sexta-feira, 12 de julho de 2013

Passeio pelo Porto-cidade


O Porto, como é mais conhecida a cidade do Porto, é capital do Norte de Portugal e também a capital do Distrito do Porto, a que pertence Felgueiras e extensivamente o Vale do Sousa, mais a comunidade urbana de Sousa e Tâmega, e futuros agrupamentos de freguesias e sabe-se lá o que mais há-de vir. Tal qual alberga a Sé da diocese a que pertencem as paróquias da Vigararia de Felgueiras, para englobar tudo o que inclui e agrupa esta região em que nos inserimos. Sendo que o Porto é muito mais, além de sede de distrito e diocese portucalense, especialmente como cidade da Virgem, cidade Invicta e da Liberdade, burgo portuense que se orgulha de ter o coração do rei liberal D. Pedro IV, especialmente como cidade representada pelo colosso desportivo F. C. do Porto e pelo famoso néctar Vinho do Porto. 


Por quanto, desde há muito, vemos no Porto, recordamos um trecho que escrevemos em tempos sobre uma visita ao Porto-cidade em nossa infância, já lá vão coisa duns quase cinquenta anos, incluso num dos contos do livro "Sorrisos de Pensamento", ao correspondente capítulo VI:





Livro de Contos

(ESGOTADO)

Sorrisos de Pensamento - Colectânea de Lembranças Dispersas 

(editado em 2001)



« VI
Descoberta excursionista

Com poucos anos vividos, numa idade em que no imaginário infantil qualquer ocorrência passada há coisa de um ano parecia ter sido havia décadas, na cabeça de um pequeno rapaz que nunca saíra da sua região, aquela excursão organizada pelo abade da sua freguesia era coisa nova, algo nunca experimentado.
Mal o pároco anunciou isso na “prática” da missa de Domingo sobreveio natural anseio, e passado pouco tempo, cerca de uma hora depois, mais coisa menos coisa, durante o almoço domingueiro, ficou decidido à mesa que iam todos os irmãos, quer os mais velhos que andavam na Liga Eucarística, como os mais novos em idade de catequese e andanças na Cruzada em procissões e enterros. Naquela família religiosa e interessada na vida paroquial não admirava essa decisão, em correspondência à iniciativa de visita à sede diocesana, pois que a ideia do Padre João era de levar os paroquianos até à Sé do Porto, aproveitando para fazer passeio cujo itinerário daria a conhecer à gente de Rande alguns pontos curiosos da velha urbe da Invicta capital do norte, sede da diocese a que a paróquia estava ligada.
Estava-se nos primeiros anos da década de sessenta e a simplicidade da maioria das pessoas da terra, remetidas à condição de vida feita à sua medida, poucas possibilidades tinham ainda de se deslocar para muito longe da linha do horizonte local, salvo raras excepções de uns quantos que em esporádicas oportunidades faziam viagens de excursões a Fátima, à Volta ao Minho, às festas de Lamego e Viana, como alguns homens e rapazes até que iam por junto, de camioneta de aluguer, a um ou outro jogo de futebol mais perto e de maior importância (ou seja dos clubes “grandes” da simpatia dos excursionistas) ao campo da Amorosa de Guimarães como ao das Antas do Porto, e pouco mais. Não contando a gente rica, que ia a banhos para praias como a do Porto, à Foz , ou para a Póvoa, Mindelo e outras, assim como passeavam de carro por longe em qualquer altura. Só que na cabeça do povo andava mais o conhecimento do quotidiano da gente comum.



= Estádio e anexo campo de treinos das Antas, do F. C. do Porto - Aspecto nos inícios dos anos 60. =

Nos rádios da Casa do Povo, na oficina de bobinagem, na loja do Manel das Mobílias ou no Zé Luis como nos irmãos Freitas, então ambas Barbearias da Longra, ouvia-se com deleite cantigas em voga, como “A mim não me enganas tu / a panela ao lume e o arroz está cru...”, tal qual “Encosta tua cabecinha no meu ombro e chora / e conta tuas mágoas todas para mim...”, melodias entradas nos sentidos conforme as sensibilidades e mentalidades de quem fosse. O que para um entendimento infante era demasiado limitado ao som e palavras quase sem sentido, mas de certa maneira com manancial atractivo. Enquanto as mulheres, a hora certa do fim de dia, se juntavam numa das poucas casas com rádio para ouvirem romances radiofónicos.
Aos domingos de tarde na televisão da Casa do Povo os moços tinham os olhos pregados nos “macacos” da televisão, a verem o Zé Colmeia e outros que tais artistas figurões dos desenhos animados, antes e depois da palestra da “Tia Zé” e do filme da Laci (como diziam, mas Lacei no dizer dos mais entendidos e Lassie ao que vinha nas letras do original estrangeiro); e mais tarde, tempos passados, também de um cão que era o “artista”, o Rim-Tim-Tim; até chegarem as notícias ao escurecer. Chatice era quando de tarde aparecia na “caixota” da TV uma indesejada transmissão de touradas que duravam até mais não, e na inversa era um regalo quando havia jogo da bola dos poucos que apareciam no pequeno ecrã, assim como no verão se deparavam imagens da “Volta”, mexendo com todos tudo o que se passava nessa anual corrida de bicicletas de que tanto se ouvia falar.
Os petizes em idade escolar, os moços, como se dizia, andavam então mesmo atentos àquilo dos corredores. E então na época da “Volta”, em tempo de férias grandes, livres como passarinhos, mais parecia nem terem palha no ninho, largando a cama manhã cedo para irem logo para a porta da venda do senhor António Cândido com vista a comprarem o jornal para os irmãos mais velhos de cada qual, porque eles andavam na fábrica grande da Longra e só ao meio dia vinham a casa, apesar do jornal estar guardado para o efeito (havia lista de reservas, durante esse período de cerca de quinze dias!). Mas a pequenada, com avidez, o que queria era ver o que lá dizia dos seus ídolos das bicicletas (sobretudo dos das camisolas de que gostavam), pois que não tinham muito por costume ouvir notícias da rádio e muito menos da televisão (até porque de noite só os homens podiam ir ao bar da Casa do Povo), distraídos como andavam nas brincadeiras até de noite, primeiro a jogar à bola ou andarem ao calha durante o dia, senão a tomar banho todos nus no rio Sousa junto aos moinhos, e por fim em corridas e jogos do esconda-mocho pela fresca e ao luar veranzeiro.
Na localidade o ambiente parecia citadino aos olhos do pequeno residente, aconchegante no pulsar quotidiano, vendo o Largo da povoação arejado e esbelto nos passeios empedrados com grossas lajes graníticas e, à frente de algumas casas, ostentando pequenos jardins simples e até agradáveis canteiros relvados, enquanto apreciava o passar do trânsito na estrada nacional cujas bermas de terra, fora do centro, estavam permanentemente limpas e rapadas, aqui e ali contendo arbustos educados por cuidada poda, os quais engalanavam as bordas por detrás da sebe de murta sempre aparada, pela constante labuta do cantoneiro que tinha a seu cargo aquele troço de viação pública, ladeando essa via rodeada de casas com entradas calcetadas e portais encimados por trepadeiras floridas e glicínias que pareciam vergar ante o peso viçoso de salientes cachos azulados.

Começada a camioneta a andar ficava para trás a terra familiar aos olhos enquanto se deslocava a paisagem, mais parecendo que campos e casas andavam às avessas.
Um aperto no peito, talvez de comoção pela surpresa da primeira largada das saias da mãe, no sentido próprio da ausência dos pais como no mais amplo da própria terra, mas logo a algazarra de toda a gente distraiu parte dos pensamentos.
Começaram cedo cantorias populares por parte de alegre grupo de rapazes e raparigas. Entremeando com melodiosa balada do rouxinol (com seu canto de serenata à luz de lua cor de prata), mexida cantiga da Rosa arredonda a saia, a Rama da oliveira, Alecrim (alecrim / dourado / nasceste no monte / sem ser semeado...!), logo mudavam os cantores seu reportório de imediato, quando a camioneta atravessava uma vila ou terra mais desenvolvida, entoando todos lampeiros e felizes da vida, como que a meterem-se com os que presenciavam a sua passagem:

Ao passar a ribeirinha
Pus o pé, molhei a meia (bisando a frase duas vezes)
Não casei na minha terra
Fui casar em terra alheia (igualmente com duas repetições).

Ao passarmos por Lousada
Estavam todos à janela (repetindo na cantoria mais duas vezes - estavam todos à janela, estavam todos à janela).
Parece que nunca viram
Gente de fora da terra (...gente de fora da terra, gente de fora da terraaa)!

E, dali até ao Porto, nas vilas e povoações da passagem, repetiu-se a dose.

Decorreu a viagem, salpicada de pasmos e risotas, de permeio com felicidade estampada nos rostos de jovens da Liga, de cara feita à torrente de ar, deixando esvoaçar cabelo ao vento debruçados nas janelas, sem se importarem com as mangas das brancas camisas de popelina. Enquanto as crianças espreitavam pelos vidros tudo o que podiam. Nos olhos do pequeno viajante espelhavam cores vivas de alegria, experimentando também na alma contraditória disposição, mista de satisfação, ansiedade e nostalgia, deprimido de certa maneira ensimesmadamente deleitosa, tudo isso e o mais que nem sabia bem o que era, enfeixado em sentimentos poéticos de arreigo ao torrão natal, pois que a sua terra lhe parecia bem melhor que as terras que via, constatando então intimamente quão ligado se sentia à terra, descoberta que ia surgindo ao correr da paisagem como ténue saudade pelo que deixava, ainda que por algumas horas apenas.
E no regresso, depois, enchendo à medida o peito ao rever sítios conhecidos, feliz por de novo ir de encontro ao seu mundo, apesar de ter gostado deveras da grande cidade, para mais a terra do seu Porto e de todo aquele semblante citadino que presenciara, como lhe pareceu mais linda a sua terra! »



= Três pontes existentes no Porto nos anos 60 - Postal ilustrado da época. =

~~ * ~~
Ora, passados tantos anos, e entre tantas idas à cidade do Porto por necessidades logísticas, administrativo-burocráticas, comerciais e também de afeição desportiva, naturalmente, uma vez por outra ali retornamos em passeios de visitas culturais, por exemplo. Tal como recentemente, um dia destes, percorremos boas partes da urbe tripeira num misto de excursão turística, como por vezes sabe bem sentir. 




Quando fomos ao Porto num primeiro passeio, há quase meio século de distância física, havia sido inaugurada a ponte da Arrábida ainda há pouco, sendo a cidade um autêntico remanso que dava gosto vislumbrar, no seu casario em cascata colorida, entre jardins alcantilados. Um lindo e extenso espaço ajardinado se prestava como coração do centro citadino, na Praça, a avenida dos Aliados e praça da Liberdade, onde hoje se estende uma cinzenta eira que uma dupla duns tais Siza e Rio impuseram. Tal qual a emblemática estátua do guerreiro Porto estava rodeada de lindas flores nos jardins do parque do palácio de Cristal, coisa que esse tal rio, ainda atual e que foi das piores enchentes da cidade, aceitou que outro arquiteto esquisito pusesse de costas para a cidade, junto ao mamarracho, de reconstrução interventiva da casa dos 24, que ficou a estorvar a visibilidade da catedral; estátua aquela que, agora, por ora, puseram num dos lados, sim num dos passeios laterais, da Praça - quando havia tanto espaço central mais dignificante, atendendo à importância memorial daquela representação.   Enfim, numa diferença que com o tempo mais se acentuará.



Então, como visão atualizada, desse caso da recente visita a que nos referimos, guardamos umas tantas imagens, que partilhamos à posteridade.
























ARMANDO PINTO