padre João Barbosa Mendonça que, entre diversas curiosidades, tem seu nome gravado num artefacto de sua paróquia natal, porque ofereceu a naveta do incenso da igreja de Rande (conforme está gravado na respetiva peça). Assim como se consegue aperceber de outros nomes, tal qual o de Américo Aguiar, que se tornaria depois no célebre Padre Américo fundador das casas do Gaiato. Entre tantos nomes, alguns dos quais mais familiares a quem tem algum conhecimento da história local, e outros com alguma relação através de pesquisas que se têm conseguido realizar. Algo que poderia ser mais identificável caso tivesse referência do local de naturalidade ou residência, de cada um, ao tempo da respetiva frequência do colégio. Sendo, acima de tudo, uma louvável concretização atinente à memorização que engrandece a alma felgueirense.


Desse Memorial junta-se aqui algumas imagens, do que foi possível captar, por ora, visto o local ser de momento ocupado por aparcamento automóvel (quando pela sua significação deveria estar livre aos olhos interessados e à curiosidade pública).

Armando Pinto

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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Comemorações Jubilares Vicentinas em Felgueiras


O concelho de Felgueiras está umbilicalmente ligado à influência religiosa. Sem recuar muito no tempo, além da criação de antigos cenóbios e desenvolvimento local em torno das antigas capelas resultantes nas paróquias subsequentes, também na instrução derivada de conventos e escolas sob hábitos das ordens religiosas que por Felgueiras professaram ideais sacros. Em cujo percurso de boa moral, além de diversas outras ordens, como as irmãs Hospitaleiras e os Padres Carmelitas, por exemplo, mais naturalmente os párocos provindos do clero diocesano, se destacam os ramos da Ordem Vicentina. Sendo a Ordem da Missão desta feita a estar na ordem do dia.


Pode dizer-se que Felgueiras sem os Padres e as Irmãs da Ordem de S. Vicente de Paulo não seria a mesma coisa, quer pelo labor intelectual dos Padres Lazaristas na implementação e consolidação do carisma do santuário de Santa Quitéria, assim como por sua atividade seráfica a partir do seminário de Oleiros, em Lagares, mais no antigo grande edifício conventual de Pombeiro, até à Casa da Comunidade Vicentina do monte de Santa Quitéria, nos laços do antigo colégio de meninos, mais o outro colégio feminino e a casa das Irmãs de Caridade ali à beira. Com acrescento memorial das "Irmazinhas do Hospital do Unhão", como popularmente eram conhecidas as Irmãs de Caridade da Ordem Vicentina que estavam também no antigo convento da casa dos condes e mais tarde da Misericórdia do Unhão, inicialmente hospital e posteriormente estabelecimento de ensino. Comunidade essa que ainda recentemente saiu desse edifício, ficando desde então as mesmas Filhas de Caridade de S. Vicente de Paulo em Felgueiras somente no monte de Santa Quitéria.  


Assim sendo, é de destacar a atualidade jubilar na presença Vicentina entre nós, de forma marcante em localização carismática felgueirense. Estando a Comunidade dos Padres Vicentinos de Santa Quitéria, no caso, a assinalar a passagem de 150 anos de sua presença no monte felgueirense das maravilhas. Num programa entretanto divulgado e a que correspondeu a população, dentro dos parâmetros normais do povo felgueirense. Tendo decorrido no sábado uma conferência atrativa e muito concorrida, na Casa das Artes da cidade de Felgueiras...


... e no domingo no alto do monte da Santa uma eucaristia solene de invocação à memória relacionada e de seguida a abertura duma exposição sobre os 150 anos da presença do Carisma Vicentino em Santa Quitéria e a inauguração de um mural com os nomes dos estudantes do antigo Colégio de santa Quitéria.


Desses factos, para já, juntamos algumas imagens da exposição entretanto inaugurada e colocada à disposição pública na Casa de Apoio ao Peregrino, também popularmente chamada sala de exposições, ao lado do santuário. Realçando tal realidade como homenagem de apreço, no sentido da mística felgariana.


Armando Pinto
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sábado, 15 de setembro de 2018

Artigo merecedor de atenção e apreço – Crónica de Mário Pereira no SF


No Semanário de Felgueiras desta semana, edição de sexta-feira 14 de setembro, vem publicado na página dos artigos de opinião uma bela crónica escrita por um amigo das causas culturais e igualmente atento interessado e estudioso de temas de história local e assuntos afins, o sr. Mário Pereira.

Sendo que essa sua crónica está dentro dos parâmetros da ideia deste espaço, é com imenso apreço que aqui registamos o facto. E na mesma linha e características de pugnar pelo que merece valorização, chamamos também aqui e agora a atenção para a mensagem implícita, como o sr. Mário deixou expressamente nesse artigo tão bem elaborado e melhor direcionado. Como “paroquiano” natural de Penacova (apesar de ausente, como ele escreveu, ainda que relativamente, dentro do mesmo concelho, residindo atualmente na cidade Felgueiras), se posiciona para, com o coração sempre na terra natal, procurar chamar à razão para o tema da homenagem que ele acaba por fazer ao grande orador sacro Padre Manuel Lopes Martins. Como se pode ver no referido artigo publicado no jornal Semanário de Felgueiras. Do qual, com a devida vénia, para aqui transpomos a respetiva coluna.


Armando Pinto

terça-feira, 11 de setembro de 2018

FC Felgueiras em crónica do JN…


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AO FIM DO DIA
10/09/2018
JN
ARNALDO MARTINS

Não é todos os dias que Felgueiras aparece por boas razões em jornais de tiragem nacional. Sendo assim com alguma surpresa que por estes dias tal aconteceu.

Então num misto de relevo e constatação, viu-se esta segunda-feira no Jornal de Notícias um artigo, assinado por um jornalista desse diário de impacto no país, trazendo entre as suas notas destacáveis o tema do clube de futebol mais representativo de Felgueiras, por via da goleada com que o FC Felgueiras 1932 ultrapassou a 1ª eliminatória da Taça de Portugal.

Assim sendo, registamos aqui o facto, através de excertos do que ficou impresso na edição de segunda-feira dia 10 do JN, em crónica de Arnaldo Martins :

« A nova vida do leão e a festa da Taça…»

(Começando com algumas atualidades do momento e sobre a eleição do novo presidente do Sporting e outros factos, para depois voltar atenções ao “Felgueiras”)

«O campeonato esteve de folga no fim-de-semana, mas não faltaram emoções…  Enquanto… . A bola rolou na Taça de Portugal e o Felgueiras destacou-se com uma goleada das antigas: 9-0.
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Se o verde da esperança volta a brilhar na casa do leão, a apreensão é o sentimento que reina no vizinho da Segunda Circular, com os sócios do Benfica e do universo futebolístico a seguirem com atenção os desenvolvimentos do caso E-Toupeira, que pode ter consequências graves para o clube encarnado, que arrisca ficar impedido de disputar as competições profissionais por um período de seis meses a três anos.
No fim-de-semana, as emoções nas quatro linhas resumiram-se à primeira ronda da Taça de Portugal, a cargo das equipas do Campeonato de Portugal e dos Distritais. Diogo Caldas Marques, nome que consta no bilhete de identidade de Digas, avançado do Felgueiras, foi um dos heróis da jornada, ao apontar um póquer na goleada (9-0) sobre o Vila Flor. O atacante fez quatro golos em 14 minutos e foi substituído para a ovação ainda na primeira parte. O trabalho estava feito e bem feito.»

Fica assim isto para memória, de uma bela jornada de futebol com resultado histórico nos anais do futebol felgueirense, em jogos oficiais, quão desta feita ocorreu  a contar para a Taça de Portugal da corrente época desportiva de 2018/2019.

Armando Pinto

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Artigo no Semanário de Felgueiras sobre "Uma prestável senhora"


Crónica escrita como singela homenagem particular, embora de substância coletiva, em artigo publicado no já habitual espaço de opinião com lugar no jornal concelhio Semanário de Felgueiras, em sua edição de sexta-feira 7 de setembro:

Uma prestável senhora: A “Quininha das injeções”

Houve e há pessoas que admiramos só de ler, ouvir e ver algo relacionado, como grandes individualidades, ou nem tanto, que nos chegam pela transmissão da história, como através de televisão e outros meios da comunicação social, quer de simpatia mais vasta ou de empatias particulares. Enquanto, quantas vezes, pessoas haverá que tenham estado à nossa beira, quase sem se dar por elas, mas de grande valia, com préstimo comunitário.

Efetivamente, na parte do cérebro reservada a memorizar bons aspetos, fica sempre a lembrança de pessoas e coisas marcantes, com maior distância física ou proximidade afetiva e ambiental. Permanecendo em bom lugar das memórias determinadas figuras que foram públicas no meio ambiente da convivência normal. Quais, por exemplo, além de pessoas de laços familiares e roda de conhecidos dos mesmos denominadores comuns, também grandes senhores e senhoras de atividade assinalável, sem esquecer párocos ternamente retidos nos arcanos das recordações, mesmo funcionários e agentes da vida comunitária, mais antigos colegas de brincadeiras desenvoltas e professoras distintas do que ficou no ouvido desde os bancos da escola. Mas também, e sobretudo, pessoas prestáveis, como vem à lembrança uma boa senhora, que desta feita agora apraz referir, como remembrança de valência comunitária.

Obviamente, também no caso, como diz o rifão popular, cada cabeça sua sentença. Havendo naturalmente muitos e bons exemplos, quer no aspeto particular, como de âmbito mais vasto. Devendo pois quem de outra forma pensar igualmente se manifestar, por suas ideias e ações. Enquanto, exprimindo aqui simples lembranças pessoais, se coloca mais um lembrete relacionado à ideia de perpetuação merecida. Porque apologia histórica também contempla pequenas coisas, por vezes grandes em significado. Vindo ao caso um exemplo de gente com história, mesmo entre a multidão normal de pessoas conterrâneas, porém com saliência por suas obras valorosas em prol da sociedade anónima popular.

Eis assim o tema: Uma boa senhora, simples, bondosa, que em tempos idos estava sempre pronta a acorrer a casa de alguém que precisava de uma injeção urgente, fosse a que hora fosse. Como lembra de então, era o autor destas linhas ainda criança e depois até adulto, e a via ir onde houvesse pedidos para dar injeções, quer uma pica em petizes ou medicinal seringadela em gente crescida.

Perante sua caixa metálica de guardar a seringa, aberta de modo tradicional tal apetrecho antigo, cujo aço andava amolgado já pelo uso, os olhos da miudagem e dos graúdos, enquanto aguardavam, arregalavam-se de curiosidade a vê-la na praxe costumeira de desinfetar seringa e agulha através de chama acesa em banho de álcool etílico. E era atrativo até reparar como tinha jeito, no seu mister de habilidosa, a introduzir o remédio pele abaixo quase sem se notar, na ternura da sabedoria de vocação ancestral. Era assim e foi a “Quininha das injeções”, como popularmente ficou conhecida em seu tempo e nos dias que se seguem pela memória alongada às recordações perenes. Uma senhora que vivia no lugar do Monte da Costa, vizinho à Longra, passando seus dias nas cercanias de sua residência por Rande, Sernande, Varziela, Unhão, Lordelo e naturalmente Pedreira, freguesia onde dormia, andando durante o dia, até sol posto em horas a fio, a satisfazer pedidos de pessoas necessitadas de seus cuidados, por gosto de fazer bem. Chamada Joaquina Afonso Pacheco, tal era seu nome de batismo, mas na boca do povo simplesmente “Quininha das injeções”. Que Deus haja e a tenha consigo em melhor lugar, ainda, que bem merece!

ARMANDO PINTO
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domingo, 2 de setembro de 2018

Homenagem ao amigo "Sr. Luís da Póvoa": - Será uma constante recordação ! (n. 4 / 10/ 1931 - f. 1/9/2018)


O Senhor Luís - e o Museu - da Póvoa
(Histórias enroladas a deslizar pela Póvoa de Varzim)

por ARMANDO PINTO

2018


O Senhor Luís - e o Museu - da Póvoa
(Histórias enroladas a deslizar pela Póvoa de Varzim)

Apresentação


Escrito em 2014, este feixe de ideias foi idealizado como homenagem amiga ao senhor Luís Tomás Pinto, homem que há uns bons anos ajudou a que o livro Memorial Histórico, do autor destas linhas, tivesse tido apogeu ante as dificuldades deparadas naqueles longos tempos de princípios da década dos anos 90, por sempre ter puxado pela vontade diante das contrariedades. Havendo, este trabalho, inicialmente sido pensado para poder ser concretizado através de algo institucional da Póvoa. Coisa que não foi possível materializar. Tendo entretanto ficado em espera de oportunidade, por qualquer outra via, que afinal não chegou a ter vez, em livro... ainda.

Preâmbulo

Correndo de modo transparente como límpida água borbulhante, sobre lavado leito a tornar visível o arenoso solo de amaciadas pedrinhas e seixos lapidados, na corrente dum riozito, cursam e afluem lembranças, mais derivadas impressões… Assim, qual caudal vindo de terra para a costa, aumentando de volume e cuja espuma branca e leve desagua no mar salgado, enquanto na maré vaza se espraia e ressalta, até por fim ficar em pocinhas de pequenas rochas, a deixar ver bem beijinhos alojados na areia e peixinhos a boiar... percorre aqui, em nós, de modo corredio o pensamento argumentista sobre motivo que ressoa e salpica na ideia. Acerca do qual nos lembrou escrever, descrevendo o que surge na veia de arroio dessa limpidez merecedora de apreço. Como que a chapinhar na areia, em momentos de repouso mental, e deambulando entre as rochas das pequenas lagoas ora relembradas, cobertas de algas e variadas espécies marinhas, matutamos numa absorção interior de afetos.


Eis que surge, assim, diante de nós uma profusão de lembranças, a calhar serem contadas. Porém, por tudo o que nos lembra se misturar e não nos parecer advir raciocínio divisório, tomamos tudo por junto, apenas com compartimentos evidentes conforme o decurso da narração. Como quem conta várias histórias numa história, ao género de contos diversos numa só fábula, quão colocando pontos e vírgulas em parágrafos alongados, através de narrativa efabulada. Arriba – sobre um personagem com seu quê peculiarmente distintivo, quanto ao que nos motiva transmitir, para distinguir e fazer perdurar.

Eia… então, com apenas alguns grupos de ideias separadas, flui um conjunto formal de linha evolutiva, como que contando contos ao serão, no crepitar do lume da lareira e a deixar correr lembranças no torpor do borralho, à luz da candeia do tempo. 




Invocação

Era uma vez…  e mais - desde tempos idílicos, transpostos no remanso da memória.
     
Antigamente na minha terra, uma linda povoação – pelo menos para mim – no interior nortenho, dizia-se ir à praia quando se ia à Póvoa. Ou seja no horizonte regional falar-se em praia, normalmente, associava-se à Póvoa de Varzim. Aonde iam as excursões de camionetas de passageiros, indo além das vistas de campos e matas com verde por todos os lados da natureza, até horizontes de areia clara e imensidão azul do mar, para se cheirar o aroma do iodo e aragem salgada que se respirava no ar, mais ainda para o povo molhar os pés na ondulação a correr pela areia fina, enquanto calhava bem comer um bom merendeiro a compensar o fastio de outros dias. À guisa de como era que os remediados e pobres da populaça, como quem diz gente normal dos anos sessentas do passado século XX, iam conhecendo um pouco de Portugal além de seu canto, sobretudo na popular volta ao Minho.


Ah, e vinha à ideia uma cantiga entoada durante os percursos excursionistas, enquanto se via pela janela da camioneta a paisagem a ficar para trás:


“O mar enrola na areia
ninguém sabe o que ele diz
bate na areia e desmaia
porque se sente feliz!

O mar também é casado, ai
o mar também tem filhinhos
é casado com a’areia, ai
e seus filhos são os peixinhos…”


Narração

Ah, a Póvoa…!

Enquanto isso, o pensamento voava a lendas e narrativas relacionadas, porque estava bem presente a imagem do Cego do Maio que vinha no pequeno livro de leitura escolar. Sim, numa página daquele livrinho que dava para exercitar a leitura e tirar cópias, bem como de seu texto eram feitos ditados a ver se dávamos erros ortográficos (não o livro clássico com crianças fardadas à mocidade portuguesa da época, cujos exemplares entretanto tiveram reedições revivalistas; mas um mais raro, tipo “selecta literária”, que deve ter tido tiragem restrita pois nunca mais vimos rasto desse volume impresso – já que o do autor se perdeu na voragem dos tempos, depois de concluída a escola primária e na continuidade de serviço, derivado a empréstimo que não teve retorno). Havendo numa página, do mesmo, um texto sobre esse quase lendário Cego do Maio, ilustrado com desenho do cume de seu monumento (como vimos depois, quando, mais tarde e pela primeira vez, deitamos olhos até ao cimo daquela alta coluna, de onde a figura esquálida do heroico salvador procura divisar algo além). Isso, assim, numa narrativa povoada de mistério atrativo, como era contada e retemos bem, com realce para a justeza do tal busto com que foi homenageado esse destemido pescador poveiro José Rodrigues Maio, que em tempos idos venceu as fragas do mar e as ondas do tempo. Até parecia que sentíamos o corpo enregelado, ao lermos que ele, o Cego do Maio, saltava da cama, noite fora, e se metia à água, desafiando a tempestade com a sua catraia, pequena lancha poveira, para acudir a náufragos que se faziam ouvir ao pedir socorro… enquanto aqui a quem recorda isto, quando catraio de idade escolar, tanto custava sair da cama pelas manhãs frias e enevoadas, ao ter de despertar para ir à escola…


O Cego do Maio (José Rodrigues Maio, mais conhecido popularmente por Tio Maio) foi um herói poveiro, merecedor de ter em lugar público uma estátua grandiosa. De quem se contam façanhas, como farol de vigia humano, por assim dizer, sempre atento ao que se passava na orla da praia a beijar sua terra natal. Sendo ele natural da zona marítima poveira, onde então se distinguiu no socorro a quem andava sobre as águas do mar e, como tal, se aproximava dos rochedos dessa zona, em que não havia ainda porto de abrigo, sequer. Nascido em 8 de Outubro de 1817 e falecido em 13 de Novembro de 1884, foi pescador e salva-vidas, e é porventura figura altaneira representativa do imaginário derivado da atraente Póvoa. Com ponto alto em sua vida no facto de ter sido honrado por seu altruísmo com diversas distinções, nomeadamente com a mais alta condecoração do reino, a Torre e Espada, no tocante a heroísmo; além de ter recebido a Medalha de Ouro da Real Sociedade Humanitária do Porto. «Salvar os náufragos era a sua “cegueira”. Uma aventura que mais nenhum da sua classe se atrevia já que o “mar cão” era prenúncio de morte certa» (como descreveu o escritor José Azevedo).

«DOM LUÍS, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, etc.: Tomando em consideração os relevantíssimos e repetidos actos de coragem e de devoção cívica que José Rodrigues Maio, da Póvoa de Varzim, tem praticado, arriscando a vida no salvamento de muitos indivíduos que teriam perecido se não fossem os esforços e verdadeira abnegação de tão benemérito cidadão; e querendo, por estes respeitos, dar-lhe um público testemunho da Minha Real Munificência: Hei por bem fazer-lhe mercê de o nomear Cavaleiro da Antiga e muito Nobre Ordem da Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito» (conforme descreveu Santos Graça). Tendo então, após esta alocução, o rei D. Luís I condecorado «em sessão solene no Palácio de Cristal, no Porto, o cidadão poveiro José Rodrigues Maio a 15 de Dezembro de 1881, por atos de heroísmo no mar.»

O conhecido monumento erigido em sua honra, colocado no chamado Passeio Alegre, na Póvoa, foi mandado construir no início do século XX por emigrados poveiros no Brasil, para assim ser perpetuado esse destemido pescador que tantas vidas salvou e, depois ainda, foi mestre arrais do primeiro salva-vidas da Póvoa de Varzim (e, por fim, teve seu nome atribuído, mais tarde, ao barco salva-vidas que, sob comando heroico de Patrão Lagoa, esteve na epopeia do socorro aos que foram salvos do afundamento do Veronese).


Pois a Póvoa era então a terra dos beijinhos, as conchinhas e pequenos búzios do mar que os veraneantes apreciavam e serviam para decorações e brincadeiras, que encontramos na areia, logo das primeiras vezes que o autor destas linhas sentou corpo e alma no areal e se distraiu, porque não queria nada com aquela água alterosa, muito linda de ver, mas mais engraçada um pouco ao longe. Beijinhos como os que, segundo a lenda, o Cego do Maio, em sua simplicidade, ofereceu ao rei, para os filhos príncipes brincarem, retribuindo a comenda com que fora agraciado… quando, ainda no tempo da monarquia em Portugal, foi reconhecido com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor Lealdade e Mérito, a mais alta condecoração da grei, sendo-lhe colocado o Colar de Cavaleiro de S. Tiago da Torre e Espada; e então, o “Tio Maio”, como era conhecido (e de maneira mais simples e sincopada por “Ti”, atendendo ao tratamento familiar e popular com que as pessoas se tratavam naquela ainda vila piscatória), quando D. Luís I o condecorou, ele, conforme se conta, agradeceu tal distinção com um punhado de conchinhas, enquanto foi dizendo: “Tome lá ó Ti’ Rei, uns beijinhos para as suas crianças brincarem”! Simples e verdadeiro, como era.

Tal qual continuava imponente, tanto tempo depois, a sua figura, em granítico pedestal encimado por busto ilustrativo da fisionomia do heroico personagem, de rede enlaçada à cintura e com a palma da mão a fazer pala sobre os olhos, naquela esbelta estátua sobranceira ao terreiro que servia de estacionamento, em que as camionetas ficavam, num espaço então muito lindo e ajardinado, conforme me lembro, em torno do conjunto monumental do referido Cego do Maio – sem desfazer da evolução modernizada atual. Sendo evidente um certo respeito quando graúdos e miúdos olhavam a estátua e ali eram tirados retratos, à “la minuta” nos retratistas arreados com caixotas apropriadas, montadas de tripés na praça pública; ou, quando havia alguém com máquina própria, se faziam fotos de ocasião, a preto e branco naturalmente, para mais tarde recordar.


Nessas “excursões à Póvoa”, a ida à Póvoa de Varzim normalmente era antecedida de passagem por Balasar, freguesia do mesmo concelho, aconchegada nas cercanias poveiras - a terra da Santa Alexandrina (conforme já então era popularmente chamada, em sinal de reconhecimento verdadeiro, visto só muitos anos depois assim ter sido considerada oficialmente). Estava a serva de Deus Alexandrina Maria da Costa ainda sepultada no cemitério paroquial dessa freguesia (pois ainda passaram muitos anos até seus restos mortais terem repousado no interior da igreja local) e a sua casa era sítio de romagem, também, assim como a capela da Santa Cruz, num ambiente de muitos forasteiros visitantes, entre panorama de autocarros a entrarem e saírem do frondoso adro. Fazendo parte do cenário, aos visitantes excursionistas, como o autor, a novidade de se ver muitas mulheres a andarem de bicicleta, nas suas deslocações normais, coisa que não era usual pelas nossas bandas, na visão de quem via e fixava na retina essas cenas, de aprendizagem turística, à nossa escala. Depois era a chegada à Póvoa, com todo um manancial de curiosidades.

Assim pois, a Póvoa dos banhos, aos meus olhos de menino, quando pelas primeiras vezes fui até essa terra de passeios encantados, era um sítio de referências tais, que idealizava segundo aparências e sensações momentâneas. Envolta em neblina que costumava aparecer nas manhãs desses dias de ida e volta. Algo que com o tempo foi desanuviando, como sol que se ia abrindo, na passagem do tempo, embora sempre mais relacionado com período de praia, além de visitas noutras épocas menos apetecíveis pelas características nortadas ventosas.

Anos volvidos, em plena evolução do entendimento da vida, e em tempos que os passeios à Póvoa já eram a acompanhar a namorada, também (havendo ainda o lago do chafariz no jardim vizinho à estátua do Cego do Maio… e as fotos de ocasião já começavam a ser a cores, ainda que algo desbotadas!), então até associávamos a génese poveira com erudições. E na leitura de clássicos da literatura deparam-se os sentidos com um enternecedor soneto de António Nobre no seu livro sentimental “”, em poema deveras épico dedicado aos pescadores e intitulado

Poveiro


« Poveirinhos! meus velhos pescadores!
Na água quisera com vocês morar:
Trazer o lindo gorro de três cores,
Mestre da lancha deixem-nos passar!

Far-me-ia outro, que os vossos interiores
De há tantos tempos, devem já estar
Calafetados pelo breu das dores,
Como esses pongos em que andais no mar!

Ó meu Pai, não ser eu dos poveirinhos!
Não seres tu, para eu o ser, poveiro,
Mail’ Irmão do “Senhor de Matosinhos”!

No alto mar, às trovoadas, entre gritos,
Prometermos, “si o barco fôri intieiro”,
Nossa ”bela” à “Sinhora” dos Aflitos! »


Relacionado com estas estrofes algo emblemáticas (inclusive com amostras do falar arcaico da região e o tradicional bê nortenho-galaico pelos vês, no acender de vela por promessa, como costume nas aflições), soando isso melodiosa e ternamente aos ouvidos telúricos, e porque pela boca se chega ao coração, houve associação extensiva à criação e denominação dos pequenos doces “Poveirinhos”. Tal é uma especialidade doceira com esse nome, ao género de embaixador gastronómico, folhado com o formato de “nata” (tipo de pequeno pastel redondo), recheado com ovos moles e coberto com uma camada branca de açúcar. Embora na doçaria típica, localmente, os doces da Póvoa de Varzim mais caraterísticos sejam os Barquinhos (massa de hóstia em formato de barco com ovos moles dentro, coberto com chocolate e com o tradicional verso, colocado numa pequena bandeira de papel) e as Sardinhas Poveiras (doce folhado, em forma alongadamente esguia, tipo sardinha, com recheio de chila). Acrescentando-se estas indicações, também, porque o doce nunca amargou…

Claro que os doces são a parte mais açucarada, mas a gastronomia poveira naturalmente é antecedida pelos pratos de peixe, com o mar ali a beijar a enseada costeira. Tanto que existe como garante dessas tradições gastronónmicas uma Confraria dos Sabores Poveiros

Ora António Nobre aprendeu a admirar a classe arrojada dos Poveiros, pois viveu na Póvoa algum tempo da sua infância e aí mais tarde também passava temporadas de veraneio.

Derivado disso, Nobre explanou com maior profusão depois, na amplitude que pretendeu dar à alma portuguesa, uma vista mais alargada sobre essa sua visão poveira – em poema também incluído no livro “Só” e numa passagem escrita longe de Portugal, em Paris, relembrando então o poeta, para um amigo, cenas da pesca na Póvoa de Varzim:


Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!
Oh, as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera da maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-a a toda a força,
Clamam todos à uma “Agôra! agôra! agôra!”
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar.
Dá-lhes o vento e todas, à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:
Senhora Nagonia!
Olha acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!

(…)»

Acresce que a Póvoa, como terra abençoada pelos dotes banhistas, sobretudo, criando em torno dessa estaleca da enseada marítima toda uma atmosfera cosmopolita, fascinava gente de respeito, por assim dizer, com especial enfoque à classe culta, com seu ambiente evoluído, em compita à vulgaridade, nesse tempo. Tanto que era local de convivência entre escritores, por exemplo. Camilo Castelo Branco deslocou-se regularmente à Póvoa de Varzim, vizinha de Seide, onde residia, e de Vila do Conde, onde passou temporadas, segundo se sabe «perdendo-se no jogo e escrevendo parte da sua obra no antigo Hotel Luso-Brazileiro, junto do Largo do Café Chinês» (e em frente ao Universal). Embrenhado naquele ambiente de lazer, em que «as elites poderiam ouvir música, ver espectáculos de "flamenco" e "can-can" por bailarinas espanholas, tertúlias e jogar roleta e monte. Nestes cafés-concerto, havia representações teatrais, concertos, bailados e declamações. Os empresários, em concorrência, traziam à Póvoa o que de melhor havia nas artes cénicas, sendo por isso roteiro preferencial de artistas nacionais e internacionais, especialmente espanhóis. Era neste contexto que Camilo Castelo Branco vinha regularmente à Póvoa…». Mas não só ele, pois Camilo então ali «reunia-se com personalidades de notoriedade intelectual e social, como o pai de Eça de Queirós, José Maria de Almeida Teixeira de Queirós, magistrado e Par do Reino, o poeta e dramaturgo poveiro Francisco Gomes de Amorim, entre outros. Sempre que vinha à Póvoa, convivia regularmente com o Visconde de Azevedo no Solar dos Carneiros.» E em «…1877, Camilo viu morrer na Póvoa de Varzim, aos 19 anos, o seu filho predileto, Manuel Plácido Pinheiro Alves, do segundo casamento com Ana Plácido, que foi sepultado no cemitério do Largo das Dores.»


No decurso do tempo, fora historiadores locais, outros ilustres letrados de proveniências diversas dedicaram atenções à Póvoa, entre escritores do panorama literário nacional. Por exemplo, Ramalho Ortigão, em 1876 escreveu sobre as mais conhecidas praias portuguesas, em livro chamado "As Praias de Portugal - Guia do banhista e do viajante", em cuja obra retratava essas praias, em meados do século XIX, e o hábito de "ir a banhos", com um conjunto de recomendações aos banhistas. Incluindo a Póvoa no número das melhores, já nesse tempo, segundo lista dos preferidos locais de banho; dos quais salientava aquele autor portuense dez praias, entre as quais a da Póvoa de Varzim. Seguidamente pode destacar-se, relativamente a época posterior, a descrição de Raúl Brandão em seu livro ”Os Pescadores”, onde ficou impresso um curioso relato da vida poveira do início da década dos anos vinte, do século XX (sendo que tal livro teve inicial publicação em 1921).


Estas e outras realidades conhecidas, que íamos amealhando no bornal da atração, aguçavam os olhares do conhecimento, é bom de ver.


Assim, a substância poveirinha refletia-se sempre no horizonte, espalhada, quão sua maresia espirra a deter atenções. Não admirando estas e outras passagens em que nos sentimos atraídos por tal espírito, então apenas como meros espetadores, ao género de visitantes a quem o sítio e correspondente ambiente era já conhecido, embora de passagem.

Nesses comenos se foram interiorizando conceitos, resultando em histórias que há pelo reencontro surgido com acontecimentos ligados a um passado, ao qual há acesso pelo tempo mediado, a um período feito de memória.

Até que, mais tarde, outros valores se alevantaram. E passei a ver a Póvoa com outro olhar. 


Ação – Enredo e Personagem

Aconteceu que, volvidos anos, foi tornar-se residente conterrâneo, aqui do autor, um senhor da Póvoa, marido duma senhora natural da terra do autor destas notas. O qual, apesar da diferença de idades, depressa se tornou nosso amigo, com forte influência numa identificação ao garbo poveiro resultante de seu entusiasmo bairrista, como sucedeu através de longas conversas em que ia transmitindo coisas e loisas do que sentia e sabia, esse senhor, como tal conhecido entre nós, na nossa e também terra de sua esposa, como o “senhor Luís da Póvoa” – tal o tratamento familiar com que popularmente ficou o sr. Luís Tomás Pinto, conforme é a graça do amigo senhor Luís Tomás, como é mais acotiado nos meios da Póvoa de Varzim.


Ora, o senhor Luís foi ganhando confiança connosco derivado a ter tido conhecimento que aqui o autor destas notas era estudioso de história local, devido à esposa do senhor Luís, D. Candidinha, a determinado momento ter necessitado de ajuda num trabalho escolar que tinha em mãos. Porque ela então, como professora do ensino básico, andava a fazer um estudo, ao jeito de levantamento, sobre usos e costumes populares da região, mais propriamente da área geográfica de inserção de seus alunos e do ambiente social e passado histórico da zona circunvizinha. Até que uma coisa puxou outra e depressa se foi amassando certa cumplicidade, em questões de salvaguarda de artefactos com passado historicamente afetivo, sobretudo.

Ele, como fluente falador e muito sociável, num ápice ficou metido na vida da localidade e era conhecido de todo o meio ambiente que rodeava o quotidiano local; mas, no tocante a conversas sérias já sabia, como se foi apercebendo, que não havia muito por onde escolher, por o povo comum da região viver duma forma despreocupada, desinteressadamente, à maneira simples. Levando tudo para a brincadeira, sem ligar a loas superiores. Passando ele a ter um círculo mais restrito, ao reparar, como dizia, então, que em qualquer sítio também havia gente com quem se podia conversar.

O senhor Luís saíra da Póvoa e viera terra dentro até ao interior nortenho, para se fixar no torrão natal da esposa, depois de longo passado na sua Póvoa, onde era muito conhecido, de certa maneira tido por personagem público. Sendo praticamente figura popular, como dono do antigo Café Universal, histórico estabelecimento de convívio social. Dos mais afamados, por sinal, entre os cafés que foram deveras populares desde longas eras, como aliás está referido em textos na literatura historiadora da terra das célebres siglas familiares. Referindo que se dizia mesmo que na Póvoa casa-sim, casa-não, havia um café, a pontos de inclusive haver uma artéria chamada rua dos cafés. «Porque ao poveiro ninguém lhe tira o vício de ir ao café, quanto mais não seja para ler o jornal».

Provindo de tempos deveras antigos, pois fora fundado em 1888, o Café Universal, com luxo e distinção, era polo de frequência selecionada. Conta-se que, nos seus tempos primitivos, apresentando orquestra privativa e excelentes artistas a atuar durante os meses de Verão, esse Café enchia-se todas as noites. Quando foi gerido pelo pai do senhor Luís e o filho ali trabalhava também, já pelos anos quarentas do século XX, continuava a ser frequentado por gente bem de vida, como soe dizer-se. Acontecendo então, como sinal disso, que durante a Segunda Grande Guerra Mundial, vivendo-se tempos de restrições impostas, tinham de contornar a situação para servir bem essa clientela boa. Tanto que, segundo normas governamentais, só podia ser servido meio pão e um cubo de açúcar por cada café ou chá. Ora como sua casa era concorrida por gente de sociedade e turistas de hotel, passava-se por cima disso, mas quando os fiscais apareciam “untava-se-lhes as mãos” para fecharem os olhos… E depois, já em tempos de menor esplendor, o mesmo café continuou a servir de ponto de encontro de pessoas conhecidas e forasteiros, quase como local de referência, até, como foi quando esteve nas mãos do senhor Luís Tomás, que ali ganhou muitas e boas amizades com turistas e patrícios visitantes.

Há uma foto curiosa e elucidativa, ilustrando o interior do café, no tempo do senhor Luís como gerente…


No decurso dessa sua atividade comercial, estando com o café Universal por sua conta, e lidando com muita gente, a faceta social de Luís Tomás Pinto continuou evidente em partilha social, como era o caso de acudir sempre que necessário a ajudar amigos e conhecidos, de diversos modos, mas também através de um dom que possuía, que era de ter jeito para acudir a males corporais, a remediar mazelas ósseas e em articulações do corpo (não tanto do género popular de endireita, mas de massagista fisioterapeuta amador). Tendo correspondido a solicitações de pessoas que iam ter com ele, em casos de luxações, entorses, problemas de coluna, etc, sem nunca levar dinheiro. Aliás, como sempre gostou de ajudar o próximo, quando ocorreu o caso dos retornados, vindos ao calha após a descolonização das colónias portuguesas em África, chegou a ter dez pessoas alojadas em sua casa, até poderem resolver sua situação. Tal qual, por esse tempo, ainda, como no Universal parava muita gente da classe média alta e se tornou amigo de muitas pessoas dessas, esses contactos serviram para arranjar emprego para alguns amigos que o procuravam, para esse efeito. Tanto que ainda se corresponde com muitos, no país e no estrangeiro, porque se tornaram amigos pela forma como ele os ajudou nalguma coisa, também.

Acabou esse famoso café Universal por encerrar as suas portas em 1975, quando o mesmo sr. Luís Tomás Pinto resolveu dar outro rumo à sua vida, indo para a terra da família da esposa, onde o ficamos a conhecer. Tendo entretanto passado o mesmo seu café a outra pessoa em 1976.

Passou ele a viver na Longra, num remanso de Entre Douro e Minho. E passamos nós a ter outra visão mais eloquente do que era a Póvoa, que ele levara consigo em recordações e saudade. Pois, esperando melhores dias, sempre ficou com a Póvoa atravessada, bem presa dentro de si. Tendo transportado consigo também algumas lembranças de seu café, tal eram umas estatuetas que haviam figurado nas feições arquitetónicas dessa sua casa, como testemunho do ambiente de outrora, recordado sempre através do «cristal dos espelhos, jorrando cambiantes de luz nas garridas 'toilettes' das gentis banhistas, brilhantes de mil cintilações, a ver corações enamorados e na alegria extrema da sua mocidade» …

Dessas estatuetas, em terra cota, mais tarde duas foram para o museu da Póvoa, oferecidas pelo senhor Luís.


Na seguinte relação com a terra afetiva, onde conquistara a companheira de vida, foi redescobrindo motivos de apego, enquanto descobria objetos familiares que lhe diziam algo, como atento observador e interessado pela memória coletiva. Dos baús e armários da casa de família foram vendo de novo a luz do dia uma variedade curiosa de coisas de outros tempos, numa profusão de relíquias com que foi aumentando um autêntico pecúlio de, não só colecionador, mas sobretudo conservador, com que criou um verdadeiro museu pessoal em sua casa. Que não se coibia de mostrar aos amigos, em exposição doméstica num recanto de sua habitação, num quartinho, tipo saleta, logo à entrada da casa, subindo escadaria lateral sob agradável cheiro de azulados cachos floridos de glicínias, postadas em torno do gradeamento do qual pendiam abraçadas.

De permeio, havendo ali ao pé uma fábrica de metalurgia que era dum cunhado, e tendo o senhor Luís passado a ocupar seu tempo na mesma fábrica, que era bandeira local, por assim dizer, do mesmo modo deitou mãos a tirar o pó a velhos desenhos e fotos de maquinaria e projetos, preservando alguma memória da própria empresa com afixação de tais testemunhos do passado da firma em quadros emoldurados; os quais passaram a estar pendurados a decorar paredes daquela fábrica de mobiliário metálico e por conseguinte fazendo memória de tempos idos, especialmente dos correspondentes alicerces históricos assim ali ilustrados. Em cuja fábrica, além disso, ajudou a fazer bons negócios.

No âmbito de sua residência na região Sousã, o senhor Luís foi alargando horizontes e procurou embrenhar-se na vida regional, tendo assim chegado a integrar a direção do clube desportivo então existente na localidade, o Futebol Clube da Longra, tal como a nível do concelho afetivo colaborou com a Biblioteca Municipal de Felgueiras na organização de algumas realizações, tal o caso de duas exposições públicas, uma de selos postais e outra de bússolas.

Por essa altura, com a fixação do senhor Luís na Longra – terra da esposa – a dita povoação ganhou mais um elemento de respeito, sendo que nesse tempo na área da Longra havia algumas pessoas com importância social de relevo, tanto como o senhor Luís Sousa, fundador da fábrica Imo; o senhor Camilo Fonseca, genro do fundador da “fábrica grande” Metalúrgica da Longra e saliente presidente da Casa do Povo; o sr. Américo Pereira, arquiteto que tivera diversas funções na Câmara de Felgueiras e depois passou para o município de Matosinhos, embora mantendo residência entre nós; mais Joaquim Pinto, eletricista e bobinador, autor da sirene e da maquinaria pioneira da Metalúrgica da Longra, bem como de outras empresas vizinhas e sucessoras do mesmo ramo, galardoado com o Prémio da Associação Industrial Portuense; o sr. José Luís Goes, projetista e pintor, autor de famosos cenários decorativos das atividades teatrais; Fernando Machado, clássico lojista do comércio tradicional. Entre outros. E entre os quais, apesar de muito novo, ao tempo, quanto à idade deles, o autor se ia dando bem, reconhecido como era pelo que procurava fazer em prol da terra comum.


Nesse tempo de adaptação do senhor Luís, a Longra era terra pequena mas com vida própria, sendo uma povoação mais desenvolvida que as terras à volta, mas sem maior desenvolvimento, contudo, porque os terrenos vagos estavam em mãos de famílias e pessoas que não precisavam de vender, à falta de visão de progresso, nem as autoridades faziam por isso, tal como (segundo o povo dizia e quem podia não fazia nada em contrário) a Câmara não tinha gente no poder que gostasse da Longra e, por outro lado, até a própria Junta na generalidade, salvo raras exceções, lá teve cabeças acomodadas e sem iniciativa dinâmica. Do que ocorria que, enquanto as freguesias das redondezas começavam a desenvolver-se, a de Rande, a que pertencia a Longra, marcava passo… apenas. Não havendo ainda qualquer plano diretor municipal, sequer… Mas, apesar desse aperto a que foi sendo sujeita, a Longra era e ainda é polo urbano deveras saliente, mesmo assim, com direitos históricos na região.

Isso também derivado à Longra ser então, de modo vincado, o centro industrial da região. Dando para viver e onde havia de tudo um pouco, no dizer do povo. E, claro como água, além de haver a indústria ao pé, havia sempre ao que deitar mão, consoante as derivações da chamada pequena propriedade, como era com boa parte da população, em quintais, leiras e campitos de amanho pelas próprias mãos, o que ia permitindo com que as pessoas fossem tendo vinho, couves, animais domésticos para sustento caseiro, criando galinhas e coelhos, e, nalguns casos, até porco para matar. Fora a produção agrícola em quintas rurais, particularmente nos arredores, mas nesses tempos dos primeiros anos após o 25 de Abril já o ambiente era diferente de antigamente, e começava tudo a alterar-se, em profundas alterações sociais.

Num quotidiano calmo e realista, a vida na Longra corria serena e familiar. Tendo em si gente simples mas boa, também. Na linha do que se diz, e com verdade também, que uma terra vale pelas pessoas e potencialidades que tem. Sendo de recordar, entre outros casos, por viver junto à fábrica onde o senhor Luís passou a laborar, e apenas como exemplo pelo genuíno fator de popularidade simpática, a existência sentida duma senhora que vivia ali à beira, a Roseirinha – como paradigma da bonomia e singeleza local. Pois a Roseira (como também era referida essa conterrânea de nome Rosa, contudo conhecida por nome mais coletivo, conforme era considerada), tinha o dom de toda a gente gostar dela e apreciar o seu feitio sincero, tornando-se figura local por ter sempre muito limpo tudo à frente e junto à casa de sua residência, com costume regular de, por seu gosto e vontade, varrer muito bem a terra da berma da estrada, conforme era antes naqueles sítios, e depois o passeio lateral, desde que foi cimentada a faixa pedonal, ali. Algo que deveria, pelo menos, fazer ver às autoridades quão necessário era e é haver limpeza pública assiduamente…
Bem como nesse ambiente urbano da Longra, no Largo da Longra e arredores, pontificavam mais alguns respeitáveis homens que eram referências do comércio e serviços, por exemplo, como o sr. António Magalhães, do Centro Comercial; o sr. Manuel Carvalho Amorim, chefe da Estação de Correio; os irmãos Fernando e Adelino Freitas, da Barbearia da Longra; o sr. Manuel Marinho da Silva, mais conhecido então por “senhor Manel do Café” (como antes era “das mobílias”, ou seja conforme os ofícios que desempenhou); o senhor Aurélio Marinho, recoveiro; o sr. Roberto, taxista e dono (continuador) da Loja da Ramadinha, o sr. Armando Ferreira, então na loja de mercearia e posto de pão da Casa da Padaria, o sr. Joaquim Cerqueira, da alfaiataria de seu nome, etc.

Quase tudo gente já desaparecida ou de situação alterada, em grande parte, entretanto, que hoje se relembra como enquadramento cronológico e ambiental, de afetividade e cotejo a esses tempos e gente assim agradavelmente dedicada a algo social, de gratas recordações. Embora também na generalidade não fossem muitos os que conviviam muito fora de casa, além dos contactos normais de emprego, conversas particulares entre amigos e idas à igreja, pois quanto à convivência em locais públicos a conversa era outra. Salvo as raras exceções, encontradas então pelo senhor Luís, ao radicar-se nessa terra de residência familiar. Na companhia de pessoas sempre bem dispostas e predispostas a deixar fluir lados bons da vida, como um tio do autor, de quem o senhor Luís era muito amigo, o meu tio Zé Moreira; e, entre alguns mais, também seu cunhado já referido, o sr. Sousa da Imo. Detentor de personalidade cativante, este, agarrado como era à sua terra, de onde nunca quis sair e na qual criou postos de emprego para muita gente dos arredores, o sr. Luís Sousa Gonçalves era cioso de suas veias familiares, qual árvore que nasce e morre onde brotou raízes. Sempre falador e pronto para tudo, com sua maneira de ser característica de contar histórias, tinha piada nas conversas com amigos, em cuja roda o senhor Luís entrava e em que o autor destas recordações costumava participar.

Quantas horas passamos no Café da Longra, o café central da localidade que passou a ser sítio de encontro de ambos, o senhor Luís e o autor destas anotações, em amenas conversas sobre temas de afeição cultural, por esses tempos. Dum modo assaz mais atrito por o autor andar já, como se dedicou ao longo de alguns anos bons, a estudar tudo o que aparecesse sobre a própria terra natal, com vista a escrever a história do rincão cujo toque do sino ouvido ao longo dos tempos toca bem cá dentro…


De modo mais ecológico, quantas caminhadas e passeatas demos por entre a natureza da região da encosta de Rande e nas margens do rio Sousa, ao som da torrente da água doce corredia ou na quietude de campos e leiras prenhes de viçosas cores, caminhos acima e abaixo, a perscrutar reminiscências do passado, alevantando memórias arqueológicas e trazendo de novo à tona alguns marcos de outrora, quando o autor andava em pesquisas no terreno, com vista à elaboração da preservação histórica da região, acompanhado pelo senhor Luís e mais algumas pessoas chegadas, como o pai de quem se recorda disto. De muito que se conseguiu coligir, de quanto ficou no livro sobre a história de Rande e Felgueiras…

Passados anos, quando a história da terra do autor foi finalmente publicada, em livro volumoso, até, lá ficou registado que o sr. Luís foi um importante contribuidor para o desiderato:


« Luís Tomás Pinto (n. 04 / 10 / 1931 - f. 01 / 9 / 2018)

Poveiro radicado em Rande-Felgueiras, na (então) povoação (e hoje vila) da Longra, tendo sido marido de D. Cândida Sousa, natural de Rande e grande bairrista.
Apaixonado pelos valores de preservação patrimonial da cultura artística e histórica da região natal e da terra afectiva, onde se fixou, Luís Tomás tem recolhido diverso material antigo, do qual tem doado muita coisa ao museu da sua Póvoa de Varzim, e tanto mais que, entretanto, guarda(va) à espera de existência de um museu do concelho de Felgueiras, ou eventualmente da freguesia da esposa e sucessores, onde vive (vivia). Colaborou com o autor destas linhas numa primeira experiência, para o efeito, com a temporária Exposição da Memória Etnográfica da Longra, em Abril de 1995.
Foi também activo elemento da comissão formada pelo autor para a organização da I Mostra Filatélica e Exposição Museológico-Postal da Longra, em Julho de 1995, comemorativa do centenário natalício de Francisco Sarmento Pimentel e octogenário da Estação de Correio da Longra.
A faceta de arreigo Poveiro e afeição à terra da esposa foi magistralmente caricaturada em desenho da lavra do artista varzinista Nando, em homenagem alusiva ao sr. Luís, de que se reproduz cópia dedicada pelo homenageado ao autor destas regras (cuja imagem ficou inserta no livro, acrescente-se).
Foi o amigo sr. Luís um apoiante de contribuição e incentivo (ao livro), com ajuda preciosa de algumas fotografias antigas, documentação vária que fora do sogro e suas tias, da parte da esposa, material esse que o próprio salvou, bem como no decifrar do documento do Tombo de Rande e do manuscrito do Foral do Unhão (recorrendo a um conceituado seu amigo, especialista em leitura de documentação medieval, o sr. Padre-Monsenhor Manuel Amorim, pároco de Beiriz-Póvoa de Varzim, insigne historiador), que muito animou este sonho (da concretização do livro) com fundamental base, documentalmente ao desiderato desta (daquela) prova de afeição terrena misturada com telurismo nas veias.
Luís Tomás tem em sua casa (na Longra) um museu particular, com paixão pelos valores antepassados, de testemunho da identidade local – digno só de por si merecer consideração bairrista.

Desse espaço de salvação de objetos a falar do passado de Rande, guardados carinhosamente ao lado de artefactos da sua terra natal e pessoais, é o cenário de fundo da fotografia (publicada também no mesmo livro, “Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras”), que o autor fixou à posteridade com o personagem estimado em primeiro plano.»

Com efeito, no meio disso, muita coisa fora por ele entretanto entregue no Museu da Póvoa de Varzim, contribuindo com autênticas raridades para o valioso acervo do espaço memorial da sua Póvoa. Enquanto ia aproveitando para, com quem mais convivia em espaços de tertúlia local, fazer passar mensagem sobre os valores poveiros.


O Senhor Luís é dos Poveiros da velha guarda, daqueles que sabem o que foi e o que é a Póvoa. Quando era pequeno, ainda na praia do peixe da Póvoa havia muitas lanchas e catraias e ele e os de sua igualha, canalha da época, corriam por cima dos barcos, saltando de uns para outros, e, entre os compinchas de tais brincadeiras, ai daquele que pusesse o pé na areia, pois levava logo uma estalada no cachaço. Tempos esses em que, também, madrugada cedo, os pastores traziam suas cabras pelas ruas da Póvoa até ao pé das casas dos moradores e, tirando o leite diante dos fregueses, no seu sítio, logo o vendiam fresquinho, à porta dos compradores. Sendo então igualmente vendido leite de burra. Assim como havia os esterqueiros, vindos com seus carros de bois para carregar o esterco das fossas, pagando-se desse serviço com troca por lenha. Quando a Póvoa tinha, nessas eras, muitas ruas em terra batida, passando aos solavancos mais carroças e carros de bois que automóveis, enquanto os carros de motor ainda eram um luxo de classes mais abastadas.

Contava mais o Sr. Luís... De quanto as marcas da Póvoa afluem, trazendo o ontem aos tempos de sempre. Embora com muita gente provinda de outros lados a residir na cidade nova, sem raízes poveiras, há ainda quem se lembre de ouvir pais e avós puxarem antigos costumes. Havendo algumas memórias, por exemplo, do Natal de antigamente, agora como contos que se narram, em que essa época era marcante na comunidade piscatória da Póvoa de Varzim. Como um tempo de encanto, do pouco que conheciam os antepassados, entre alegria e tradições muito próprias, de grande significado para a gente do mar. Por tradição muito antiga, na classe mareante, a ceia natalícia trazia um bem estar diferente, numa mistura de prazer da mesa e culto religioso, como uma festa dentro de portas a fazer esquecer agruras, substituído que era tudo por boa disposição, metendo cantorias e conversas de recordações de lembrar vivos e mortos, até momento sagrado de orações antecedentes à refeição mor. «Para o pescador poveiro, na noite de consoada, o ruivo e o peixe seco eram pratos ‘obrigatórios’. Toda a gente comia no chão e geralmente na cozinha, onde a lenha do fogão servia de aquecimento central» (como consta das lembranças etnográficas da página informática oficial da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim), cuja tradição pelos tempos adiante, com a mudança de residência e transferências familiares, se estendeu a zonas vizinhas, nomeadamente extensível também a Vila do Conde e às Caxinas.

Misturam-se de permeio as acomodações entre pescadores e residentes de trabalhos em terra, mais turistas. Havendo contudo uma combinação que subsiste no que permanece na afeição pelo que afinal a Póvoa traduz. Quer da gente que vem dos tempos em que as viúvas dos pescadores não tiravam o negro do corpo, com afinco de assim continuar até à cova, como algumas diferenças sociais dos lados diversos da cidade. Estando as zonas históricas associadas aos dois lugares conotados com zona sul e a zona norte da cidade, algo evidente em aspetos ancestrais da rivalidade que tem gerado realizações, atingindo o auge com a Festa de São Pedro no final de Junho.


O senhor Luís conhece, pois, a Póvoa como a palma de suas mãos. Tendo nascido e crescido com a brisa marítima poveira na face. Descendente de filhos de pescadores, tem três siglas de família, as dos Liros e dos Pentieiros (as duas mais chegadas), como ainda (mais distante em parentesco) a dos Ferreiras Moreiras, da família Trocado. Sendo sobrinho-neto de um personagem histórico, o também herói poveiro “Chião do Liro”, que tem nome de rua, constando honrosamente na toponímia urbana povoense. Só disso, segundo o que ele conta(va) amiúde, dava para alastrar muito a descrição, bastando referir que ele tem grande orgulho em todos esses símbolos e seus laços de sangue. Mas não fez vida de mar, ficou mais em terra. Depois que acabou para si a fase escolar, feita a primária e ficando-se pela entrada no curso da Escola Comercial, foi trabalhar com o pai para o Café Universal, onde seu progenitor era então gerente. Quando o café ainda era feito em banho-maria, nuns fogões a petróleo, sendo preciso dar à bomba, como se dizia, para afoguear. Havia uma cafeteira grande para servir os cafés. Depois apareceram umas máquinas com torneiras, para deitar a porção devida no serviço aos clientes. Enquanto para a medida do açúcar eram usados uns pequenos cálices metálicos (que o sr. Luís ainda tem guardados, alguns, entre suas antiguidades). Passados tempos, já mais crescidote, ao atingir a maioridade (que então era aos 21 anos, recorde-se), Luís Tomás tentou a sorte em Angola, província ultramarina desse tempo, onde começava a haver boas possibilidades de ascensão social, e ainda trabalhou dois anos num hotel em Moçâmedes, mas teve de regressar, depois, por ter adoecido com febres africanas. Após o que passou a gerir o café Universal já por sua conta, de modo a que esse salão de cafetaria ainda esteve na família mais duas décadas. Havia entretanto casado aos 32 anos, com D. Maria Cândida Gonçalves de Sousa, de cujo matrimónio resultou ver sua continuidade como pai duma menina. Chegando depois à época de ir, terra dentro, viver para o rincão da esposa e, extensivamente, do seu amigo autor destas linhas.

Foi pois, assim, através do senhor Luís, que ficamos a conhecer muito da Póvoa, a identificar autores poveiros, a saber quase na ponta da língua peripécias narradas de geração em geração dos mestres da pesca, os populares tios da faina piscatória e os patrões das embarcações, chefes carismáticos da faina marítima, como reza a história. Em cujo rol sempre se conta, em lugar de relevo, com alguns heroicos autores de façanhas destemidas de antanho, a lembrar, na esteira do Cego do Maio e outros, também inesquecíveis naturais da Póvoa do Mar, como o Patrão Lagoa, mais tantos heróis poveiros, incluindo o também notável Patrão Sérgio, mais o já referido Chião do Liro e demais, de quantos que pela sua coragem figuram nos anais poveiros. Quanto ficamos inteirados do trabalho do etnógrafo Santos Graça, pai da salvaguardada alma do Ala-arriba das gentes das camisolas poveiras, desenhadas em lã. Tal qual das teses fundamentadas de Rocha Peixoto sobre etnografia portuguesa, cujo trabalho ancestral (consultado em livros) ajudou nas pesquisas para a elaboração da monografia historiadora da terra do autor, mas só de tanto ouvir o senhor Luís falar é que nos apercebemos que esse era outro grande homem da Póvoa. Salientando-se em nossa atenção, sobre esse cientista, o facto de ter sido obreiro do Museu Soares dos Reis, no Porto. Bem como por meio de tanto o ouvir, foi-nos sendo incutido inerente conhecimento sobre um Gomes de Amorim, poeta, dramaturgo, romancista e biógrafo; Admário Ferreira, também poeta, biógrafo, mais jornalista e livreiro; o Padre Giesteira, igualmente poeta e jornalista, mas também músico e orador sagrado; Ezequiel de Campos, este de nome conhecido como político da época da I República, em cujo decurso foi ministro da Agricultura no governo de José Domingues dos Santos, nos anos 20, do século XX (e do qual, nesse tempo, foi chefe de gabinete um nosso amigo de outras eras, o Capitão João Sarmento Pimentel, oriundo de fidalga família da terra do autor); assim como Vasques Calafate, escritor, jornalista e orador, além de seu mister de professor; Fernando Barbosa, também professor e especialmente investigador de história local; como Monsenhor Manuel Amorim, grande historiador; outrotanto Viriato Barbosa, historiador poveiro; Flávio Gonçalves, historiador de arte e investigador histórico; Manuel Silva, publicista, dedicado à história da Póvoa, entre seu ofício de notariado público; sem esquecer o célebre clássico Eça de Queirós, escritor romancista de renome internacional – este, porém, já antes bem nosso conhecido de tantas páginas saboreadas. Até chegar à referência a vultos ainda então presentes, como Luís Rainha, saliente na sua faceta altruísta a bem da comunidade, cujo nome fica perpetuado na Fundação criada pelo seu desejo de «complementar a acção dos Poderes Públicos no apoio à terceira idade, crianças de famílias pobres e diminuídas intelectuais; e incentivo cultural…». Tanto como escritores e historiadores que não sendo poveiros de nascimento, se radicaram ou afeiçoaram à raça poveira, como, entre outros, com vasta obra, José Azevedo, Vilacondense de berço e Poveiro de coração; tal como Júlio António Borges, transmontano de Vila Real dado a escrever profusa obra, entre cujo labor se incluem trabalhos sobre a Póvoa. Bem como passaram pela Póvoa personagens distintos, ficando ligados por seus trilhos profissionais a essa essência especial que é a afeição pela mesma Póvoa, como aconteceu com o famoso filósofo e professor Dr. Leonardo Coimbra (cujo filho, Dr. Leonardo Augusto Coimbra, médico e deputado nacional, nasceu precisamente na Póvoa), e a poetisa Maria Camélia (assinatura literária da professora Bernardete de Jesus Castro Faria, autora de diversos livros e com inúmeras composições espalhadas por jornais nacionais e regionais, sob esse pseudónimo muito conhecido).

Desses grandes vultos da história poveira, o senhor Luís ainda guarda gratas recordações nalguns casos particulares, tanto que Santos Graça, amigo especial da família, foi quem arranjou a sua passagem para Angola (sabendo-se como naqueles tempos de colonialismo era dificultada a colocação nas províncias ultramarinas, a pontos que a própria moeda era diferente do dinheiro do continente).  

Voltando atrás e a gente de matriz poveira, havia e há sempre mais. Advindo, de permeio, dessas considerações, ainda menções de diversos personagens, naturais ou relacionados com a Póvoa, salientes noutras áreas. Sendo deveras falado pelo sr. Luís o nome do Dr. Josué Francisco Trocado, compositor musical conhecido a nível nacional e autor do considerado Hino da Póvoa (cuja música, composta por volta de 1916, passou a ser tocada no início das Assembleias de Freguesia da Póvoa em 2009). Entre mais. Como ainda o Padre Abel Varzim, sacerdote ligado a movimentos sociais, de operariado e de “Acção Católica”, que ficou conhecido por divergências à política social do regime do tempo de Salazar, e que apesar do nome não era natural da Póvoa, mas na Póvoa de Varzim passava férias, em casa duma sua irmã, casada com um dos principais médicos da terra, o Dr. Jorge Barbosa, também ilustre historiador local. Como vinham à baila das conversas nomes de desportistas oriundos da Póvoa de Varzim, quanto nos lembramos de algumas vezes em que foram referidos nomes de futebolistas antigos, tal o caso de João da Nova, o Nova que jogou no Porto no tempo de grandes craques como Pinga, Soares dos Reis e outros, tendo sido campeão nacional e chegado a internacional pela Seleção A de Portugal; tal qual posteriormente Noé, corpulento avançado de que nos recordamos de ver sua figura nos cromos de rebuçados, em mãos de moços mais velhos, do qual ouvíamos referências e lemos em crónicas historiadoras ter sido um dos goleadores daquele jogo em que o F C Porto se sagrou campeão ao triunfar em Torres Vedras, suplantando o caso-Calabote, em 1959, como ficou na história; contemporâneo de Virgílio Mendes, (o célebre “Leão de Génova” que foi capitão das equipas do F C Porto que deram cartas na segunda metade da década de cinquenta e, em seu tempo, foi o futebolista mais internacional de Portugal), o qual, embora não sendo da Póvoa, aí residiu na terra de sua esposa; e mais recentemente, e natural da Póvoa, mesmo, teve fama e proveito o também alto defesa Lima Pereira, que se sagrou campeão europeu e mundial, em 1987, também com a camisola portista, além de ter sido internacional pela seleção portuguesa e campeão nacional; como ainda José Maria chegou a vestir a camisola do Sporting em Lisboa; mais os irmãos Limas (primos do António Lima Pereira que jogou de azul e branco), os quais se distinguiram no F C Felgueiras, quando o clube da terra do pão de ló andou pela segunda e primeira divisões nacionais de futebol; e o guarda-redes Tomás participou na arrancada do Felgueiras rumo às divisões superiores, até depois se ter vinculado ao Benfica, embora sem haver conseguido ganhar posição na equipa encarnada lisboeta; mais Bruno Alves, que como esteio da defesa do F C Porto venceu vários campeonatos nacionais e diversas outras provas, tendo ainda sido eleito melhor jogador do campeonato português de futebol de 2008/09, ao serviço do clube Dragão. Para referir alguns, apenas, além dos que jogaram pelo Varzim Sport Club, o clube da Póvoa que por mais que uma vez esteve no campeonato da Liga principal do futebol nacional. Sendo também poveiro, natural da freguesia de Navais, o famoso ciclista Manuel Zeferino, que em representação do F C Porto venceu a Volta a Portugal em bicicleta no ano de 1981; assim como atualmente corre brilhantemente pelas estradas europeias, com a camisola de equipas estrangeiras, mas sempre com o símbolo português presente, o ciclista Rui Costa, da Aguçadoura, o qual em 2013 se sagrou campeão mundial ao vencer o Campeonato do Mundo de Estrada, e por diversas vezes já venceu provas importantes, como a Volta à Suíça, por exemplo. Curiosamente os dois ciclistas eram naturais de duas freguesias vizinhas e independentes, hoje unificadas administrativamente após a reorganização administrativa do território português, em 2013, ditada pelos políticos nacionais da ocasião (que não se entendeu, nem se perceberá, por quanto alterou injustificadamente, quanto ao autor destas notas, parte da alma do território nacional), ficando, neste caso particular, as freguesias integradas na chamada União das Freguesias de Aguçadoura e Navais. Como ainda Bruno Torres, de futebol de praia (embora na Póvoa não houvesse clube dessa variante, mas, habituado ao areal poveiro, andou por outras equipas, inclusive numa experimental do FC Porto, até que se fixou no Braga), o qual pela seleção nacional de futebol de praia sse sagrou campeão europeu e mundial, entre outros títulos.

Enquanto isso, porque uma terra como a Póvoa está em constante evolução, continuará sempre a ter pessoas que procuram honrar o rincão onde nasceram ou vivem. Contando ainda mais gente capaz de fazer preservar a memória de seus patrícios, também, como autores algo recentes, conforme aconteceu em finais de 2014 com a dupla Jorge Basílio e Zulmira Lima, que se lançaram a escrever uma coleção de livros sobre Antiguidade Clássica na Póvoa de Varzim, a começar com “O enigma de garum” (primeiro conto da coleção “O mundo de Ernesto”, ao género aventuras, através de ficção e factos históricos). Sendo os co-autores Jorge Basílio, natural da Póvoa de Varzim, e Zulmira Lima, ambos professores.

Mais ao longe, tem havido também muito quem tenha procurado homenagear pela preservação escrita os laços de sangue de união à Póvoa. Como, entre mais casos, há conhecimento do livro “Imigrante Herói – Memórias Póstumas de Carlos Custódio Rajão”.

Voltando ao tema, esses e outros, por conseguinte, são alguns exemplos, entre diversos casos de casta poveira dos que se foram e vão distinguindo em diversas áreas de apreço público. Como cantou Camões, n’ OS Lusíadas, daqueles “que por obras valerosas se vão da lei da Morte libertando”… Daqueles que sempre tiveram orgulho na sua condição de poveiros, sentindo-se honrados na representatividade dos seus, quer de fato branco de festa, ora de camiseta aos quartos, de tripulantes que se sentem. E, já que veio à baila o tema dos trajes tradicionais, acrescente-se… claro está, também, homens de camisola poveira, com os seus alegres bordados, mais catalão ou gorra na cabeça, e quanto à parte feminina, o belo corpete de cor viva das mulheres, o lenço de merino e a saia e calças (dos homens, naturalmente, porque nesses tempos as mulheres não andavam de pernas tapadas), vestes essas elaboradas em pura lã, na sua cor natural, denominada “branqueta”.

Mas havia ainda mais. Culminando todo um percurso de boa companhia, um certo dia o senhor Luís aproveitou e fez questão de proporcionar a este seu amigo uma visita ao Museu de Etnografia e História da Póvoa de Varzim. Servindo aí de cicerone também, com saber de experiência feito – e como… quão soube falar do que tanto gosta, explicando tim-tim por tim-tim aquilo tudo (apesar de falar pelos cotovelos e assim por vezes, de tanto saber, acabar por se perder em divagações). Detentor como é duma grande bagagem de conhecimentos, quase a correrem até escorregar naquela cabeça. Ao que o ouvinte - e ora signatário disto - lá conseguia intercalar, nas deixas, umas quantas perguntas com que foi sendo melhor elucidado, por todo aquele espólio cativar nossa atenção. Tendo então sugerido que fosse colocadas legendas junto a cada painel ou artefacto, algo necessário perante tanta e rica matéria ali patente, a provocar curiosidade e interesse; caso que logo mereceu aprovação do bibliotecário Manuel Lopes, atento e abnegado defensor do museu, nesse tempo. Porque desde as recriações dos costumes de outrora, a exposição das alfaias com as siglas de pertença familiar, às cartas de chamada dos emigrantes que demandaram paragens onde se formaram autênticas comunidades poveirinhas, incluindo a visão da lancha poveira, implantada ao meio com aparato e dimensão, mais o salva-vidas “Cego do Maio” com que o Patrão Lagoa e outros mais ficaram ligados ao salvamento de parte da tripulação do Veronese, no famoso naufrágio daquele paquete inglês, encalhado na aproximação à praia de Leça, ao mar de Leixões, ali tudo nos deixou de olhar preso. Com intensa contemplação até às miniaturas de modo tocante ali existentes, em figuras ilustrativas de personagens populares e cenas da memória coletiva, executadas por Mestre Quilores, artista poveiro de bom coturno, como comprovam suas peças de talha existentes em várias igrejas. Assim como está no museu a foto e as medalhas do tio-avô do sr. Luís Tomás, o falado Chião do Liro, por ter salvado tripulantes da escuna holandesa Any. E tantas peças raras, então… Enfim, ali é todo um universo consubstanciado, que nos levou a desejar que em nossa terra (no concelho do autor destas linhas) houvesse algo do género… quanto ao que aí demos verdadeiro merecimento. Como o senhor Luís muito apreciou quando, por fim, tal consideração mereceu uma pessoal mensagem sintomática no livro dos visitantes, louvando aquela realidade ali patente.

Entretanto, na Longra, povoação urbana algo desenvolta, nesse tempo, em torno da qual o verde da natureza é viçoso, sob ambiente onde o azul do céu é bem azul, o senhor Luís continuou durante anos os seus dias, criando família que aí ganhou raízes, através de sua filha, Ana Elisa (Anita, como é popularmente conhecida), do genro, Moisés Fernandes, e netos, Sérgio e Mafalda. Ouvindo o borbulhar calmo das águas do rio Sousa, deslizando como que a beijar as entranhas do sentimento telúrico de tal sítio.


De permeio, na Longra, ainda, o senhor Luís colaborava noutros campos de labor cultural, dando ajuda possível nalgumas realizações ocorridas. Como nos lembramos de como seguiu com grande empenho a angariação de alfaias antigas para a criação do museu etnográfico local, inserido no levantamento dos usos e costumes, mais a confeção de trajes etnográficos tendentes à criação do Rancho Folclórico representativo da região, quando o autor destas notas, junto com a esposa, fundou o Rancho Infantil e Juvenil da Casa do Povo da Longra. Em cuja sequência, tempos depois, o sr. Luís fez de elo de ligação em convite para um Rancho da Póvoa participar no primeiro Festival de Folclore da Casa do Povo da Longra, indo depois, na resposta, connosco ao congénere Festival de Argivai, da Póvoa. E também correspondeu ao pedido para acompanhamento como guia a um grupo galego de dança tradicional, vindo a um dos seguintes festivais de folclore, na mesma Casa do Povo; como mais tarde ainda incluiu a comitiva Longrina que foi a paragens da Galiza, em viagem de permuta, e aí, junto às águas do sopé do desfiladeiro de Santa Tecla, n’ A Guarda espanhola, também serviu de cicerone, pois até ali tinha amigos, conhecidos de laços marítimos próximos entre a antiga La Guardia e a Póvoa.  

Depois do falecimento da esposa, embora com laços familiares na terra afetiva, na qual ficou e continuou a prole sucessora, o senhor Luís Tomás logo que se aposentou profissionalmente regressou à sua Póvoa. Transferindo para seu apartamento de horizontes poveiros o seu museu privado. Tendo até como vizinho, próximo de sua alta moradia, o interessante monumento das Gentes Poveiras, de homenagem às comunidades que estão na génese do próprio concelho, a agrícola e a piscatória. Contudo, tendo ficado na sua casa da Longra muita coisa relacionada com a Longra, onde permaneceu sua filha e respetivo agregado familiar.

Então, como é da natureza, também, as serenas águas do rio Sousa, depois de percurso enviesado até desaguarem na corrente do Douro, acabam por chegar à costa a entrar pelo mar… misturando-se com as ondas que dão à praia da Póvoa.

Passou então o sr. Luís Tomás a poder cirandar livremente por tudo o que mais lhe diz da Póvoa, e em todas as ocasiões propícias dignificando a terra natal. Sendo daquelas pessoas que sabe como passar bem o tempo. Sabendo-se como foi mantendo correspondência com muitas pessoas amigas, das mais variadas partes do mundo, que o ficaram a conhecer na Póvoa. E como em qualquer lado se depara com alguém amigo ou conhecido. Umas vezes por outras fazendo parte de tertúlias e convívios que façam respirar melhor os ares costeiros. Bem como é, quantas vezes, consultado sobre assuntos da Póvoa, prestando informações e indicações desse vasto mundo que é a Póvoa de Varzim de seu enlevo.

Em tudo o que se meteu e envolveu, pode dizer-se, teve sempre a Póvoa no pensamento ou, pelo menos, no subconsciente. Tanto que, tendo sido praticante de Pesca Desportiva e, como tal, participado em concursos de mar, representou a Póvoa com galhardia nessas ações desportivas. Assim, havendo disputado provas pesqueiras de carater internacional na Póvoa e na Irlanda, ficou com amigos entre os concorrentes participantes, além de antigos turistas de diversas nacionalidades, também, sempre em nome da Póvoa, visando deixar bem vista a Póvoa.


Como exemplo, pode contar-se um desses casos, dado em ocorrência de acaso. Relacionado com fator contagiante de haver eterna relação entre a Póvoa e terras distantes, para onde rumaram patrícios. Sabendo-se que, espalhadas pelo mundo, há em várias nações Casas do Poveiro, como ligação à terra-mãe. Derivado isso de haver no espírito poveiro um grande apego nutrido pela Póvoa. Como refere o senhor Luís, a propósito: «Está no sangue de todo o poveiro o grande amor que temos pela Póvoa. Mas também os nossos descendentes, nasçam onde nascerem, igualmente sentem um grande amor por ela. Isto faz-me lembrar uma vez em que vinha da Alemanha, de visitar amigos alemães. Regressava já no comboio de Lisboa ao Porto e, no meio de conversação de passar o tempo, metida que foi conversa com uns turistas espanhóis, companheiros de viagem, sobre a Póvoa, ouço alguém a perguntar-me se conhecia bem a Póvoa. Era um senhor atrás de meu assento a procurar saber se eu era da Póvoa; e, palavra puxa palavra, questionando eu de que família era e rua em que os seus viveram, vim a saber tratar-se de pessoas que conheci, pois que seu avô era Rajão, duma família que tem ramos que nunca acabam. Ele estudava então em Bilbau, era filho de um médico brasileiro e de mãe (D. Consuelo) descendente dum poveiro ilustre, filha do patriarca dessa família instalada no Brasil, Carlos Custódio Rajão. O qual, depois de muita luta na vida, fora para o Brasil, assentando em Minas Gerais-Conceição do Mato Dentro, onde deixou grande descendência.» Cujo percurso, acrescente-se, foi depois contado num livro, como antes referimos. Ora, por quele contacto surgido, conversado que ficou o respetivo enquadramento, passou a haver maior ligação ainda. Como o senhor Luís relembra: «Tempos depois principiaram a aparecer pessoas dessa família cá na Póvoa e a procurar-me. Eu não pensava haver tanto amor, tanta alma poveira como vi naquelas pessoas. Emocionaram-se, visitaram tudo, comeram de tudo. O José Azevedo até escreveu um artigo sobre isso no Comércio da Póvoa. E desde aí ficaram contactos e amizades…»

É isso assim que torna o senhor Luís um caso à parte, um exemplo de bairrista sui generis, um Poveiro de gema. Porque tem a Póvoa sempre consigo e sabe transmitir o espírito que vagueia na penumbra da memória varzinista.


Claro que pelos tempos adiante o autor (destas linhas) também voltou à Póvoa, não tantas vezes como gostaria, pelas ocupações derivadas da vida, mas sempre que possível procurou encontrar o amigo senhor Luís, que, encantado na sua terra, não costuma estar parado um segundo que seja. Estando a Póvoa hoje em dia transfigurada, como é fácil de ver, ostentando novos monumentos, mais novos arruamentos, renovado visual do centro cívico, largueza maior em avenidas e esbeltos conjuntos memoriais. Como, entre tantos exemplos, ressalta o caso do painel de azulejos do molhe norte do porto de pesca, perto do casino, localizado no paredão que divide o areal da praia da zona pesqueira, a imortalizar heróis poveiros e a retratar figuras típicas (como o popularmente chamado Tio Cavalheiras, nome constante de relatos nas histórias piscatórias, e tantos outros). Um valioso mural de azulejos, esse, de valor artístico e sentimental, da autoria do artista-pintor poveiro Fernando Gonçalves (Nando) que, com sua mestria, conseguiu representar antigos aspetos ambientais e quadros humanos da vida ancestral da localidade, qual repositório historiador de memórias eternas. Tal como o monumento ao banhista, situado na praça 5 de Outubro, da autoria de um outro poveiro, Américo Rajão, «que se inspirou em velhas fotografias da praia para retratar em bronze as figuras de uma mulher e de uma criança a banhos». Entre tantos mais, espalhados em locais de referências e pontos estratégicos, numa boa combinação urbana e atração patrimonial. Além de diversificados monumentos, como o do Pescador, como homenagem pública ao pescador poveiro; bem como um da Peixeira, evocando a antiga lota, em homenagem à mulher poveira nas suas diversas facetas costumeiras; mais ao Dr. David Alves, antigo autarca que delineou o traçado balnear da cidade; como um outro do Major Mota, também antigo presidente da Câmara, etc. O próprio Museu Municipal teve interessantes benesses, por exemplo. E tantas mais transformações que têm sido operadas pela cidade.

Nessa nova fisionomia citadina, que quem estivesse muito tempo ausente estranharia, depara-se ao visitante, especialmente, variadas visões comprovativas de como a cidade da Póvoa se tem renovado. E, num mesmo pacote, «há também o desejo de preservar a memória da cidade, materializada em pedra, construída na alma dos seus habitantes, nas suas tradições e costumes mais arreigados». Quando, na Póvoa «a Câmara Municipal decidiu adoptar um novo modelo de placa toponímica totalmente feito à mão e onde se evocam as cores da cidade, as tradicionais siglas, os aprestos de pesca, os barcos e o mar, a par de, nos casos em que tal é possível, a efígie da figura histórica que dá nome à praça ou à rua em questão. Encomendadas pela autarquia ao artista plástico Fernando Gonçalves, mais conhecido como Nando pela forma como assina os seus trabalhos, as novas placas recuperam memórias poveiras e introduzem um aspecto afectivo na identificação das ruas, uma vez que cada uma é uma obra de arte única por ser integralmente feita à mão.» De aplaudir. Lindo e sintomático.

Para pessoas como o senhor Luís, a quem anda constantemente atento a tudo o que aconteça na sua terra e valoriza melhorias que surjam, aquela concretização satisfaz naturalmente o ego conterrâneo, pois uma obra dessas, com tal originalidade e bom gosto, não acontece por qualquer terra, nem nas maiores cidades do país se vê ainda, por ora. Vendo-se que felizmente a Póvoa continua a ser terra que tem de tudo, como se costuma dizer. Enquanto se mantêm algumas tradições, dos costumes que vêm pelos tempos fora desde os avós, pelo menos. Tal o caso da subida ao pau ensebado, na Festa da Imaculada Conceição, popularmente também conhecida por festa do castelo, por ser junto à fortaleza (onde costuma ser implantado um alto pau esfolado, para o efeito); em que, com o Natal já próximo, há concurso de subir o mastro, coberto de pequena camada de unto de sebo, no cimo do qual, como prémio para o vencedor, entre os mais afoitos, se encontra um cabaz de Natal.

Não sendo isto uma biografia, nem um estudo monográfico, mas apenas um feixe de historietas evocativas relacionadas ao mote, passamos ao largo de desenvolvidas enumerações cronológico-biográficas e simplesmente boiamos ao sabor da maré. Em linguagem figurada à simbiose marítima, porque o mar é elemento preponderante no ser de tudo o que é poveiro. Em cujo ânimo se insere o caráter do personagem em apreço.

Podendo não ser um figurante dos quadrantes mais colunáveis, como há por toda a banda, este senhor Luís é, contudo, um dos personagens populares que se devotam à sua terra, sem pedir nada em troca. O que, assim, o torna conhecido e apreciado.

Há pouco tempo ainda (quando passamos ao papel estas ideias), entretanto, tivemos conhecimento que o amigo senhor Luís teve honras de espaço nobre num jornal poveiro, inclusive com destaque na primeira página (n’A Voz da Póvoa, numa edição de finais de Outubro de 2014), louvando a sua faceta de ter amizades por todo o lado, sob título: “Luís Tomás - um mestre a fazer amigos”. O que realmente é verdade, sendo o senhor Luís (no dizer tradicional da região aqui do autor) como o pão branco, ou seja é conhecido por toda a parte, realçando-se, nessa sua veia de bom conversador e facilmente fazer amigos, com frequência.

Com efeito, ele é também um mestre a fazer amigos; mas não só, pois de modo especial é um Poveiro dos quatro costados, cioso da sua terra, orgulhoso das siglas de seus ramos familiares, acompanhante donairoso da sua cidade, sendo profundo conhecedor de quanto diz respeito à história e cultura da mesma. Um Filho da Póvoa que memorialmente, através do particular museu em que transformou sua casa com objetos inéditos de matriz poveira, além de algumas relíquias de que se desfez para dotar o museu poveiro, e tudo o mais, se pode considerar como também parte integrante do Museu da Póvoa. De mão sobre a testa, a divisar o horizonte que lhe chama a atenção… podendo já não ver tão bem como antes, devido à idade, mas continuando sempre com boa boca e sentidos apurados.

Sinal disso é o que ficou impresso e expresso na coluna que lhe dedicou o jornal A Voz da Póvoa, como acima referimos, assinalando que, além da sua peculiar arte de fazer amigos, um dos seus passatempos favoritos é colecionar coisas antigas - diremos melhor continuar a angariar antiguidades. Reforçando ele: «Gosto de guardar objetos da minha família e também de colecionar coisas da Póvoa. Continuo a procurar e a recolher o maior número de siglas poveiras. Sou muito bairrista e um poveiro de coração. O Padre Amorim e o Dr. Jorge Barbosa eram muito meus amigos. Quando o assunto era coisas antigas passávamos horas a conversar. Tenho muitas coisas oferecidas por clientes do café, portugueses e estrangeiros. Coleções de notas, moedas, relógios, livros, tudo o que for antigo. Não vendo nada a ninguém. Ofereci algumas peças ao museu da Póvoa, como a antiga máquina de café do Universal…»


Pouco antes de “ter vindo no jornal”, e também recentemente, finda a maré dos banhos e na transição de entrada ao Outono, em meados de Setembro de 2014, num convívio de bairristas poveiros, o senhor Luís Tomás Pinto recebeu um Diploma de Reconhecimento e medalhas, pela colaboração que entretanto prestou para a página do grupo “Póvoa de Varzim Ontem e Hoje” no Facebook (conforme se soube através da Internet, também). Sendo assim reconhecido mais esse seu “contributo à divulgação da Póvoa de Varzim, das suas gentes, seus costumes e tradições”.

O senhor Luís é mesmo associado à Póvoa, um Poveiro de raiz, um digno e ilustre filho da Póvoa de Varzim. O Poveiro que melhor conheço, no sentido identificativo à chamada raça poveira, como quem diz o mais Poveiro – na visão deste seu amigo, natural de outra região, obviamente. Não que tivesse sido ou seja único, mesmo porque, de permeio, o autor teve também um cunhado natural da Póvoa de Varzim, igualmente deslocado terra adentro, o qual descortinou a esposa na mesma região do interior nortenho. Infelizmente já falecido, mas sempre bem lembrado. Boa pessoa e muito culto, inclusive tendo em casa, entre outros adereços, uma típica embarcação simbólica (em tamanho médio), representando a lancha poveira, mas sendo um cidadão normal, ou seja sem fundamentos deveras identificativos, mais quaisquer conhecimentos históricos e profundidade carismática, nem nada que se pareça ou compare, nesse aspeto, com o amigo senhor “Luís da Póvoa”.

Tal ligação pessoal, levou depois, pelos tempos adiante, a uma mais estreita atenção, a pontos de se valorizar com enfoque especial esta terra do amigo senhor Luís, cuja carta de alforria, como se diz, remonta ao Foral Novo passado por D. Manuel I em 1514. Há precisamente 500 anos completados em 2014, e cuja data, no dia 21 de Novembro, foi devidamente assinalada com uma agenda alusiva ao Foral Manuelino. Entre diversos números, o programa comemorativo contou com várias conferências e um “workshop” ao longo do próprio dia, culminando com um jantar à maneira medieval no Museu da Póvoa. Para além disso, houve uma sessão filatélica e exposição temática, no Arquivo Municipal. Sendo fácil de ver como o senhor Luís Tomás passou esse dia nas suas quintas…

Para o senhor Luís a Póvoa sempre foi mais que tudo. E nós (aqui o seu amigo autor destas memorizações) ficamos por ele também a apreciar. Ao género do que cantou a cantora-fadista portuense Natércia Maria, através do fado-canção “Ó Póvoa de Varzim” (gravado em disco de vinil pelo ano de 1973), entoando, sob esse título a elucidativa mensagem, sabendo-se que a praia sempre foi a maior força motriz local:


Há muitas praias, mas cá para mim
nenhuma delas pode ser igual
à que se chama Póvoa de Varzim,
neste recanto do meu Portugal…

Mas, ainda, não ficamos por aqui no que podemos associar à interligação que fazemos da Póvoa com o sr. Luís e vice-versa – pois há sempre mais qualquer coisa na manga… da Póvoa.


A meio de Novembro, também, em pleno Outono de 2014, quando a crise monetária, política e social estava a dar cabo da cabeça da maioria das pessoas, passando o maior número dos portugueses por dificuldades evidentes, surge na comunicação social uma notícia invulgar, dando conta duma ocorrência digna de registo, como prova de honradez, que muito enobrece o que é subjacente ao caracter poveiro. Que obviamente podia e pode acontecer em qualquer lado, mas desta feita se passou na Póvoa. Tal o caso de três trabalhadores do lixo da Póvoa terem encontrado milhares de euros, qualquer coisa que dava sensivelmente para, pelo menos, mais de meia dúzia de salários mensais de cada um, mas que devolveram. Tendo então a Câmara da Póvoa de Varzim distinguido os funcionários com um louvor exarado oficialmente.

Sobre isso, descreveram assim as notícias difundidas por agências informativas:

«Três funcionários da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim foram distinguidos pela autarquia com um voto de louvor por devolverem um envelope com mais de quatro mil euros que encontraram num centro de processamento de lixo. Fonte autárquica disse à agência Lusa que o envelope, com o dinheiro e cheques, foi detetado no meio de resíduos, no Ecocentro de Laúndos, por trabalhadores municipais que procediam à separação de papel. Os valores foram devolvidos ao banco a que pertenciam. O envelope continha um depósito no valor de 4.407 euros feito pelo cliente de um banco numa dependência desta instituição e que, por descuido, terá caído num balde do lixo. Seguiu, depois, o trajeto normal dos resíduos até ao ecocentro. Após os três funcionários terem encontrado o pacote, fizeram-no chegar aos responsáveis da Câmara Municipal que, por sua vez, o entregaram à instituição bancária em causa, identificada no envelope. O presidente da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, Aires Pereira, considerou que este "tipo de atitude deve merecer a distinção da autarquia, justificando-se a atribuição dos votos de louvor aos funcionários Artur Alves, Horácio Costa e José Pinheiro pela seriedade demonstrada". Segundo o autarca, esta não foi a primeira vez que funcionários da Câmara Municipal encontraram somas de dinheiro no meio de resíduos e procederam à sua devolução. “Recentemente, um trabalhador dos serviços de limpeza que estava a recolher resíduos numa casa particular também encontrou uma carteira [com mil euros] que supostamente iria para o lixo e devolveu-a ao proprietário”, descreveu o autarca.»

Lido isto, até parece que vemos o senhor Luís Tomás de sorriso na boca, como quem diz: - Foi na Póvoa…!


E, em reforço do que aqui fica expresso, acresce razão às armas identificativas, visto o brasão municipal da Póvoa ser constituído por um escudo azul, com uma cruz de ouro, terminada inferiormente por dois braços de âncora de prata, rematada superiormente por um anel, do qual cai um rosário de ouro. Enfiado no mesmo, ladeando a haste da cruz dos dois lados entrelaçando-se no seu pé; e em chefe, um sol de ouro e uma meia lua de prata. Além do significado… é tudo em materiais preciosos, qual matéria honorífica, até ao listel branco com a legenda a ouro "PÓVOA DE VARZIM ". Ou seja, ouro sobre azul…!

O que é sintetizado de modo erudito e eloquente no Hino da Póvoa composto pelo Dr. Josué Trocado (1882-1962) por volta de 1916 e inicialmente cantado pelo Orfeão Poveiro. Como narrou Viriato Barbosa «…na récita da festa anual fixada para a noite de 9 de Setembro de 1916, ao levantar do pano no «Garrett», o volume de som das vozes daquela massa escura de homens, todos caras conhecidas, todos vestidos de preto alvejando-lhes os peitilhos das camisas, ressoa pateticamente a abrir o espetáculo com o hino…. Em 2004, o coral "Ensaio" voltou a cantar o Hino da Póvoa no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. Em 2009, Maria do Mar (pseudónimo de Conceição da Silva Pinto), autora de Marés (2004), apelou numa crónica num jornal local, O Comércio da Póvoa de Varzim, ao uso mais regular do mesmo. A primeira resposta deu-se em Setembro por parte da Junta de Freguesia da Póvoa de Varzim, órgão autárquico menor, que decidiu restaurar o hino, tocando-o no início de todas as sessões da assembleia de freguesia.»

Salvé! Póvoa, terra ilustre
nossa pátria, nosso lar
tu és nosso santo orgulho
quer aquém, quer além-mar
Salvé! Póvoa, terra linda!
tu és nossa, és imortal!
teu amor revive em nós,
num afecto perenal!

(coro)

Soe um alto brado, quente
de beleza astral sem fim:
-Viva a nossa linda terra!
-Viva a Póvoa de Varzim!
(bis)

-Viva a nossa linda terra!

-Viva a Póvoa de Varzim!

Exortação Conclusiva

Para nós, uma das evidências terrestres é que fixar memória respeitante a algo particular ou coletivo será uma forma de celebrar a vida. E, neste propósito, essa atitude terá em conta valorização de tudo o que mereça apreço, com discernimento de avaliação, a enaltecer na amplitude de uma identificação. Sem fazer por menos, ainda que contado de forma leve, nas características de narrativa contista. Mas sem aumentar nenhum ponto, terra a terra como o amigo senhor Luís - que procuramos homenagear, pela amizade comum, e (porque sabemos o que isso é, gostando nós tanto da terra natal), sobretudo pelo seu amor à terra que o viu nascer, a encantadora Póvoa que nos habituamos a admirar ainda mais através dele.

Continuou o senhor Luís Tomas a irradiar da Póvoa para o mundo sua jovialidade e transmissora amizade. Como ele dizia na tal coluna d’ A Voz da Póvoa: «prezo muito as amizades. Tenho amigos um pouco por toda a Europa, África, Argentina e Brasil. Enviam-me por carta as saudades da Póvoa. Eu retribuo o carinho e vou dando notícias deste bairro amoroso». Enquanto, acrescentamos nós, continua a ter amigos na Póvoa e na Longra.

Em tais desígnios, de benefício cultural coletivo, cumpre-se o verdadeiro amor pátrio, que é o apelo à terra Mátria, ao peito materno onde bebemos o leite que nos fez crescer, pois a verdadeira Pátria é a terra onde nascemos e a que nos toca no coração.

Daí estas histórias, separadas e que se unem, sobre ele e extensivamente sobre a Póvoa, mais suas vivências, tomando o todo pela parte, porque ele e a Póvoa de Varzim se fundem, ou não fosse “o senhor Luís da Póvoa”…!

Histórias enroladas nas ondas do tempo, a deslizar pelo areal varzinista e entrar pela terra além, com a vastidão poveira por fundo acolhedor. Como a tradicional cantiga do folclore poveiro em suave aconchego…


“O mar enrola na areia
ninguém sabe o que ele diz
bate na areia e desmaia

porque se sente feliz”!

E na Póvoa viveu feliz, para sempre… o senhor Luís… que é, de vez, um bom amigo, um senhor que muito honra este seu amigo, em – como é nosso ex-líbris – também ele dar valor ao que tem valor.



= Dezembro de 2014.


(Faleceu à chegada do mês de setembro, ao expirar o verão de 2018. Ainda uns dias antes, ao passar a sua casa, que estava fechada com a família mais chegada junto com ele na Póvoa, me lembrei dele. Agora será uma constante recordação…!

- Descanse em paz, amigo senhor Luís.)


ARMANDO PINTO

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