sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Crónica no SF sobre Nossa Senhora das Vitórias


O jornal Semanário de Felgueiras tem para publicação mais um nosso artigo, desta feita sobre a tradicional ligação da Lixa à sua histórica padroeira, mais derivados vínculos - cuja coluna em princípio deverá ter publicação no jornal desta semana.

Dessa crónica juntamos aqui o respetivo texto original para leitura, por este meio. 

Nossa Senhora das Vitórias

Na atmosfera dos dias de hoje, como brisa corredia em horas de calor, haverá sempre uma espécie de propriedade, na teologia das coisas. No sentido de coisa própria, com ênfase de existência.

É assim que se nos revela o significado das nossas coisas, como se costuma dizer, englobando sentimento de rincão pátrio, apego ao que identifica a terra mátria. Tal como a nossa terra tem individualidade no carisma do genuíno pão de ló, em comparação com um bolinhol ou pão de ló húmido de outras zonas geográficas; bem como tem um gosto especial o Pão Podre tradicional das tendas de nossas romarias, de massa apaladada com mel e canela, em contraste ao limão do chamado doce da Teixeira. Etc e tal… E temos ainda um singular exemplo, como é o caso de Nossa Senhora das Vitórias, que desde tempos imemoriais se venera na Lixa e faz parte da simbologia lixense. Diferenciada de outras, a padroeira da grande festa da Lixa, mas que, com alguma curiosidade, irradia hossanas. Tanto que, com o mesmo nome, chegou ao Brasil, onde até há a Senhora das Vitórias padroeira dum grande clube desportivo.

Com alguma água na boca, da curiosidade da descrição e perante esta realidade, vamos por partes. Quando se está em período apropriado, pela respetiva afetividade à pertença conterrânea. Por quanto Nª Sª das Vitórias está quase a ter sua festa na Lixa, por estes tempos próximos, ao virar do mês de Agosto para Setembro. Num período propício de regresso às raízes.

Segundo narram crónicas coevas, o priorado de Nª Sª das Vitórias está relacionado à guerra civil portuguesa do século XIX, mais precisamente com a última batalha entre os dois irmãos régios, D. Pedro e D. Miguel, oriundos da geração fugida às invasões francesas. Cuja peleja se travou nos arredores da Lixa, pelos contornos do Ladário, nos princípios de Abril de 1834. Conforme rezam narrativas da época, aludindo ao facto: As tropas Miguelistas, comandadas pelo General Torres, vinham de Guimarães a caminho de Amarante e foram surpreendidas no monte do Ladário pelas forças de D. Pedro, comandadas pelo Brigadeiro José Cardoso. Embora bastante reforçados com militares de diversas terras, os Miguelistas foram derrotados, refugiando-se em Amarante. No monte fronteiro ao Ladário havia uma capelinha dedicada a Nª Sª Aparecida. Ora, então D. Pedro, atribuindo essa sua vitória e todo o consequente triunfo bélico a Nossa Senhora, mandou substituir a imagem da Sª Aparecida por outra, a que por conseguinte apelidou de Nª Sª das Vitórias, estabelecendo que se celebrasse todos os anos uma festa em sua honra. Passando, com o decorrer do tempo, a ser tradição a realização dessa festividade próxima à feira das uvas, que já acontecia ao tempo, ficando assim também como feirão do aparecimento das cebolas, por ocasião do primeiro fim de semana de Setembro. Sendo esta a festa-mor da Lixa, desde esses tempos.

Enquanto isso, mais tarde, pelos anos vinte do século XX, a Senhora das Vitórias passou também a ser a padroeira dum grande clube brasileiro representante da comunidade portuguesa, o Vasco da Gama. Com efeito, no Brasil, Nª Sª das Vitórias é a padroeira oficial do Clube de Regatas Vasco da Gama, de fortes conexões com a cultura portuguesa. E, segundo descreve uma crónica oficial do mesmo clube, ali «a devoção por Nª Sª das Vitórias foi iniciada no período em que o cruzmaltino conquistou seus primeiros triunfos no futebol. Em 1923, após conquistarem o primeiro Campeonato Carioca da 1ª divisão, os jogadores receberam, das mãos de Carlito Rocha, cordões com medalhas da padroeira. Alguns anos mais tarde, movido por sua devoção à mesma santa, um associado do clube presenteou os jogadores com uma imagem da padroeira, que foi colocada na portaria.» Acontecendo que um histórico dirigente desses tempos, o tesoureiro da direção Alberto Baltazar Portela era natural do concelho de Felgueiras, chegando até a ser benemérito da escola primária da Longra (onde costumava ser homenageado sempre que vinha de visita à terra natal) e teve seu nome atribuído ao campo de basquetebol da Longra, existente pelos anos trinta e quarenta…Conf. consta no livro "Memorial Histórico de Rande e Alfozes de Felgueiras".

Podendo ou não haver uma relação direta entre tais casos, o certo é que a imagem viscaína da sua padroeira tem diversas semelhanças com a da Lixa, sendo esta portuguesa venerada em terra felgueirense desde era antiga, com ancoragem na capital da Vera Cruz à chegada dos anos 20, do século XX. Havendo nas suas instalações desportivas, na zona do estádio São Januário, uma capela dedicada à mesma protetora do famoso clube de grande história futebolística – cuja construção contou com contribuição de alguns clubes portugueses, com realce para FC Porto, Benfica e Sporting, que mandaram caixas com terras de seus recintos… em associação simbólica.

ARMANDO PINTO